O Superior Tribunal de Justiça (STJ) iniciou na quinta-feira (21), o julgamento do recurso especial do coronel da reserva, Carlos Alberto Brilhante Ustra, contra decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, que o reconheceu como responsável por torturas contra presos políticos nos anos da ditadura. Ao apresentar seu voto na abertura da sessão, a ministra Nancy Andrighi, relatora do processo, defendeu o pedido do coronel e a extinção da ação.
De acordo com a ministra, a ação declaratória contra o militar não tem procedência. Nancy lembrou que ele também foi beneficiado pela Lei da Anistia de 1979. Destacou passagens da lei e afirmou que seu objetivo principal foi a pacificação nacional após o fim da ditadura. De acordo com informações publicadas no site Migalhas, especializado em questões jurídicas, a ministra disse que a lei foi “um passo importante e necessário para romper definitivamente com aquele triste passado, para reescrever a história pensando no futuro”. O voto da relatora foi seguido pelo ministro João Otávio de Noronha.
A sessão teve que ser suspensa em seguida, porém, com o pedido de vista apresentado pelo ministro Paulo de Tarso Sanseverino. Ainda não há data prevista para a retomada do julgamento. O caso está sendo julgado pela 3ª Turma do STJ, que conta atualmente com quatro ministros. Ao comentar o voto da relatora, o defensor do coronel, advogado Paulo Esteves, disse que ela seguiu o que determinam as leis do País. “Prevaleceram a Constituição e a Lei da Anistia”, afirmou.
Ustra comandou o Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi), do 2.º Exército, entre setembro de 1970 e janeiro de 1974. Segundo a Comissão Nacional da Verdade, aquele foi um dos principais centros de tortura de presos políticos no período da ditadura. Em 2008, os ex-presos políticos César Augusto Teles, Maria Amélia Teles e Criméia Alice Schmidt de Almeida, que foram torturados nas dependências daquela instituição militar, recorreram à Justiça para obter uma declaração legal apontando o coronel como responsável pelas violências.
Queriam o estabelecimento de uma relação jurídica de responsabilidade civil entre eles e o militar. O caso chegou ao Tribunal de Justiça de São Paulo em 2012. Saiu dali a primeira decisão judicial de segunda instância, desde o fim da ditadura, em 1985, que declarou oficialmente que um agente do Estado foi responsável por torturas. Segundo os desembargadores paulistas, o coronel Ustra não cumpriu sua obrigação legal de preservar a integridade física e moral de pessoas mantidas sob a custódia do Estado. A ação cível, sem pedido de indenização, prisão ou suspensão de aposentadoria, foi a brecha legal encontrada pelas vítimas de torturas para atingir o coronel. Em todas as tentativas anteriores de responsabilizá-lo por violações de direitos humanos, seus advogados já haviam recorrido à Lei da Anistia, com sucesso.
A decisão da ministra Nancy não constitui uma novidade no cenário jurídico. De maneira geral, as cortes superiores têm defendido que todos os agentes públicos acusados violações de direitos humanos foram beneficiados pela Lei da Anistia. Também pesa na discussão a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que, ao julgar um pedido feito pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), sobre o alcance da lei, afirmou que beneficiou também os agentes públicos.