TEL AVIV— Conheci Eran Reshef, vencedor do Prêmio Shiff de pintura realista, no seu atelier no terceiro andar de um prédio antigo em Tel Aviv, Israel.
Na entrada, não pude deixar de notar os objetos nos cantos da sala, reconheci-os como os modelos que vi uns dias antes nas pinturas da sua exibição individual no Museu de Tel Aviv.
Agora, estavam no seu atelier sem qualquer luz ou encanto. “Já não tenho nada a ver com eles”, disse Reshef. Ele dirigiu o olhar para a sua nova descoberta, o seu tema para a próxima pintura, um antigo frigorífico Amkor que está no meio da sala.
No pincel de Reshef, os objetos ganham vida e uma presença única. Um frigorífico velho e uma parede descascada ao fundo, um botijão de gás sobre azulejos pintados na perfeição, um cacto num vaso – são os supostos modelos de seus quadros, porém, algo mais forte está sendo transmitido.
É como se Reshef não quisesse refletir um estado mental, mas uma complexidade poética. Seus quadros realistas cheios de luz retratam habilmente, com espantosa exatidão, situações do cotidiano.
Sinais do tempo
“Perguntam-me porque é que desenho coisas específicas e eu respondo que o que desenho não é importante”, disse Reshef. Explicou ainda: “Tem de ser algo que o faz saltar da cadeira, que o estimule. Nos pegamos algo para passar uma mensagem. Eu pego os objetos que desenho e os absorvo.
“Quando um jovem pintor pinta uma natureza morta, limita-se apenas a pintá-la. Eu também comecei assim. Pouco a pouco, escolher o modelo torna-se muito difícil e tudo fica muito mais complexo. Esta complexidade implica processos”, afirmou Reshef.
Ao apontar para uma pilha de azulejos no chão, disse: “Vejamos estes azulejos, por exemplo, são uma memória da minha infância em Tel Aviv. Até pouco tempo, desenhei-os sempre de uma forma muito simples, devido ao seu valor de nostalgia. Depois comecei mostrar mais e mais as suas manchas.
“Não é que goste de sujeira. Percebi que estas manchas não alteram a beleza do quadro, na realidade acrescentam-lhe profundidade”, disse Reshef.
Reshef acrescentou: “Cada quadro é um passo e estes são os sinais do tempo, um indicativo que de algo passou aqui. Há uma espécie de processo de existência, o quadro tem de apresentar algo que se represente a si próprio”.
Reshef continuou: “Eu não conto histórias. Não incentivo explicações sobre porque é que o objeto foi pintado de determinada forma. As pessoas acham que têm de dizer algo específico e isso torna-se uma espécie de limitação. Atualmente, a arte é uma espécie de tecnologia, tudo está acessível, disponível e repleto de teorias. Eu não pertenço a essa história.”
Um pouco de sua história
Apesar de ter criado uma quantidade impressionante de trabalhos, Reshef, de 46 anos, ainda não fez muitas exibições. Recebeu a sua formação principal em Nova Iorque, nas aulas do artista Lennart Anderson, a quem se dirigiu para aprender pintura realista.
“A pintura realista sempre me fascinou. Quando chegamos a Nova Iorque, há muito ‘ruído’ em relação à arte. No início, fui à Parsons (uma escola de arte contemporânea) e fiquei extremamente entediado. Em todos os períodos havia um debate sobre se a pintura figurativa é relevante. Sempre existiu e para mim sempre foi muito relevante”, disse Reshef.
Em 1999, após uma década em Nova Iorque, Reshef voltou a Israel, arranjou um atelier e começou a trabalhar. “Quando estava à procura de um atelier, queria encontrar um com uma vista maravilhosa”, afirmou Reshef.
“Me vi olhando para os edifícios e fábricas antigas daquela janela”.
Sorriu e acrescentou: “Quando vi este atelier, sabia que era para mim”. Ele apontou para uma janela específica e, de repente, vi a mesma vista da exibição. “Desenhei-a numa escala de um para um. O tamanho é uma parte do todo da realidade. É uma verdade completa”, disse.
A vida em seus quadros
Reshef não pinta pessoas, mas há algo muito existencial nos seus quadros. “Quando vejo um ser humano sinto que não posso acrescentar nada a essa pessoa no quadro, que não é importante. O que quer que seja feito vai passar por si e não será absorvido”.
Atualmente, Reshef não se vê capaz de pintar uma pessoa, embora gostasse, porque o ser humano tem algo a mais. “É porque o ser humano irá sempre dominar o quadro”.
Reshef acrescentou que se sente atraído a determinadas coisas: “Quando quero pintar algo, fico entusiasmado. Nunca estamos no comando; somos sempre orientados. Não somos mais fortes que a vida”.
Os objetos de Reshef marcados pelo tempo são pintados em paredes que revelam os mais pequenos pormenores: tinta lascada, orifícios, riscos, uma decoração que ele próprio criou. Diferentes camadas nas paredes e nos objetos, cor, ferrugem, a profundidade de uma banheira ou o conteúdo de uma caixa, levantam a curiosidade sobre a verdadeira origem dos objetos e a sua verdadeira existência.
Reshef viu um botijão de gás específico e soube que era esse o objeto que queria pintar. “É como ver alguém conhecido com roupas diferentes, mas ainda sim ser capaz de reconhecê-lo. Ele [o botijão] estava ali como se fosse uma pessoa. Quando começo a pintar, não começo a trabalhar fisicamente, é um processo.”
A importância da luz
A luz dos quadros de Reshef é sempre natural e uma parte muito importante da beleza do seu trabalho. “A luz é o quadro. Vivemos dentro dela, respiramos luz. Ponho a banheira em cima de uma cadeira para a luz refletir da maneira certa. Ele precisa falar. Nas naturezas mortas, a luz é o essencial, ela define a forma, a realidade.”
Em relação à luz, um dos quadros na exibição é impressionante. Ela mostra dois banheiros lado a lado próximos a um terceiro (banheiro) pintado em tamanho real. Reshef trabalhou nesse quadro durante vários anos. “Desenhei-as de forma a ficarem cheias de luz. É por isso que as chamei ‘Portões’ e não banheiros”, afirmou Reshef.
Reshef falou sobre como a arte devia fazer jus a toda a realidade.
“Um quadro transforma a realidade. Eu tento manter uma arte que é “total” à realidade, mas há um momento em que passamos a tradução realista e algo acontece; é sempre assim”, disse Reshef com a seriedade e a sensibilidade que o caracterizam.