O especialista em economia chinesa Nicholas Lardy disse que desequilíbrios e distorções têm de ser corrigidos
A China conseguiu dar a volta por cima da crise financeira global de 2008-2009 com 9.2 pontos percentuais em crescimento através de um programa de estímulo fiscal e monetário, de acordo com Nicholas Lardy, o especialista de maior respeito em economia chinesa.
Mas Lardy escreveu em seu último livro, “Sustentando o crescimento econômico chinês após a crise financeira mundial”, que o estímulo não se direcionava ao profundo problema estrutural e aos desequilíbrios na economia chinesa.
Lardy fez um grande caso baseado em números concretos que a China terá de revisar fundamentalmente sua economia se quiser prosseguir num crescimento econômico sustentável.
Discursando no imparcial Instituto Peterson de Economia Internacional no dia 1º de fevereiro para uma grande audiência composta por vários especialistas financeiros em China, Lardy disse que não pode imaginar que a maneira como a economia chinesa está estruturada, por exemplo, que 15% do PIB seja composto por habitação, possa continuar.
Para a China ter um grande crescimento econômico, ela terá de “mudar a composição da demanda em favor do consumo, longe de investimentos e exportações”, disse Lardy, na conclusão de sua palestra. Mudar a estrutura da economia requer tratar das distorções no índice de poupança, do mercado imobiliário, do sistema financeiro reprimido, e da taxa de câmbio.
Poupança familiar
A economia chinesa tornou-se cada vez mais desequilibrada desde 2002 ou 2003, de acordo com Lardy. Diz ele que o sistema financeiro tornou-se significativamente “reprimido” nos últimos sete ou oito anos.
Antes de 2004, o retorno real em depósitos na poupança era de 3% em média. Desde 2004, Lardy calculou que a média do retorno de juros estava em “território negativo”.
“Desde que o Banco Central tem completo controle sobre a taxa de juros nominal, ele pode gerar qualquer valor em depósito que desejar”, disse Lardy. Então, porque o Banco Central mudou sua política em 2004?”, perguntou Lardy. Uma razão foi que a rentabilidade do banco esteve bem alta. A menor taxa de referência que o Banco Central estabeleceu em depósitos deu aos bancos comerciais uma fonte muito barata de financiamento.
Seja qual for o motivo, o crescimento das poupanças familiares como rendimento disponível depois de 2003 “coincide com o aumento da repressão financeira que reduziu dramaticamente o retorno real para as poupanças”, disse Lardy.
Uma consequência da redução da taxa de juros leva a um aumento nas poupanças provenientes de rendimento disponível. Lardy exibiu uma tabela de 1997-2008 mostrando que a poupança familiar equivalia em média a 29% da renda disponível antes de 2003, quando a taxa de depósito por ano variou 3%. Depois de 2003, quando a taxa tornou-se negativa, a poupança familiar cresceu a uma média de 36% do rendimento disponível.
O aumento nas poupanças familiares contabilizou cerca de um quarto do declínio em longo prazo do consumo familiar como parte do PIB, escreveu Lardy.
O comportamento dos economistas chineses não foi como esperado. Logicamente, pode-se esperar que os chineses economizassem menos quando a taxa de juros (após a retirada da inflação) está negativa.
Lardy disse no Instituto Peterson que os chineses são “poupadores precavidos” e a China é “autosegura”. Ele conjecturou que a razão primária que faz grande parte do povo chinês economizar é obter certo nível de ativos financeiros. Visando alcançar seu nível almejado, famílias terão de economizar mais e consumir menos de sua renda.
Ele disse que isso “faz sentido numa sociedade em que a cobertura do seguro médico é limitada, o acesso a hospitais costumam depender de um pagamento em dinheiro adiantado, e é requerido altos adiantamentos quando se quer hipotecar uma propriedade residencial.”
Lardy recomenda ao Estado chinês que construa uma rede de segurança social mais forte para facilitar a redução da taxa de poupança familiar.
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Gigantescos investimentos imobiliários
Outro provável resultado do retorno anual negativo sobre os depósitos bancários após 2003 foi o grande crescimento de investimentos em propriedades residenciais, “o grande motor do crescimento econômico da China durante os últimos quatro ou cinco anos”, disse Lardy. A valorização média de uma casa recém-construída era de 4,6% em 2004-2010, o que é muito melhor do que o retorno negativo de 0,7% dos depósitos bancários.
Lardy comparou o auge do investimento residencial na China com outros países desenvolvidos em seus auges, visando mostrar o quão extremo a China se tornou. Seus gráficos mostram os investimentos imobiliários chineses em 2011, cerca de 9.1% do PIB, enquanto que o auge nos EUA (2005, 6%), Índia (2008, 5,2%), e Taiwan (1980, 4,3%) não estavam nem perto.
Ele não acredita que a taxa de investimento imobiliário chinês é sustentável, e espera uma queda acentuada. “Com a bolha imobiliária chinesa e suas políticas para suprimi-la”, alguém pode se perguntar como o crescimento da China será afetado, escreveu num email Tianlun Jian, Ph.D., um economista chinês, contribuidor do Epoch Times e ex-funcionário do Banco Popular da China.
