Deputados e senadores fazem hoje (2) nova tentativa de votar o Projeto de Lei 36/14, enviado pelo Executivo, que altera a meta do superávit primário para este ano. A votação está prevista para as 18h e até lá o governo redobrará esforços em torno de um acordo para tentar harmonizar o clima na base aliada e convencer a oposição a não obstruir a sessão – promessa feita por parlamentares do DEM e do PSDB desde que o texto chegou ao Congresso.
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A motivação em torno do projeto recai, principalmente, sobre a credibilidade do país aos olhos de todo o mercado. O superávit primário – dinheiro usado para pagar os juros da dívida pública a partir da economia feita entre o que o governo arrecada e o que gasta, incluindo investimentos – é um dos termômetros usados pelos investidores. O cumprimento dessa meta é uma sinalização positiva de que o governo é capaz de honrar compromisso e está menos vulnerável a calotes, situação semelhante à vivida, este ano, pela Argentina, diante do impasse no pagamento aos credores internacionais.
No Brasil, parte das desonerações de setores e o dinheiro gasto pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) deixaram de ser contados como gastos. A medida foi adotada para que a conta (arrecadação-despesas) não acabasse desestimulando investimentos no país. Entre as desonerações, estão, por exemplo, as folhas de pagamento de empregados como forma de reduzir custos das empresas, estimulando a geração e manutenção de empregos.
É essa justificativa que o governo tem usado para explicar a decisão de rever a meta de superávit deste ano. Pelas regras previstas na atual Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), o governo pode abater o que deixou de arrecadar por conta das desonerações e o que gastou em investimentos do PAC até o limite de R$ 67 bilhões. Mas, o Planalto avisou, no início de novembro, que precisa de uma margem maior porque a arrecadação foi menor do que esperava e os gastos aumentaram.
A proposta é que seja retirada, este ano, a limitação do valor. O governo anunciou que a meta de superávit primário, no próximo ano, corresponderá a R$ 10,1 bilhões, em vez da meta original de R$ 80,7 bilhões. Deputados e senadores estão divididos. Aliados, convencidos da necessidade do ajuste, reforçam que essa é uma medida temporária para que, diante de efeitos da crise internacional, o país possa manter a política de geração de emprego e de estímulo produtivo.
“Não posso afirmar que é uma maldade, mas há talvez por trás uma intenção de deixar os fatos de lado e fazer valer as versões”, avaliou o senador Jorge Viana (PT/AC). Segundo ele, a LDO foi alterada sete vezes nos últimos anos. “Fica-se vendendo uma versão para a opinião pública de que a presidente Dilma, depois de ganhar a eleição, comete um estelionato eleitoral, fazendo, como se fosse a primeira vez, uma alteração na LDO. Não é verdade”, disse.
Viana acrescentou que o governo não gastou mais para manter o nível de emprego, mas trabalhou para estimular a economia, com medidas como desonerações que somaram R$ 120 bilhões. “É isso que essa alteração propõe, apenas isso: que se contabilize que o governo está pegando o que tinha de economia e deixando como estímulo para a atividade produtiva. Isso é como uma família, como a dona de casa, como um chefe de família: se o momento está difícil, se há algumas despesas extras, economiza-se, não se faz gasto supérfluo”, completou.
O economista Gil Castello Branco, fundador e secretário-geral da Associação Contas Abertas, reconhece os motivos de uma arrecadação maior, mas avalia que, “por outro lado, o governo não toca no fato de que também houve acréscimo nas depesas correntes e poderia ter economizado em outras rubricas. É um embate político em cima de um compromisso que o governo teria assumido e acabou não cumprindo”, avaliou.
A mensagem do Executivo sinalizando que a mudança é temporária acabou sendo reforçada quando o futuro ministro da Fazenda, Joaquim Levy, se comprometeu com a meta de superávit primário de 2015, equivalente a 1,2% do Produto Interno Bruto (PIB).
“Até para que esse entulho fique na conta da equipe que está se afastando. A LFR é um instrumento importante para o equilíbrio das contas públicas. O próprio novo ministro da Fazenda já anunciou metas fiscais para os proximos três anos”, avaliou o economista.
Partidos de oposição, que dificultaram a aprovação da matéria na Comissão Mista de Orçamento (CMO), onde acabou sendo aprovada no dia 25 de novembro, mantém a resistência no plenário do Congresso, que teve que reagendar a votação para hoje. Os críticos à proposta do Executivo definem o texto como “lei de anistia” e “crime de responsabilidade fiscal.”
A senadora Ana Amélia (PP/RS) disse que o Congresso tem que manter rigor em relação às exigências previstas na Lei de Responsabilidade Fiscal. “Não podemos, ao sabor do vento ou ao sabor do desejo do governo, alterar a lei para que ela possa ser cumprida conforme o interesse particular ou o chamado casuísmo, que acontece agora”. Segundo ela, a presidente deveria ter “grandeza” para admitir aos contribuintes e ao mercado que não pode cumprir a meta. “É como se tivesse uma dívida. “Não pude… tenho uma dívida, vou criar as condições para pagar essa dívida”. É o que nós fazemos com os nossos credores”, acrescentou.
Com outros parlamentares da oposição, a senadora ainda disse que a mudança da meta do superávit “é um risco muito sério que afeta um dos pilares da questão econômica, que é a credibilidade. Não é essa a visão de um país sério, de um país comprometido com o cumprimento daquilo que foi escrito pelo Congresso e sancionado pelo governo. Temos que ter um trato com muita seriedade neste momento”, completou.
Gil Castello Branco lembrou que se não conseguir alterar a meta, o governo incide em crime de responsabilidade pelo descumprimento da LDO. “Se o governo for derrotado, a presidente seria acusada de descumprimento da LRF e poderia ser processada por esse crime”, explicou. Para o economista, as chances de o governo perder essa batalha são remotas, principalmente considerando que a base aliada é maioria. “Na realidade, a base governista apenas está cobrando caro por esse apoio. A dificuldade para essa aprovação está se dando justamente porque ao mesmo tempo em que você debate a questão fiscal, você está com a discussão de uma nova equipe, nova formação dos ministérios e os partidos políticos usam isso como instrumento de barganha”, disse.