Crescimento da indústria de guarda-costas na China é um sinal de tempos de turbulência

13/01/2014 14:16 Atualizado: 13/01/2014 14:28

Com a virada do ano e entre as perspectivas de um novo ano, eu noto que muitas pessoas não têm percebido o crescimento significante e rápido da indústria de guarda-costas na China.

De acordo com um artigo do jornal chinês Economic Observer, a China tem agora mais de 4 mil empresas de segurança com mais de 4,3 milhões de guarda-costas. Por favor, note que este artigo se refere a empresas de segurança fornecedoras guarda-costas, em vez de outras empresas de segurança mais comuns.

Em 2010, a China começou a implementar o Regulamento Administrativo de Serviços de Segurança, que reconheceu oficialmente a legitimidade dos guarda-costas. Nos três anos desde então, a indústria de guarda-costas tem proliferado rapidamente, como brotos de bambu em crescimento.

Por que há esse rápido desenvolvimento? De acordo com os chefes dessas empresas de segurança, inicialmente a demanda veio de celebridades sociais, mas mais tarde alargou-se para toda a classe afluente na China.

O negócio é muito ativo, com a receita anual de algumas empresas atingindo centenas de milhões. Algumas empresas inclusive consideram vender suas ações em bolsa de valores. Isso é notável e digno do Livro Guinness.

O serviço de guarda-costas é uma indústria normal. Como os chineses dizem: “Há todos os tipos de aves na mata”, há todos os tipos de pessoas na sociedade. Celebridades e pessoas ricas são os alvos mais prováveis de sequestros e roubos, e assim existe uma indústria de guarda-costas.

Há guarda-costas nos Estados Unidos também. Até mesmo os governos contratam guarda-costas. Sua qualidade é geralmente elevada. Dignitários estrangeiros que vão a Nova York para conferências recebem proteção profissional de guarda-costas contratados pelo governo.

Eu recebi sua proteção quando cheguei aos Estados Unidos. A partir daí, eu aprendi que suas qualidades profissionais não são tão simples como retratadas em filmes de artes marciais. Guarda-costas é de fato uma indústria muito profissional e importante.

Bem-estar social

Mas, apesar de os Estados Unidos serem bem mais ricos do que a China, com muito mais celebridades, por que sua indústria de guarda-costas não é tão exagerada e perceptível como na China, que tem milhões empregados e centenas de milhões de dólares em lucros? Podemos analisar essa questão sob os seguintes aspectos.

Primeiro, a distribuição social americana é relativamente uniforme. Após a II Guerra Mundial, os países ocidentais têm implementado vários graus de medidas que promovam o bem-estar social e a igualdade de renda. As classes médias têm se desenvolvido e expandido, mantendo a distribuição da riqueza razoavelmente.

Nestas sociedades, não há o ódio severo contra os ricos nem há tantos roubos e sequestros como na China atual. Quando atritos sociais e estados de espírito extremos são suavizados e abrandados, não há necessidade de um grande número de guarda-costas.

Estado de direito

Em segundo lugar, as instituições legais no Ocidente garantem que as disputas sejam tratadas com justiça e igualdade. É impossível que uma sociedade não tenha todo o tipo de disputas. A diferença está nos métodos utilizados para lidar com eles.

Os antigos inventaram sistemas jurídicos para resolver diferentes disputas por meio de padrões abertos e transparentes, a fim de evitar que as disputas se expandam devido à lei da selva e à injustiça. A palavra chinesa para “justo” tem sua etimologia na abertura ou acesso e igualdade perante a lei. “Equidade” significa não se inclinar numa direção em detrimento de outra. Não há privilégios diante da lei.

O conceito de justiça é um fenômeno normal em países com estado de direito, mas na China a situação é bem diferente. O regime chinês e seu Partido Comunista violam aberta e rotineiramente a Justiça e o estado de direito. Inclusive é afirmado na Constituição que a autoridade do governo e do Partido Comunista está acima da lei.

Na realidade da China, a vontade de quem está no poder também é maior do que a lei, os direitos da classe privilegiada são maiores do que a lei, e aqueles que fazem cumprir a lei são livres para interpretá-la da maneira que lhes aprouver.

A lei não é mais uma instituição pública e se tornou uma ferramenta privada. Os princípios de equidade e justiça desapareceram.

