A contradição das esquerdas

14/04/2014 13:12 Atualizado: 14/04/2014 14:31

O tempo passa, as sociedades evoluem, as ideias se renovam, mas há coisas que não mudam jamais. O ódio das esquerdas ao livre mercado, por exemplo, é uma delas. Esse ódio, entretanto, tem contornos extremamente contraditórios, pois parte daqueles que, pelo menos da boca para fora, se intitulam defensores dos fracos e dos oprimidos. Afinal, o capitalismo tem como principal virtude oferecer produtos e serviços de forma abundante e a preços accessíveis, transformando os consumidores de baixa-renda nos seus principais beneficiários.

Peguemos, por exemplo, a fúria dos ungidos¹ contra o Walmart. A acusação mais frequente a esse maldito conglomerado — que insiste em vender mais barato que a concorrência — é de que ele paga salários muito baixos aos seus empregados, além de não conceder certos benefícios extras, “exigidos” por sindicatos de trabalhadores. A ladainha é a mesma de sempre: o capitalista ganancioso explora o trabalhador indefeso, pagando-lhe salários injustos.

O que os ungidos nunca dizem é que a empresa da Família Walton costuma empregar muitos jovens, sem qualquer experiência profissional anterior, e idosos, que trabalham para complementar suas aposentadorias. “Esquecem” ainda que, se esses indivíduos não estivessem trabalhando para o Walmart, estariam provavelmente engordando os índices de desemprego, já que em qualquer país livre, como os EUA e outros onde o WM está instalado, ninguém pode obrigar os demais a trabalhar. Os contratos são atos voluntários entre as partes e, portanto, se existe gente interessada em vender serviços a um patrão ganancioso e malvado, é porque as alternativas certamente seriam piores. Porém, nada disso importa diante do indefectível argumento da exploração do trabalhador pelo bicho-papão capitalista, que dá origem à não menos famosa e estapafúrdia teoria da luta de classes, sofisma marxista subjacente à maioria das críticas ao processo capitalista.

A ciência econômica é, frequentemente, contraintuitiva (oposta ao senso comum) e, por isso, quase sempre mal compreendida pela maioria das pessoas (muito por culpa dos próprios economistas, que fazem questão de torná-la ininteligível para os reles mortais). A vanguarda do atraso se vale exatamente dessa dificuldade cognitiva para espalhar desinformação e, de quebra, todas as falácias que lhes interessam.

Ludwig Von Mises foi um dos economistas que fugiu à regra acima. No seu monumental Ação Humana, ele discute o tema do trabalho de forma brilhante e exaustiva, explicando detalhadamente como e porque a labuta só é preferível ao ócio (termo usado aqui no sentido de “não-trabalho”) até onde o produto daquela é mais urgentemente desejado do que satisfação gerada por este. O homem, ao considerar o esforço físico, mental ou psicológico do trabalho, avalia não somente se haveria um fim mais desejável para o emprego de suas energias, mas também, e não menos, se não seria mais conveniente e satisfatório abster-se dele. O ócio seria, portanto, “objeto da ação intencional do ser humano”, ou, nas palavras do autor, um “bem econômico de primeira ordem”, enquanto o trabalho é somente um dos meios utilizados para alcançá-lo.

Qualquer que seja o nível de renda, portanto, a maioria dos homens estará propensa a largar o trabalho no ponto em que não mais considere a sua utilidade como compensação suficiente para o desconforto gerado por ele. Por esse mesmo raciocínio, se houver alguém disposto a pagar para que não façamos nada, o produto do trabalho terá que ser bem mais alto e, consequentemente, compensador, para que nos disponhamos a abandonar o ócio remunerado (vide o resultado de programas como seguro-desemprego, Bolsa-Família e congêneres na oferta de mão-de-obra).

Esta lição simples é constantemente negligenciada pelos ungidos ao despejar sobre nós os seus sofismas econômicos. Malgrado a fantasia marxista da “mais valia” já tenha sido sobejamente desmentida por inúmeros economistas, a imagem apresentada ao público continua sendo a de que as grandes corporações se beneficiam dos baixos salários pagos aos funcionários ou, em palavras mais exatas, que o capital é o grande vilão do trabalho.

Não é outra a razão por que essa gente é contrária a qualquer avanço econômico ou tecnológico. No passado, espernearam contra inovações que melhoraram muito a vida do ser humano em geral, como a linha de montagem e a mecanização industrial. Hoje, combatem a robótica, os computadores e tudo quanto possa aumentar a produtividade de um trabalhador. Aqui no Brasil, por exemplo, os ungidos lutam contra o agro-negócio e defendem a volta de uma extemporânea agricultura familiar.

O rancor provocado pelo Walmart nos ungidos só pode estar ligado a um latente inconformismo com o fato de que ele consiga abastecer o mercado de forma eficiente, abundante e econômica, algo que as suas utopias socialistas jamais conseguiram. O êxito do WM está diretamente relacionado aos preços baixos que pratica, os quais beneficiam milhões de consumidores, especialmente de baixa renda. Estivessem os ungidos realmente em sintonia com os seus discursos e preocupados com os mais pobres, deveriam ser os primeiros a desejar-lhe vida longa e próspera. No entanto, o sucesso de empresas como esta representa um perigo real para todos aqueles que ainda insistem em enxergar o capitalismo como algo nocivo.

[1] Uma gente que “acredita estar de posse de alguma sabedoria especial capaz de fazer do mundo um lugar melhor”. (Thomas Sowell, em The Vision of The Anointed: Self-Congratulation as a Basis for Social policy)

João Luiz Mauad é administrador de empresas formado pela FGV-RJ e profissional liberal (consultor de empresas)

Esse conteúdo foi originalmente publicado no portal do Instituto Ordem Livre