As representações simbólicas sobre o uso de Tecnologia da Informação (TI) na educação são marcadas pela positividade e pela existência de um consenso em torno das novas tecnologias como a solução para problemas históricos do sistema educacional. Esta é uma das conclusões de um estudo que vem sendo realizado na Faculdade de Educação (FE) da USP pela jornalista Michelle Prazeres, que analisou textos produzidos pelo governo, pela mídia, por uma empresa de tecnologia e artigos acadêmicos. O trabalho verificou que há pouco espaço para críticas ao processo de modernização da educação e um predomínio da mitificação da tecnologia.
O objetivo principal da pesquisa é mapear as relações entre agentes, instituições e valores no processo de construção de políticas públicas visando a modernização da educação via TI no Estado de São Paulo. “Procurei verificar como se dá esse processo por meio da dinâmica de construção de uma zona de convergência, uma ambiência favorável à modernização, para onde convergem interesses dos diversos campos envolvidos”, diz. Foram analisados documentos do site da Secretária de Estado da Educação de São Paulo, o noticiário publicado nos jornais Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo, artigos acadêmicos sobre educação e comunicação e relatórios de responsabilidade social da empresa Microsoft, que desenvolve projetos em parceria com a Secretaria da Educação realizados nas escolas.
Segundo Michelle, a análise do material escrito revelou semelhanças no repertório simbólico sobre a modernização, seja no governo, na mídia, na universidade ou na empresa. “Aparentemente, o tema está em debate mas, na verdade, existe um grande consenso de que a escola precisa se modernizar, que está atrasada e precisa acompanhar o ritmo de renovação das tecnologias”, afirma. “Isso pode ser constatado por meio das três categorias de análise da pesquisa: impacto das tecnologias na educação, tendências e lingugagens”, dsescreve. Os documentos, segundo a jornalista, revelam uma crença em que a tecnologia vai revoluionar a educação; promover uma renovação nas práticas educativas; e a educação deve acompanhar a afeição dos jovens com estas ferramentas.
No que diz respeito ao impacto, os textos apresentam as tecnologias como algo revolucionário para a educação, capaz de modificar o jeito com que os professores dão aulas. “Com o apelo da renovação, elas seriam capazes de seduzir os alunos que estão desinteressados pela escola tradicional”, relata Michelle. “A parte de tendências diz respeito à renovação das práticas de ensino, enfatizando a necessidade dos professores absorverem as novas tecnologias”.
Orquestração Simbólica
Quanto a linguagem, a ênfase recai sobre a habilidade com os jovens na utilização da tecnologia, em contraponto com a apatia e até mesmo a rejeição dos professores, que representariam valores tradicionais e ofereceriam resistência à mudanças. “Existem algumas diferenças entre a abordagem adotada pelas diversas instituições e agentes. No caso da academia, por exemplo, as análises são mais aprofundadas e existe alguma crítica; a mídia enfoca muito a questão das ferramentas tecnológicas”, observa. “Entretanto, o conjunto dos repertórios analisados gera uma ambiência favorável a modernização, construindo a partir de uma orquestração simbólica um consenso em torno da necessidade da tecnologia na educação”.
A pesquisa também investigou as motivações que levam os diferentes agentes a defenderem a modernização. “Antes de mais nada, há em todas as áreas um interesse comum na interface entre educação e tecnologias, declarado ou não”, ressalta Michelle. “Especificamente, o Estado tem interesse em propagandear ações de implantação de equipamentos nas escolas. As empresas buscam formar público consumidor para seus produtos tecnológicos. As empresas de mídia possuem projetos educacionais e mesmo a universidade busca se inserir em projetos educacionais”.
A pesquisadora destaca que embora haja um consenso em se chamar a modernização da educação de “revolução”, ela pode ser vista mais como um movimento reformista. “Tenho a impressão de que a mudança vem sendo implantada não como parte de uma política pública, mas na forma de uma imposição a toque de caixa da evolução tecnológica”, acredita. “Todo o repertório sobre o processo é cercado de positividade, e as críticas só aparecem em poucos estudos acadêmicos. A tecnologia é mitificada como se fosse a salvação do sistema educacional, aparentemente deixando de lado discussões históricas como acesso, qualidade de ensino e evasão escolar”.
Michelle pretende continuar as pesquisas comparando a representação simbólica das tecnologias com a realidade das escolas. “A ideia é verificar se tudo o que é dito vem sendo aplicado. Embora haja um grande consenso já consolidado, sabe-se que enquanto algumas escolas passaram por uma transformação do contexto escolar, em outras o equipamento permanece às vezes trancado, sem uso, com dificuldades para sua utilização”. A pesquisa foi orientada pela professora Maria da Graça Jacintho Setton, da FE, e faz parte de tese de doutorado que será defendida em 16 de setembro.
Esta matéria foi originalmente publicada pela Agência USP