Nos últimos meses, tem havido uma extensa cobertura na imprensa de manobras militares chinesas no Mar do Sul da China visando o Japão e as Filipinas. No entanto, a mídia mundial tem ignorado o que a China está fazendo em sua frente ocidental.
Desde abril de 2013, o Exército da Liberação Popular (ELP) fez várias incursões na Índia e no Butão, estabelecendo acampamentos militares, içando a bandeira chinesa e interferindo com as patrulhas indianas de fronteira. Enquanto estes incidentes podem parecer pequenas escaramuças, eles são parte de um padrão mais amplo de expansão militar chinesa no Sul da Ásia, que começou seis décadas atrás, quando Mao Tsé-tung anexou o Tibete.
Os fatos elementares sobre o Tibete não são amplamente conhecidos, mas qualquer mapa revela os enormes recursos e a vantagem estratégica adquirida por sua captura. O Tibete dá à China acesso à fronteira da Birmânia, Butão, Índia, Nepal e Caxemira, além das maiores jazidas minerais da Ásia e o controle da cabeceira dos grandes rios da Ásia.
Estes rios fluem do planalto tibetano através de 11 países, sustentando 3 bilhões de pessoas de Peshawar até Pequim. Nas próximas guerras pela água, a China terá um controle firme sobre a torre da água da Ásia.
Presidente Mao no Nepal
Em 1950, Mao invadiu Xinjiang e, em 1951, ele invadiu o Tibete, dobrando o tamanho da República Popular da China. Mao impôs “reformas democráticas” por todo o Tibete, tomou as propriedades e sujeitou milhares de pessoas a “thamzing”, ou “sessões de luta”, em que as vítimas eram torturadas e assassinadas publicamente.
Oficiais da inteligência indiana documentaram a crise e imploraram ao primeiro-ministro Nehru que agisse, mas na era pós-colonial, Nehru buscou amizade com Mao e investiu capital político em sua visão de uma grande aliança indochinesa, ou “Hindi-Chini Bhai-Bhai”, um slogan de “fraternidade indiana e chinesa”.
A fé de Nehru em Mao foi exposta como um erro trágico em março de 1959, quando o Dalai Lama e milhares de refugiados tibetanos fugiram para a Índia. Mao clamou seu butim: o rico e intocado planalto tibetano. Mais de um milhão de tibetanos morreram e mais de 6 mil mosteiros foram saqueados e arrasados enquanto a China destruía sistematicamente a antiga civilização budista do Tibete.
Frank Morares, autor de “A revolta no Tibete”, escreveu: “Nehru subestimou em grande medida a força do expansionismo han reforçada pela agressividade ainda mais proposital do imperialismo comunista. Não se pode afirmar que ele não foi avisado.”
Guerra Indochinesa de 1962
Em 10 de outubro de 1962, Mao invadiu a Índia pelo Tibete. A guerra indochinesa foi breve e as baixas foram poucas, mas as consequências deste mês tenso de escaramuças foram enormes.
A guerra deu a Mao uma vitória impressionante e foi uma derrota igualmente contundente para Nehru. Isto destruiu a visão de unidade pan-asiática de Nehru num mundo pós-guerra e avançou significativamente as ambições hegemônicas da China em todo o continente. A guerra pode ter sido curta, mas não foi pequena.
A guerra de 1962 teve um efeito deletério sobre o Cinturão do Himalaia. As antigas rotas comerciais e trilhas de peregrinos que por séculos ligaram o Tibete ao Nepal, Butão, Sikkim e Índia foram bloqueadas pelos Guardas Vermelhos. Nepal e Butão buscaram proteção alinhando-se com a Índia e até hoje a Índia garante 100% da segurança do Butão.
Mas agora, cinco décadas depois, a China instalou uma infraestrutura industrial-militar formidável em todo o Tibete, com estradas, cidades, bases militares e uma enorme transferência de população chinesa han.
Ao fortalecer o poder estratégico chinês sobre o sul e sudeste da Ásia, a China ameaça cumprir a profecia de Mao após a vitória na guerra de 1962 que a China um dia reivindicaria os “Cinco Dedos do Tibete”: Ladakh (no extremo norte da Índia), Nepal, Sikkim (o Estado indiano entre o Nepal e o Butão), Butão e Arunachal (no extremo nordeste da Índia).
Presidente Mao no Tibete
Em 1996, o presidente Mao, na forma de um novo movimento maoista-nepalês agressivo, apareceu no Nepal, o maior estado no Cinturão do Himalaia. O Exército da Liberação Popular do Nepal rapidamente estabeleceu acampamentos, estocou armas, saqueou os bancos locais, torturou e chacinou a população rural desamparada e forçou milhares de crianças a servirem como soldados na rebelião maoista local.