As perspectivas para o aumento do consumo particular não são boas, pois investimentos controlam o crescimento, de acordo com Lardy. O crescimento da produção consiste em três componentes do PIB: consumo, investimento e exportações líquidas. “Investimentos expansivos tem sido um grande motor e cada vez são mais importantes para o crescimento na China”, escreveu Lardy.
Ele exibiu um gráfico mostrando uma parcela média de investimento do PIB em 37,1% em 1997-2003, que era de se esperar numa economia que está se industrializando. Após 2003, contudo, a média é de 44,1%, que é excepcionalmente alta para os padrões da Ásia Ocidental.
Enquanto isso, o consumo familiar tem diminuído bruscamente. O consumo médio de uma família era de 46% na década de 1990, um declínio ligeiramente maior que a metade do PIB em 1980. Então, começando em 2003, o consumo familiar caiu muito, para somente 35% do PIB em 2008 e 2009. Dados preliminares mostram 34% em 2010.
A taxa de 34-35% do consumo privado em 2008-2010 “é de longe a menor entre as grandes economias no mundo”, escreveu Lardy. Pode-se apreciar o quão baixo a taxa de consumo está relembrando o ponto mais baixo do consumo familiar nos EUA dos tempos modernos. Chegou a 50% durante a Segunda Guerra Mundial (1943-1944) quando a economia dos EUA foi convertida para produção de guerra, bens de consumo eram limitados, gasolina e comida eram racionadas, e os americanos estavam comprando bônus de guerra.
Sistema financeiro reprimido
As taxas de juros negativas das poupanças familiares e as consequências da suprimida renda familiar exemplificam o “reprimido” sistema financeiro a partir de 2003. Além disso, outras políticas estão reprimindo, como a minúscula porcentagem de indivíduos autorizados a comprar títulos do governo.
Os fenomenais altos índices da taxa de reserva requerida aos bancos comerciais com depósitos no Banco Central também estão reprimindo. Os depósitos requeridos têm aumentado rapidamente enquanto que a taxa de reserva alcançou um nível recorde em 2001, de 21,5%.
“O ‘reprimido’ sistema financeiro significa que as famílias e corporações não têm mais outra opção para investir seu dinheiro, além do sistema bancário estatal, que paga juros desprezíveis. Em certo sentido, o sistema bancário estatal toma barato a poupança das famílias e empresas e as usa em projetos aprovados pelo Estado com baixas taxas de juros”, escreveu num e-mail o Dr. Christopher A. McNally, um economista político do Centro Leste-Oeste da Universidade de Chaminade, e editor do “Política econômica emergente da China: Capitalismo na cova do dragão” (2008).
“A repressão financeira tem sido um subproduto da política de taxa de câmbio do governo”, que mantem a taxa de câmbio do Renminbi subvalorizada, disse Lardy. A taxa de câmbio efetiva estava valorizando numa média de 4,4% no período de 1995-2002, mas, logo em seguida, caiu dramaticamente no período de 2003-2010 para uma média de 0,5%. Atualmente, a oferta da moeda doméstica aumenta num gritante 9% ao ano.
Diante desse grande superávit, o Banco Central interviu no mercado de câmbio estrangeiro, levando a um massivo acúmulo de reservas cambiais estrangeiras oficiais de 3,2 trilhões de dólares na metade do ano de 2011. É bom lembrar que no final do ano de 2003, as reservas eram de apenas 120 bilhões de dólares.
Para manter a inflação sobre controle, o Banco Central apertou “o dinheiro, mas não através do crescimento da taxa de juros, mas pelo aumento requerido da proporção de reserva para reduzir a circulação de dinheiro”, disse Jian.
Reequilíbrio estagnado
Não é mencionado nessa discussão sobre distorções da economia chinesa os subsídios na produção, que trabalham em detrimento do setor de serviços. A ênfase na exportação é bem conhecida e como outras distorções, repressão financeira e desvalorização da taxa de câmbio, isso trabalha contra o reequilíbrio da economia chinesa necessário para a economia global atual.
O reequilíbrio do comércio tem implicações para o financiamento dos déficits dos EUA. De uma perspectiva global, a China não mais contribuiria para desequilíbrios econômicos globais que levam à crise financeira global e grande recessão, de acordo com Lardy.
Lardy frequentemente cita o primeiro-ministro chinês Wen Jiabao que uma reforma significativa é necessária para um crescimento econômico sustentável, “O crescimento econômico chinês é instável, desequilibrado, descoordenado e insustentável”, disse Wen em março de 2007.
Wen desde então foi repetidamente chamado para reformar e reequilibrar e jurou “empreender reformas baseadas no mercado para a taxa de juros”, escreveu Lardy em seu livro. Lardy notou que o apoio do líder do Partido Comunista Chinês às reformas pode ser encontrado no 12º plano quinquenal e outros documentos.
Mas não há nada novo nas chamadas para reforma, disse Lardy. A reforma necessária não está dando nem pequenos passos.