O “Jogo Bonito” se tornou feio. A cada dia que passa a correria pela disputa nas finais da Copa do Mundo traz novas notícias de protestos surgindo nas ruas do Brasil. “Precisamos de escolas, não de estádios!”, dizem as placas dos manifestantes, “FIFA vá embora!”, “Para quem é essa Copa?”
Em um país onde o futebol é uma instituição sagrada, é preciso muito para que o esporte seja desconsiderado, especialmente quando este sempre foi o foco. Mas o que é bastante claro aos brasileiros é que seu país está sediando a Copa e a maioria deles não foram nem mesmo convidados.
Mais de 10% da população brasileira ainda vive com menos de R$ 4,00 por dia, sofrendo para obter acesso ao sistema de saúde e à educação. Ainda assim, esta Copa foi a que mais gastou, tendo custado cerca de R$ 24 bilhões – dinheiro que poderia ter sido gasto em outras coisas mais relevantes. O sentimento foi capturado por um artista paulista de rua, Paulo Ito, um mês antes do evento da copa, onde mostra uma foto de um menino em prantos sem nada para comer e paralelamente o sucesso do futebol na internet.
Para aqueles que trabalham nos programas acadêmicos de todo o país, a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016 representam uma oportunidade quase perdida para as pessoas mais pobres no Brasil, caso as portas das instalações esportivas e locais de prática de exercícios não sejam abertas a todos, como fizeram no Reino Unido, que estimulou a população a praticar esportes após o fim do evento de 2012.
O problema, afirma Pedro Hallal, é que esportes e saúde são tratados com medidas diferentes por ministérios diferentes, o que significa que não houve um esforço coordenado de ambas as partes para estimular a vida saudável e a prática de esportes. Outros dizem que as prioridades políticas são diferentes, particularmente com as eleições tão próximas. “Provavelmente nossa população não estará mais tão ativa após estes eventos”, afirma Rildo de Souza Júnior Wanderley, doutorando de um programa das academias em Recife. “O governo tem outros problemas para resolver primeiro. O debate aqui, é mais focado em transporte e outros problemas de infraestrutura”.
Aqueles que trabalham em academias tentaram buscar alternativas para utilização dos espaços destinados a Copa de 2014 e a futura Olimpíadas de 2016. O governo havia prometido realizar eventos públicos em cada uma das cidades-sede cem dias antes da Copa do Mundo, diz Emmanuelly Lamos, outra aluna de doutorado que trabalha com academias em Recife. Ela e sua equipe planejaram uma divertida comemoração: correr ao redor do lado de fora do estádio de futebol da cidade – que sediará os jogos da Alemanha, Itália, Japão, México e EUA – para os participantes das academias.
“O foco das Olimpíadas e da Copa do Mundo são os esportes, e não a atividade física em geral, então não creio que a Copa focará nisso”, Lamos afirma. Mas o governo poderia se valer dessas iniciativas para torná-las eventos regulares, ela acrescenta. “Alguns eventos poderiam trazer resultados positivos para o governo se este decidisse tocar tais projetos de estímulo à atividade física”.
No entanto, desde que o governo retirou o apoio ao evento, Lamos disse que foi forçada a mudar de planos.
As notícias também levantaram algumas esperanças – o plano era também permitir aos participantes de academias o privilégio de dar uma olhada dentro do estádio de Recife, algo que muitos somente terão oportunidade de ver pela tela de seus televisores.
No início deste ano, a cidade declarou não estar preparada para financiar os custos dos Fifa Fan Fests – telões em locais públicos que possibilitavam que fãs sem condições financeiras para adquirir ingressos assistissem aos jogos e celebrassem juntos.
Apesar da FIFA estar disponibilizando alguns ingressos mais baratos aos brasileiros, poucos puderam arcar com os custos de assistir aos jogos em suas cidades, afirmou Wanderley. “A FIFA ofereceu ingressos por 60 reais. No entanto, esgotaram-se rapidamente e apenas alguns cidadãos de classe media conseguiram comprá-los”.