Conflito social e ideológico na China cerca o líder Xi Jinping

12/06/2013 18:26 Atualizado: 13/06/2013 14:25
Guerra ideológica destaca o maior ponto de discórdia no desenvolvimento da China
O líder chinês Xi Jinping após encontro com o presidente norte-americano Barack Obama em 7 de junho (Jewel Samad/AFP/Getty Images)

Quando o novo líder chinês Xi Jinping disse em dezembro de 2012: “Temos de estabelecer firmemente, em toda a sociedade, a autoridade da Constituição e da lei e permitir que a grande massa acredite plenamente na lei”; sua observação significou coisas muito diferentes para pessoas diferentes.

Para os intelectuais liberais e internautas na China, isso significaria o amado artigo 35 da Constituição, que diz: “Os cidadãos da República Popular da China gozam de liberdade de expressão, imprensa, reunião, associação, desfile e manifestação.” As observações de Xi Jinping lhes deram um ponto de apoio útil para aplicarem na mídia e no Sina Weibo, para insistirem na liberdade de expressão e pressionarem pela garantia dos direitos básicos.

Mas para a linha-dura do Partido Comunista Chinês (PCC), isso significaria algo mais parecido com o confortável artigo 1º: “A República Popular da China é um Estado socialista sob a ditadura democrática popular. […] A sabotagem do sistema socialista por qualquer organização ou indivíduo é proibida.” Isso é outra maneira de descrever o que era conhecido na década de 1950 como “crimes contrarrevolucionários”: Quem quer que ameace o PCC pode ser esmagado.

Essas visões muito diferentes na China contemporânea e, fundamentalmente, o lugar do PCC nela, animam os esforços de ambos os grupos a promoverem seus casos no PCC e na esfera da opinião pública – apesar de o regime ser uma ditadura, a opinião pública tem arduamente conquistado espaço na tomada de decisão nos últimos anos.

Pressão da linha-dura

O processo tem ocorrido recentemente em meio a uma enorme gama de densos jargões ideológicos, artigos de opinião e diretrizes internas que têm sido relatados na imprensa chinesa em abril, maio e junho, enquanto a linha-dura tenta pressionar e ganhar terreno contra o clima geral da opinião esclarecida.

Houve, por exemplo, o “Alerta sobre a situação atual no campo da ideologia”, emitido pela Secretaria Geral do Comitê Central do PCC e publicado em 8 de maio. O texto diz que o PCC identificou sete pontos da ideologia que no momento requerem “luta intensa” e cuja “complexidade” exige “reconhecimento sóbrio” pelas fileiras do PCC. E que grupos de base do PCC em todo o país deveriam estudar esta e outras notificações.

É provável que as sete questões proeminentes no documento sejam as mesmas identificadas como temas tabus numa circular dirigida a professores e administradores universitários e divulgada alguns dias depois. São elas: valores universais, liberdade de imprensa, sociedade civil, direitos civis, erros históricos do PCC, corrupção das elites e independência do Judiciário. Esses são precisamente os itens da agenda de intelectuais liberais e agora o PCC determinou estritamente que eles estão fora dos limites de discussão das salas de aula universitárias.

Após essas notificações internas, surgiu uma série de editoriais, começando com um artigo em 21 de maio no Manuscrito Bandeira Vermelha, um jornal do PCC, que afirmava em sua manchete que o constitucionalismo era uma ideia “capitalista e não socialista”. O Global Times, outra publicação oficial que faz seu melhor para apresentar a linguagem do PCC de forma amaciada, seguiu dizendo que o “constitucionalismo” (a palavra apareceu em aspas, como se para enfatizar sua repulsa) era uma maneira de negar o caminho do desenvolvimento da China.

Outros artigos mais pulularam, alguns se tornando autoparódias: Liu Yazhou, um comissário político na Universidade de Defesa Nacional do Exército da Liberação Popular, escreveu um artigo dizendo que “a natureza do PCC” para um membro do Partido Comunista era o mesmo que “a promessa de Deus para um cristão”. E o artigo continuava afirmando que o Partido Comunista é Deus. Mais artigos assumiram opiniões semelhantes e foram amplamente ridicularizados online.

