Esforço encenado visaria acalmar a raiva contra a corrupção no regime chinês
Xi Jinping, o líder do Partido Comunista Chinês (PCC), sentou-se à cabeceira da mesa com as mãos juntas e falou com calma, mas com tom sinistro: “A reunião não está sendo realizada por mera convenção ou boa aparência. Ela está sendo realizada para resolver alguns problemas.”
Problemas como corrupção, burocratismo e abuso de poder atormentam o PCC e são uma fonte de imenso ressentimento e descontentamento do povo chinês. Xi Jinping disse que quer curar o PCC desses males.
Ninguém tem certeza de como ele efetuará essas mudanças, mas ele tem feito pleno uso de ferramentas de repressão e doutrinação, um rico conjunto de métodos desenvolvido ao longo de 60 anos de regime comunista na China.
Jornalistas, intelectuais, dissidentes e internautas têm sido alvos e agora membros do PCC estão sendo pressionados, pelo menos segundo a propaganda oficial.
A série de campanhas que Xi lançou nos últimos meses inclui proibir a discussão sobre democracia, suprimir intelectuais, reprimir “rumores”, promover uma campanha de “alinhamento” na mídia e, mais recentemente, a campanha de crítica e autocrítica. A prática refere-se às confissões forçadas e públicas de pensamentos ou comportamentos inadequados e foi muito utilizada há décadas.
“A crítica e a autocrítica são medicamentos… um bom remédio é amargo na boca”, afirmou Xi Jinping numa conferência de dois dias do PCC focada na nova campanha, realizada em 23-25 de setembro na província de Hebei. Xi presidiu as reuniões e o evento recebeu ampla cobertura da China Central de Televisão (CCTV), uma mídia estatal porta-voz do regime chinês.
Zhou Benshun, o secretário provincial do PCC, assumiu a dianteira com uma autoconfissão: essencialmente, dizendo que ele trabalha muito duro. “Depois que vim para Hebei, me tornei ligado à reforma. Tenho medo de perder prestígio e favoreço a velocidade da reforma e a quantidade de trabalho. Eu também não presto muita atenção aos benefícios para o povo.”
Então, ele se virou e criticou um colega, conforme instruído: “O camarada Qingwei [Zhang Qingwei, o governador provincial] não é paciente ao ouvir o conselho dos outros, o que não é um problema de temperamento, mas de burocratismo. Se ele não mudar, isso será muito prejudicial e ele poderá cometer erros.”
Alguns oficiais pareciam estar sob pressão, enquanto as câmeras se focavam em seus rostos quando eles confessavam seus pecados à nação. Apenas um admitiu corrupção, enquanto muitos outros fizeram como Zhou: autoelogio disfarçado de autoconfissão.
Um dos relatos foi chamado: “Se você tem algo a dizer, basta por na mesa e dizê-lo. Opor-se resolutamente a doutrina de buscar boas relações com todos”. Outro foi chamado: “Firmemente usando a arma da crítica e da autocrítica”.
Após as atividades de Hebei, videoconferências e sessões de autoconfissão foram realizadas por oficiais em todo o país. Xi Jinping achou por bem dar a seguinte orientação aos membros do PCC: “Mesmo que você esteja com o rosto vermelho e suado devido ao nervosismo e gravidade, sinta-se apoiado, descontraído e harmonioso.”
Um estudo pioneiro das técnicas comunistas de controle psicológico foi feito pelo psiquiatra Robert Jay Lifton, cujo livro “Thought Reform and the Psychology of Totalism” (“Reforma do pensamento e a psicologia do totalitarismo”), inclui confissões numa lista de critérios para a reforma do pensamento. “Pecados, tal como definidos pelo grupo, devem ser confessados a um dispositivo de monitorização pessoal ou público para o grupo. Não há sigilo, os ‘pecados’, ‘atitudes’ e ‘falhas’ dos membros são discutidos e explorados pelos líderes”, escreveu Lifton.
Pequenos grupos de estudo também foram organizados recentemente, outro retrocesso ao estilo de doutrinação maoista. O Comitê Provincial de Hunan do PCC organizou uma sessão para refletir sobre o “movimento de retificação”, também conhecido como expurgo político, que ocorreu na década de 1940, quando os comunistas ainda estavam estabelecendo seus mecanismos de controle. Os membros do PCC reunidos, em seguida, assistiram a um documentário que examinava o colapso da União Soviética, do qual eles deveriam tirar lições.
Os temas no vídeo ecoavam declarações anteriores de Xi Jinping, que lamentou o colapso da União Soviética num discurso reservado em janeiro. “Por que a União Soviética se desintegrou? Por que o Partido Comunista da União Soviética entrou em colapso?”, Xi Jinping teria questionado.
Ele continuou: “Uma razão importante é que seus ideais e crenças foram abalados… Isso é uma profunda lição para nós! Descartar a história da União Soviética e do Partido Comunista Soviético, descartar Lenin e Stalin e descartar tudo o mais é se engajar em niilismo histórico e isso confunde nossos pensamentos e mina as organizações do PCC em todos os níveis.”
Declarações como estas, bem como a promoção de campanhas contra figuras populares da internet e a dura repressão voltada a intelectuais e dissidentes perturbaram profundamente muitos chineses que esperavam por uma nova administração mais liberal. Xi Jinping assumiu o comando do PCC em novembro passado.
“A campanha de crítica e autocrítica de Xi Jinping é ridícula e deprimente”, comentou Hu Ping, o editor-chefe da revista pró-democracia Primavera de Pequim, via telefone de Nova York. “Isso é um movimento de retificação. Isso mostra que na mente de Xi Jinping não há nada senão as coisas de Mao Tsé-tung, o que é a coisa mais triste.”
Ele disse que Xi parecia “adorar” o modus operandi de Mao, mas acrescentou que a abordagem está fora de sintonia com a sociedade chinesa mais desenvolvida e pluralista de hoje. A ideia também é hipócrita, indicou ele. “Os níveis mais elevados criticam os níveis mais baixos e os níveis mais baixos criticam uns aos outros. Mas as autoridades centrais do PCC nunca se criticam.”