Considerações sobre o momento pós-eleitoral na Colômbia

27/06/2014 08:00 Atualizado: 27/06/2014 08:51

1. A reeleição de Juan Manuel Santos, em 15 de junho passado, é uma verdadeira derrota do uribismo. Porém, ela não é definitiva, nem marca o fim de uma época. Pelo contrário, o combate entre democracia e coletivismo na Colômbia se agudiza. Santos terá quatro anos mais para culminar seu único plano de governo: seu processo de capitulação ante as FARC. Essa linha é o que ele chama de “processo de paz”. Essa capitulação, que Santos mostrou como uma via razoável para a paz, não é só um erro, é uma calamidade para a Colômbia. Desde 1970, cada governo colombiano propôs às FARC soluções pacíficas. As FARC as rechaçaram sempre. Fizeram saber que a capitulação era a única saída. É o que chamam “solução política”. Não eram cálculos locais. Eram os desígnios da URSS em plena Guerra Fria. A via da capitulação começou a ser uma tentação. Ela existiu de maneira latente e vacilante, com altos e baixos, desde então. Essa idéia, inoculada à classe dirigente pelas próprias FARC, é o maior logro subversivo desse aparato de morte, desde sua fundação nos anos 50. Só Álvaro Uribe Vélez, em seus dois períodos de governo (2002-2010), rechaçou essa tentação e conseguiu tirar as FARC do universo político e militar. Com Juan Manuel Santos essa tentação renasceu e transbordou. Hoje chega a seus limites mais extremos. Pela primeira vez, um presidente põe em evidência o liberalismo político e econômico da Colômbia e ganha uma eleição apresentando isso como um “processo de paz”. Se esse projeto não for derrotado, a Colômbia terá que aceitar ser mais uma vítima da depredação política, econômica e financeira de Cuba, o verdadeiro artífice da subversão global, como é hoje a Venezuela.

2. A eleição de 15 de junho foi a expressão genuína da vontade dos colombianos? Essa é a grande dúvida que essa jornada eleitoral lança. O Centro Democrático (CD) haveria aceitado a vitória de Santos se ela houvesse sido impecável. Ela não foi. Essa eleição gera um imenso mal-estar. A re-eleição de Santos está salpicada de irregularidades. Isso privou a Colômbia do momento de concórdia nacional de que goza toda democracia, após a eleição de um novo mandatário. A Colômbia deixou de ser um país onde há eleições livres? Essa pergunta hoje é legítima. Houve fraude massiva no segundo turno? Alguns sustentam que sim. O Conselho Nacional Eleitoral (CNE) nega. Por que dirigentes e técnicos do organismo eleitoral venezuelano estavam na Colômbia antes e durante essa eleição? Que papel tiveram nesse dia? Ninguém explica. Sabemos que o episódio do vídeo manipulado do Ministério Público e Semana procurou colapsar a candidatura de Zuluaga. Finalmente, a Registradoria, em 40 minutos, deu os dados de 100% da votação (89.391 mesas), antes que 80% delas houvesse reportado os resultados. O que é isso? O velho vício da compra de votos em regiões e cidades alcançou níveis surpreendentes, mas não explica tudo. A transmissão dos dados eleitorais pode ter sido o principal instrumento da fraude. O ex-presidente Uribe estima que estamos ante a maior fraude eleitoral da história da Colômbia. O sistema eleitoral atual é defeituoso e oferece brechas à fraude. Esse sistema deve ser repensado. O CNE e a Registradoria devem ser purgados. É necessário criar um CNE realmente independente para poder ter um momento eleitoral transparente e fiador. A repetição das anomalias nas próximas eleições pode gerar reações populares violentas.

3. O projeto subversivo sai reforçado com a re-eleição de JM Santos. As FARC anunciam que seu objetivo imediato – ingressar no Parlamento sem ter entregado as armas, planejar uma Assembléia Constituinte que lhes permita ditar uma Constituição de transição para o socialismo do século XXI -, está ao alcance da mão. Elas expressam que seu objetivo de não pagar um só dia de cárcere por suas atrocidades durante 50 anos está próximo, que conseguirão completar sua ambição de dominar a justiça, os meios de informação e o aparato escolar-universitário. O controle da economia e do aparato estatal será aperfeiçoado. Prometem que o “conflito social” continuará, mesmo depois de ter assinado “a paz”. Quer dizer, a violência em todo o território nacional se intensificará. A força pública e a doutrina militar colombiana sofrerão modificações. As liberdades atuais serão mutiladas. As relações exteriores mudarão de bússola. Tudo isso é agora mais possível do que nunca. Essa é a “paz” que se perfila.