Em janeiro de 2000, o jovem Karmapa Lama fez uma fuga ousada do Tibete, passando em segredo pelo Nepal em seu caminho para a Índia. A China moveu-se rapidamente para esmagar o apoio ao Tibete existente no Nepal. Em 1º de junho de 2001, o Rei Birendra do Nepal e 15 membros de sua família imediata foram massacrados durante um jantar de família na residência palaciana. No caos que se seguiu, os maoistas do Nepal tomaram o poder, enquanto paralelamente a influência chinesa se expandia na região.
Hoje, a presença da China no Nepal é onipresente: engenheiros chineses estão construindo estradas ligando o Tibete e o Nepal e desenvolvendo projetos ao longo da fronteira Tibete-Nepal. A China fornece ajuda militar e treinamento ao exército nepalês.
Websites comunistas chineses rotineiramente expressam apoio aos maoistas do Nepal. Uma postagem recente sobre Guoji Gong Yun, o Movimento Comunista Internacional, afirma: “Devemos resistir à ameaça temporal do imperialismo, do feudalismo, do capitalismo burocrático, do expansionismo indiano e da grande ameaça à segurança no Sul da Ásia.”
Diplomatas e analistas inicialmente rejeitaram os maoistas como uma aberração, vindo logo após o colapso da União Soviética, e a maioria acredita que o movimento veio da Índia. Mas de onde veio o apoio aos maoistas indianos? Da China.
Após a cisão sino-soviética de 1969, os marxistas da Índia, os “naxalitas”, alinharam-se com Mao e, após o colapso da União Soviética em 1991, a China foi o único império comunista a permanecer de pé. Na última década, a penetração da China no Nepal permitiu que armas e dinheiro fluíssem para as células maoistas na Índia, que cresceram em força e ferocidade e são agora classificadas como a maior ameaça à segurança interna da Índia.
Conquistando os Cindo Dedos do Tibete
Em 2000, a China lançou o “Xi Bu Dai Fa”, a abertura das regiões ocidentais, um vasto plano de desenvolvimento industrial para extrair recursos naturais do Tibete, facilitado pela ampliação das vias férreas e rodovias. O projeto também tem acelerado a militarização do platô tibetano.
Em 2010, a China anunciou que tinha expandido o envio de tropas ao longo da fronteira do Tibete e concluiu a construção de seis campos de pouso militar no Sul do Tibete, equipados com uma nova frota de aeronaves VANT (veículos aéreos não tripulados).
Um relatório de 2012 do Departamento de Defesa dos EUA ao Congresso sobre as capacidades militares da China observou o impulso de Pequim para desenvolver VANT de longo alcance para “expandir as opções da China de reconhecimento e ataque de longo alcance”.
Desde 2009, mais de 120 tibetanos que vivem sob o regime chinês se imolaram em protesto contra a ocupação chinesa e para pedir o retorno do Dalai Lama. A China respondeu intensificando a campanha de repressão contra os “separatistas” e “contrarrevolucionários” no Tibete e tem exercitado seu poderio militar contra a Índia, o Nepal e o Butão, que detêm os últimos vestígios da civilização tibetana.
O analista indiano Asif Ahmed observa: “Enquanto o fogo do nacionalismo tibetano arder no Tibete e houver uma diáspora de mais de 100 mil tibetanos, a China verá a Índia com grande suspeita.”
Manter o controle do Tibete é uma prioridade estratégica e econômica para a China, enquanto ela se esforça para conter as forças étnicas entre sua população, ou o império se fragmentará como ocorreu com a União Soviética. A ocupação do Tibete pela China fornece uma janela vital para as ambições imperiais da China.
A recente onda de incursões do ELP na Índia e no Butão dificilmente são incidentes isolados. A China está testando as águas para determinar o que seria necessário para formalmente anexar o Nepal, Butão, Ladakh e Arunachal Pradesh, que Pequim chama de “sul-tibetano” e, assim, extinguir a resistência à dominação chinesa no inquieto Tibete.
Em janeiro de 2011, o ministro da Defesa chinês Liang Guanglie declarou: “Nos próximos cinco anos, nossos militares acelerarão os preparativos para lidar com conflitos militares em todas as direções estratégicas. … Podemos estar vivendo em tempos de paz, mas não podemos nunca esquecer a guerra, nunca envie os cavalos para o sul ou repousem as baionetas e os canhões.” Ouça as palavras de Pequim: Eles estão prontos.
Maura Moynihan é uma jornalista e pesquisadora que trabalhou por muitos anos com refugiados tibetanos na Índia e no Nepal. Suas obras de ficção incluem “Hotel Yoga” e “Kaliyuga”