Na Síria, que já viu tanta morte que os monitores deixaram de contar, talvez sejam as crianças que suportem o maior sofrimento. Um novo relatório da ONU sobre a situação das crianças na Síria revela que, nestes três anos de guerra civil, as crianças foram submetidas aos mesmos horrores da guerra que seus pais ou pior.
No curso da guerra, as crianças foram torturadas, mutiladas e abusadas sexualmente, segundo o relatório. O secretário- geral da ONU, Ban Ki-moon, qualificou a avaliação de “sofrimento indizível” vivido pelas crianças. Estima-se que pelo menos 10 mil crianças tenham morrido na guerra civil da Síria até agora, e que cerca de 5 milhões de pessoas foram afetadas.
No início de outubro de 2013, cerca de 3 milhões de crianças foram deslocadas e vivem em condições precárias na Síria e um número estimado de 1,1 milhão de crianças teria fugido do país com suas famílias.
Sem lugar para se enconder
Desde os primeiros momentos do levante sírio – que é uma tentativa de derrubar o governo de Bashar al-Assad, cuja família está no poder desde 1971 – crianças foram apanhadas no meio do conflito.
Foi a suposta tortura de crianças que foi pintada em slogans antigovernamentais em edifícios públicos em março de 2011 que começou a revolta popular, que desde então se transformou numa guerra civil em grande escala. O relatório da ONU detalha uma tendência de assassinatos indiscriminados, tanto por parte do regime de Assad quanto dos rebeldes.
A informação é baseada em entrevistas realizadas pela ONU, que incluem inúmeros relatos de refugiados sírios, vítimas e testemunhas. Os autores do relatório escrevem que a evidência fala de “tendências gerais” e é “apenas indicativo da escala, do escopo e da gravidade das violações cometidas contra as crianças na Síria”.
Num relato, um garoto de 16 anos que havia se juntado a um protesto antigoverno numa das principais cidades da revolta, Homs, foi baleado nas costas por um atirador de elite do governo, deixando-o paralisado. Em outro relato, pelo menos 18 crianças em aldeias alauítas foram mortas ou mutiladas em suas casas ou ao tentar fugir com membros da família.
Mas, mesmo que as crianças não chegassem perto do levante – cujo resultado definirá o futuro da nação síria –, a guerra as encontraria. Escolas em toda a Síria têm sido usadas pelas tropas governamentais e pelos rebeldes como quarteis ou centros de detenção. Atiradores foram posicionados nas escolas enquanto as crianças assistiam às aulas, segundo o relatório.
A partir de outubro de 2013, mais de 3 mil das 22 mil escolas da Síria foram destruídas ou danificadas, segundo dados do governo citados no relatório.
Perigo em toda parte
Enquanto os abusos e assassinatos de crianças nos dois primeiros anos do conflito são atribuídos principalmente às forças do governo, quando os rebeldes sírios ganharam mais terreno, os abusos atribuídos a eles também aumentaram.
Com acesso a armas mais pesadas, combatentes rebeldes sírios começaram a envolver-se em alguns dos mesmos assassinatos em massa que as forças do governo. Os rebeldes também têm recrutado ativamente crianças-soldados para suas fileiras, seja para operações de combate ou papéis coadjuvantes.
Uma nova tendência observada desde meados de 2013 mostra que, em áreas hoje controladas por combatentes aliados a grupos islâmicos extremistas, as escolas estão sendo usadas como bases para doutrinar as crianças para lutar em sua guerra santa.
Sequestros
O rapto de crianças tornou-se uma característica proeminente do conflito. Crianças têm sido usadas como um ativo comercial valioso das milícias pró-governo e dos grupos armados de oposição.
Os relatos sugerem que crianças raptadas são trocadas com o outro lado em troca da libertação de prisioneiros ou para resgates. Em outros casos, as crianças seriam sequestradas para pressionar suas famílias a apoiar o lado político do sequestrador.
Num caso, uma menina de 15 anos foi sequestrada quando fugia da violência na cidade de Abu Al Zuhur com sua família. A família teve de entregar seu dinheiro e carro para ter a filha de volta.