Manifestantes denunciam perseguição, armas de fogo e Estado de Exceção
RIO DE JANEIRO – Cerca de 65.000 pessoas protestaram na tarde deste domingo (30) ao redor do Estádio Jornalista Mário Filho, o Maracanã, na zona norte do Rio, onde ocorreu a final da Copa das Confederações, entre Brasil e Espanha, segundo a Polícia Militar. Após um princípio de conflito pouco antes do início do jogo, a polícia iniciou uma operação sistemática com bombas de gás lacrimogênio e balas de borracha.
Ao fim da partida, já não havia mais manifestantes nas imediações do estádio, mas o gás lacrimogêneo pôde ser sentido por torcedores e pelo menos uma torcedora brasileira teve que ser socorrida por bombeiros. Segundo a PM, três policiais ficaram feridos e nenhum manifestante foi preso. De acordo com a corporação, foram apreendidos 17 coquetéis molotov e um homem foi detido após furtar a câmera de um jornalista. Muitas pessoas terminaram intoxicadas e feridas.
Os manifestantes portavam cartazes e gritavam palavras de ordem contra a privatização do Maracanã, os altos gastos nas obras para a Copa e pela desmilitarização da polícia. Índios também exigiam o retorno ao antigo Museu do Índio, a Aldeia Maracanã, vizinho ao estádio e desocupado à força para a criação do Museu Olímpico.
A manifestação começou de manhã reunindo cerca de 25.000 manifestantes na Praça Saens Peña, na Tijuca, zona norte da cidade, no mesmo bairro, segundo a Polícia Militar. Por volta das 15h, cantando e bradando “Vem para a rua, vem”, os manifestantes marcharam pela Rua Conde de Bonfim até a Praça Afonso Pena, reivindicando também o fim das remoções de comunidades sob pretexto dos megaeventos, a anulação dos processos criminais juntamente com a libertação de presos políticos nos atos contra o aumento da passagem, a CPI dos Ônibus e a democratização e revisão das concessões dos meios de comunicação.
Leia mais: Polícia esmaga protesto de 1 milhão de pessoas no Rio
Mais tarde, nova leva de manifestantes, que não paravam de chegar, partiu da mesma Praça Saens Peña e se juntou à marcha, com faixas e cartazes, exigindo ainda investimentos em saúde e educação, setores populares nos estádios, fim da privatização de serviços públicos e da internação compulsória da população em situação de rua. Uma equipe da Rede Globo foi expulsa do local pelos manifestantes.
Organizada também pelo Comitê Popular da Copa e das Olimpíadas/RJ, a marcha, como previsto, iniciou seu trajeto para o Estádio do Maracanã, pela Rua São Francisco Xavier, por volta das 18h. Nas imediações do estádio, os manifestantes alcançaram o bloqueio, já formado pelas forças de segurança desde o início da tarde, onde cerca de 6.000 pessoas também já protestavam, de forma divertida e performática, com bambolês, malabares, narizes de palhaço e discursos. Muitos policiais estavam sem identificação.
O cordão de isolamento cobriu um raio de 3km e contou com sete mil homens da Polícia Militar, Polícia Civil, Força Nacional de Segurança, Tropa de Choque e Batalhão de Operações Especiais, incluindo cavalaria, canil, blindados, helicópteros e agentes à paisana. Segundo a Secretaria Extraordinária de Grandes Eventos, o total de agentes escalados para a realização da final deste domingo foi de cerca de 11 mil agentes, o maior esquema de segurança já montado no país para um jogo de futebol.
Uma circular da prefeitura foi distribuída no local, informando que a circulação a pé na área interditada só seria permitida a quem portasse ingresso ou comprovante de residência. “Atenção, ao sair de casa, leve conta de luz, telefone ou similar para evitar ser impedido de retornar”, afirmava a nota.
O empresário Marcos Melo protestou. “Ser privado do meu direito de ir e vir em função de uma gigantesca ilha de isolamento criada em minha cidade para um jogo, acho isso uma gritante violência”, disse. “Legal quem queira ver o jogo e tal, mas eu é que não dou um centavo para sustentar esse imenso teatro à base de tantas coisas feias, injustas e irregulares contra a sociedade. Só para comparar, em festa de Ano Novo são cerca de 1.200 policiais nas ruas do Rio. Fico imaginando quanto estará custando essa operação aos cofres públicos”, completa.
Pela manhã, cerca de 40 manifestantes da Frente Nacional dos Torcedores ocuparam por uma hora a sede da Comissão Brasileira de Futebol (CBF), na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio, segundo a PM. Os manifestantes exigiam a saída do presidente da CBF, José Maria Marin, do comando da entidade e da organização da Copa 2014 (COL-2014), e a aprovação da PEC 202, que visa regulamentar a administração desportiva, segundo nota do movimento. Eles saíram pacificamente após negociar com os policiais.
Caça
Após a entrada dos torcedores no estádio, às 18h45, uma bomba de efeito moral foi lançada pelo Choque. Os manifestantes gritavam “Sem violência” e tentavam entender o que se passava. Bombas começaram a ser atiradas contra os manifestantes em sequência, inclusive por helicópteros, aleatoriamente, que davam rasantes muito baixos fazendo trepidar árvores e vidraças. Houve pânico e correria. Uma bomba de gás invadiu um apartamento.
A essa altura, um coquetel molotov atirado por um suposto radical deu início a uma perseguição pelas forças de segurança e uma parte dos manifestantes, gritando “Não corre, não corre”, tentou voltar para a Praça Saens Peña, mas foi cercada pela polícia. Os manifestantes foram encurralados nas ruas transversais à Avenida Maracanã e Rua Barão de Mesquita pelo Batalhão de Choque e os soldados passaram “varrendo-as” com bombas de efeito moral, gás lacrimogênio e spray de pimenta. Nem advogados do Ministério Público, Defensoria Pública e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), em serviço no local para impedir excessos de ambas as partes, foram poupados.
A caça aos manifestantes se estendeu até a Quinta da Boa Vista, na Mangueira, e a Vila Mimosa, na Praça da Bandeira, regiões adjacentes ao bairro do Maracanã, ainda na zona norte, onde também houve encurralamento aos protestantes, na Rua Ceará. Manifestantes também se refugiaram na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e alguns foram atingidos no rosto por balas de borracha.
As principais redes brasileiras de televisão em canal aberto sequer transmitiram ao vivo o protesto, que foi reportado em tempo real somente através de páginas do Facebook e pelo Twitcast ‘MídiaNinja’.
Dentro do estádio, durante a apresentação de abertura da final da competição, que contou com os músicos Arlindo Cruz, Ivete Sangalo e Jorge Ben Jor, figurantes voluntários da Copa quebraram o protocolo e estenderam uma grande faixa onde se lia “Imediata anulação da privatização do Maracanã”. Eles saíram de dentro de protótipos de bolas de futebol espalhadas no campo. Alguns torcedores burlaram a censura imposta na entrada e também exibiram cartazes como “Copa pra quem?” e “Queremos escolas e hospitais padrão Fifa”.
Pelo menos outras cinco capitais também realizaram protestos neste domingo, sem incidentes: Salvador (BA), São Paulo (SP), Belo Horizonte (MG), São Luís (MA), Brasília (DF). Em Salvador houve manifestação pela manhã ao redor do estádio Mineirão, durante a definição do terceiro colocado, entre Uruguai e Itália.
Continua na próxima página…
Relatos… Vídeos… Fotos…
[divide]