Mas o bombardeio ideológico foi uma oportunidade crucial para os linha-dura interpretarem – ou reinterpretarem, ao tomarem a narrativa das mãos dos liberais – as observações de Xi Jinping sobre a Constituição e o estado de direito, feitas em diferentes ocasiões desde o final do ano passado.

“Os extremistas querem traçar uma linha: não importa o quão longe você queira ir, você nunca pode cruzar essa linha”, disse Wen Zhao, comentarista político da NTDTV, numa entrevista por telefone. Wen Zhao aparece várias vezes por semana num programa de análise dos acontecimentos políticos na China. “Eles querem deixar as coisas muito claras e estabelecer alguns pontos para sustentar sua posição.”

Equilibrando-se

De certa forma, Xi Jinping está preso no meio disso. Ele enfrenta uma economia em desaceleração, cuja única esperança pelo crescimento real e sustentável é aumentar a renda familiar e recuar os tentáculos onipresentes do Estado de partes da economia; ele também depende do PCC e de sua vasta burocracia para efetivarem suas políticas.

Se Xi Jinping se posicionar com os intelectuais e “direitistas” (como são conhecidos no jargão do PCC) na tentativa de realizar reformas sérias no monopólio do poder pelos comunistas, ele corre o risco de se tornar um Gorbachev chinês. Por outro lado, se ele seguir estritamente a esquerda linha-dura, “as crises enfrentadas pelo PCC ficarão cada vez piores e explodirão nos próximos anos”, diz Shi Cangshan, analista independente especialista em assuntos chineses.

“O PCC enfrenta agora desafios enormes em seu governo”, disse Shi Cangshan. “Um grande problema é que ninguém acredita no PCC: há muitos oficiais corruptos e a disparidade social é abissal. Xi Jinping vê essas crises e quer resolvê-las.”

Então, o discurso sobre constitucionalismo e estado de direito foi uma tentativa de jogar um osso para os direitistas: anos antes, os líderes do PCC falariam estritamente sobre “estabilidade”. Um dos slogans famosos de Deng Xiaoping foi “a estabilidade supera tudo”. Isso é uma declaração explícita de que a lei foi posta porta afora. “Mas quando você diz ‘a lei é suprema’, isso possibilita diferentes interpretações”, disse Shi Cangshan.

Quando perguntado sobre o significado de toda essa conversa ideológica, o analista político e ativista Yang Jianli disse que Xi Jinping estaria “tentando agradar tanto a esquerda como a direita”. Ele teme três coisas, diz Yang Jianli: o levante das massas, pois o descontentamento popular está cada vez mais difícil de conter; uma divisão na liderança do regime e uma crise econômica. Xi Jinping está se esforçando para equilibrar esses imperativos concorrentes e gradualmente a pressão se acumula.

De fato, alguns liberais podem ter perdido a esperança no Partido Comunista. Isso significaria que, ao invés de tentar trabalhar com ele pela reforma e mudança, eles lutarão cada vez mais diretamente contra ele. Se a ideia se propagar, a mudança pode ser significativa e potencialmente perigosa para o regime.

He Weifang, um reconhecido e respeitado professor de direito, explicou o problema sem sequer se referir ao PCC. Em seu blogue no Weibo, posteriormente censurado (mas compartilhado e preservado online), todos sabiam do que ele falava.

“O valor das palavras de Yang”, escreveu Hu Weifang, referindo-se ao autor do artigo no Manuscrito Bandeira Vermelha, “é dizer-nos claramente para não nos agarrarmos mais a qualquer ilusão. Ele nos informa que o verdadeiro obstáculo é estabelecer uma sociedade baseada na Constituição. Ele também nos faz refletir exatamente sobre o que temos evitado, na teoria e na prática, nos últimos 30 anos de reforma e abertura, e nos indica a fonte de todos os males e corrupção em nossa sociedade. É uma espécie de encantamento: quando eles recitam a teoria de Marx, Engels, Lenin, Stalin, Mao, tudo se torna uma luta entre o socialismo e o capitalismo, da qual fugir é impossível.”

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