E se o Brasil começasse a levar a sério o Dia do Empreendedor? É o 5 de outubro, data da aprovação do Estatuto Nacional da Microempresa e Empresa de Pequeno Porte, que não importa agora. Importa celebrar aquelas pessoas que estão abrindo novos caminhos sem a certeza de que alguém irá segui-las, celebrar quem está apostando alto em projetos que acabarão abandonados, superados ou copiados. Vamos celebrar as futuras falências, o fracasso iminente.
Nassim Taleb escreve em Antifragile a mensagem que deveria acompanhar a celebração de um Dia do Empreendedor:
“A maioria de vocês irá fracassar, acabarão desrespeitados, empobrecidos, mas nós somos gratos pelos riscos que estão tomando e pelos sacrifícios que vocês estão fazendo para o crescimento econômico do planeta e para tirar os demais da pobreza. Vocês são a fonte da nossa antifragilidade. Nossa nação agradece a vocês.”
Por que comemorar o fracasso, e não apenas o sucesso? Porque a estrada do sucesso futuro é pavimentada com as ruínas dos fracassos passados. A falência cumpre na economia o papel que a falsificação de hipóteses cumpre na ciência experimental. “Alguém que não encontrou uma coisa está fornecendo conhecimento aos demais”, diz Taleb, “conhecimento do melhor tipo, aquele da ausência (do que não funciona).”
Cada vez que você entra em um restaurante bom, que lhe agrada, lembre do outro empreendedor, que naufragou com seu outro restaurante menos agradável, mas que ajudou o processo de aprendizado de todo o setor de alimentação. Se o setor de restaurantes parece imune a crises, agradeça ao fato de ser um setor de maior rotatividade, com alto índice de falências. A fragilidade de cada estabelecimento deixa mais robusto o setor como um todo.
Enquanto cada empreendedor caminha com prudência em sua luta por sobreviver, a sociedade se beneficia de quem está mais disposto a correr altos riscos. Para que haja mais empreendedores com maior ousadia, precisamos elevar moralmente o status da atividade empresarial. Continua Taleb:
“A fim de progredir, a sociedade moderna deveria tratar empreendedores arruinados da mesma maneira que honramos soldados mortos, talvez não com tanta honra, mas usando exatamente a mesma lógica.”
Não é difícil encontrar empreendedores arruinados. Cerca de metade das empresas no Brasil não consegue sobreviver mais de três anos. Apenas uma minoria atravessa a marca dos cinco anos com vida. Como já disse em outro lugar, para abrir uma empresa no Brasil, gasta-se 152 dias com a obtenção de todas as licenças, inspeções e registros necessários. Leva-se quatro anos para fechá-la. No mesmo período, é possível abrir e fechar 7 empresas em Cingapura.
Até quando os empreendedores vencem no mercado, seu sucesso pode ser logo perturbado pelo que Werner Sombart e Joseph Schumpeter chamavam de destruição criadora. A próxima inovação pode sepultar a anterior. Deirdre McCloskey dá um exemplo:
“Pense nas mais recentes cadeiras de praia, dobráveis e de lona, antes vendidas por US$ 40 e que agora custam U$ 6. Elas levaram à falência companhias que faziam as cadeiras de alumínio mais antigas. Por sua vez, essas levaram à falência as velhas cadeiras dobráveis de madeira, que por sua vez levou à falência as ainda mais antigas cadeiras de madeira não dobráveis.”
As pequenas grandes maravilhas do mundo contemporâneo foram trazidas por empreendedores. Foram eles que fizeram com que o smartphone que você tem no bolso (ou que está usando para ler esse texto) tenha uma capacidade de processamento superior a todo o projeto Apolo no ano em que o homem foi à lua.
Também foi o empreendedorismo que ajudou a cortar a pobreza mundial pela metade nas duas últimas décadas. E os pobres não apenas enriquecem como objetos do empreendedorismo alheio. Eles abandonam o poço da pobreza pela escalada do empreendedorismo próprio — especialmente quem estava amarrado ao fundo, como os dalit, a casta dos “intocáveis” na Índia.
O New York Times relata a transformação dos intocáveis. Estagnados em meio a preconceito social e político histórico, os dalit nasciam pobres e morriam sem esperança de mobilidade social. A constituição indiana “relegou os dalit à base da pirâmide social e os condenava a empregos de baixo status, como barbearia e trabalhos com couro”. Nas salas de aula, as crianças dalit tinham que se sentar no chão. Os pais não podiam ir ao mesmo templo ou beber da mesma água das castas superiores.
Até que algo aconteceu. Os dalit começaram a “combater o sistema de castas com o capitalismo”. Com a abertura comercial indiana em curso há mais de vinte anos, os intocáveis aproveitaram a oportunidade para abrir suas próprias empresas e contratar funcionários da sua própria casta. Formaram sua própria câmara de comércio e indústria, “um próspero centro de líderes empresariais que ignoram por completo a intervenção do governo, realizando contato diretamente com candidatos qualificados e preenchendo ordens de compra de outras empresas dalit“.
Resultado? A diferença salarial entre os intocáveis e as outras classes caiu de 36% em 1983 para 21% em 2011, “menor que a diferença salarial entre trabalhadores brancos e negros nos Estados Unidos. A desigualdade educacional caiu pela metade.”
A ascensão econômica traz ascensão social. Ashok Khade, um empresário dalit, ainda se lembra de como era a vida antes do capitalismo, apesar de hoje ser recebido com saudação pelos líderes locais quando chega de BMW prata em sua vila natal.
“Esse é um período de ouro para os dalit“, diz Chandra Bhan Prasad, pesquisadora e ativista dalit que hoje defende o capitalismo entre os intocáveis. “Por causa da nova economia de mercado, a sinalização material está substituindo a sinalização social. Os dalit já podem comprar sua posição na economia de mercado. A Índia está passando de uma sociedade de castas para uma sociedade de classe.”
(Fazemos filmes de atletas em provas de superação e de artistas psicologicamente torturados. Mas não celebramos o suficiente nossos empreendedores. Pense nas novelas. Quantos vilões eram empreendedores? E quantos heróis?)
Os pobres brasileiros podem exercitar a mesma coragem dos intocáveis indianos se suas oportunidades econômicas forem ampliadas. Devemos diminuir o custo de abrir e operar uma empresa para que o caminho do empreendedorismo esteja aberto à base da nossa pirâmide social. Muitos irão fracassar. Por isso é importante honrar cada tentativa. Outros irão ter sucesso, e servirão de exemplo para novas gerações:
Diogo Costa é presidente do Instituto Ordem Livre e professor do curso de Relações Internacionais do Ibmec-MG. Trabalhou com pesquisa em políticas públicas para o Cato Institute e para a Atlas Economic Research Foundation em Washington DC. Seu blog é Capitalismo Para Os Pobres
Esta matéria foi originalmente publicada pelo Instituto Ludwig von Mises Brasil