4. Encarnada no CD e em seu candidato Oscar Iván Zuluaga, a oposição obteve cerca de sete milhões de votos. A diferença entre Santos e Zuluaga foi de 911.000 votos. Esse fato, em um contexto tão difícil, já é um logro enorme. A aliança entre o CD e o Partido Conservador (setor de Martha Lucía Ramírez) foi acertada. Esse bloco opositor sai relativamente fortalecido. O CD fez avanços importantes. Constituiu-se em um movimento eleitoral e de opinião em poucos meses e ganhou o primeiro turno da presidencial, em 25 de maio. Sua falha foi, talvez, não ter mostrado aos abstencionistas e aos sem partido a verdadeira dimensão do que está em jogo.

5. A prioridade do CD e de seu aliado conservador é consolidar essa aliança e dar mais coerência ideológica e orgânica. Esse bloco deve evitar a desmoralização e as falsas polêmicas. Sem unidade será difícil frear e devolver cada golpe de destruição que as FARC tentarão e o campo santista contra a oposição. Dotar o CD de uma linha política clara, estabelecer o CD em cada município do país é urgente. Mobilizá-lo nas ruas se for necessário, para defender um programa e umas políticas claras, é indispensável. Outra urgência: dotar o CD de uma política de alianças flexíveis. Criar fortes laços de solidariedade com outros partidos democráticos do mundo é indispensável para denunciar as montagens e repressões oficiais que vêm. O CD é o melhor instrumento com que a nação conta para evitar o colapso.

6. O segundo governo de Santos será autoritário, pois débil e confuso. Ele repousa sobre uma coalizão que não é nem homogênea, nem harmônica. A fração mais extremista já está pensando como impor uma linha e uns ritmos à capitulação, e entrará em luta contra a fração menos aventureira. Esse governo é um castelo de cartas. Perdeu sua hegemonia no Parlamento e terá dificuldades para levar adiante sua versão da reforma da justiça e da saúde. Faixas inteiras de militantes de base e de eleitores perderão suas ilusões ao ver que a paz não é paz, o aumento de impostos e a degradação da segurança, a inconsistência do governo ante suas promessas minará o respaldo que obteve em 15 junho.

7. A luta contra a deriva santista poderia ser a linha prioritária do CD no Parlamento, onde tem uma excelente representação, mas não só lá. O CD deve ganhar o respaldo massivo do país para esta ordem: não mais segredo nos diálogos em Havana, lá se está negociando o destino de cada colombiano. Todos devemos saber o que fazem esses senhores. O segredo favorece a mentira e a manipulação. Toda informação sobre a maquinação em Cuba é legítima. Essa informação não é nenhum “segredo de Estado”. O trabalho da força pública e da justiça contra a violência subversiva deve continuar. Deve-se proteger as Forças Armadas e a Polícia da guerra jurídica e de toda tentativa de paralisá-las mediante um pacto de cessar fogo bilateral. O CD desdobrará sua ação nas ruas, na mídia, nos sindicatos, nas universidades, no campo. O combate de idéias e o combate político contra a rendição ante o narco-terrorismo serão constantes e em escala internacional.

8. Durante a campanha eleitoral, o CD aceitou por descuido o termo “processo de paz” em sua acepção santista, e não mostrou seu caráter anti-colombiano, nem denunciou o papel que as ditaduras do continente jogam nele. Por isso vacilou ao dizer que aceitaria esse processo em certas circunstâncias. Isso foi um erro. Não conseguiu explicar bem o que está em jogo para a Colômbia. O CD deve afinar sua caracterização desse processo e melhorar o trabalho político a respeito. O CD não deve aceitar a proposta hipócrita de Santos de “fazer parte” dos “diálogos de paz”. Santos busca com isso deslocar o CD e aprofundar a divisão do Partido Conservador. Bem fizeram Martha Lucía Ramírez e Francisco Santos em rechaçar toda possibilidade de apoiar Santos. O êxito na luta contra a desinformação sobre os pactos secretos depende desse esclarecimento e de ter uma posição firme ante Santos.

9. Certa imprensa, escrita e audiovisual, foi o maior vetor de propaganda e de combate de Santos. Seus dirigentes compraram privilégios e estabilidade para o próximo quatriênio e foram corrompidos pelo poder. Esses meios de comunicação romperam com a ética jornalística em muitos momentos. Eles saem envilecidos dessa campanha eleitoral.

10. A política da Casa Branca não esteve alheia a esta crise de perspectivas na Colômbia. Barack Obama apoiou os contatos de Santos com as FARC e o chamado “processo de paz”. Agora aprova um eventual “processo de paz” com o ELN. Obama deixou que o câncer chavista fizesse metástase no continente. Sua responsabilidade nos desastres que essa linha está gerando no continente será inocultável.

Tradução: Graça Salgueiro

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