Ilegalidade

Em terceiro lugar, numa sociedade injusta e submissa aos privilegiados, as pessoas ainda buscam equidade e justiça. Especialmente na China, que conheceu o estado de direito por mais de 2 mil anos, as pessoas não estão acostumadas a sujeição extrema e a injustiça.

Usando as palavras de Yang Jia, um herói respeitado pelos plebeus chineses: “Se você não me der justiça, eu lhe darei justiça.” Esta simples frase revela uma verdade profunda: sem equidade e justiça, não há lei. Em vez disso, há ilegalidade. Portanto, não há base legal que faça as pessoas aquiescerem.

Um governo que viola a lei enquanto tenta cumprir a lei é o maior violador da lei. Quando a Constituição chinesa coloca a autoridade do governo acima da lei, isso abole a autoridade da Constituição e da própria lei.

Como poderia uma Constituição, as leis e um governo sem autoridade administrarem uma sociedade? Em outras palavras, o regime comunista chinês perdeu sua legitimidade e deve contar com a violência para manter a aplicação da lei. É possível que essa sociedade tenha um governo legítimo estável?

Esse governo também tem dificuldade em manter a segurança na sociedade. Quando o governo não é razoável e não segue a lei, as pessoas se comportarão da mesma forma e também não serão razoáveis ou seguirão as leis.

Qin Shihuang, o primeiro imperador da Dinastia Qin, tinha a seguinte política nacional: “As pessoas aprendem a partir dos funcionários do governo.” Se os funcionários não têm respeito pelas leis, como se pode esperar que as pessoas sigam as leis?

A ilegalidade e a irracionalidade são amplamente difundidas na sociedade chinesa atualmente e isso tem suas raízes na Constituição e nas leis que seguem a ditadura de partido único do Partido Comunista Chinês.

O povo chinês tem uma tradição de ser cumpridor da lei. Mas depois de décadas do Partido Comunista no poder doutrinando as pessoas a desprezarem as leis, a legalidade tem cada vez menos autoridade.

Uma indicação de que a lei tem menos autoridade: Mais e mais pessoas estão usando meios ilegais para resolver seus problemas de riqueza e desavenças, porque questões de equidade e justiça não podem ser resolvidas de acordo com a lei.

Contrato social violado

Quando as pessoas tentam resolver seus problemas com as próprias mãos em vez de recorrer a um julgamento justo e imparcial num tribunal, com certeza haverá ainda mais distorção da justiça. Ou seja, quando altos burocratas e pessoas ricas não permitem que outras pessoas sejam tratadas com equidade e justiça, eles mesmos também perdem seus direitos à igualdade e justiça.

Com a difusão do pensamento e atitude de ilegalidade, com a disseminação de uma psicologia de ódio contra ricos e burocratas na China, o governo chinês precisa contratar milhões de policiais militares para impor ordem e os burocratas e ricos precisam contratar guarda-costas. Este é um fenômeno normal quando o próprio governo rasga o contrato social.

As pessoas não são cordeiros de Deus ou do governo. Entre o povo e o governo há uma relação contratual. Este contrato é a fonte da Constituição e das leis. Quando o governo viola o contrato, quando o governo não cumpre suas responsabilidades, o povo não mais age com responsabilidade em relação ao governo.

Quando a classe social superior na China trata os chineses comuns como cordeiros a caminho do matadouro, eles também se transformam em cordeiros a espera do abate. É por isso que a indústria de guarda-costas prospera na China hodiernamente.

A sociedade chinesa está à beira do colapso. A sociedade chinesa tem uma tradição de rebeldia e revolução, e esta é a véspera de um tempo de agitação social.

Wei Jingsheng é um proeminente dissidente chinês. Prêmios de direitos humanos que ele ganhou incluem o Robert F. Kennedy Memorial Human Rights Award em 1996, o Prêmio Sakharov do Parlamento Europeu pela Liberdade de Pensamento e o Olof Palme Memorial Prize. A Fundação Wei Jingsheng e a Overseas Chinese Democracy Coalition são dedicadas à promoção dos direitos humanos e da democratização na China. Para mais informações, visite www.weijingsheng.org

Este artigo foi transmitido pela primeira vez por Wei Jingsheng na Radio Free Asia.