Enquanto o conhecido dissidente chinês Xu Zhiyong enfrenta cinco anos de prisão por seu ativismo político, um associado seu – o rico empresário Wang Gongquan – que foi acusado dos mesmos crimes, foi autorizado a sair sob fiança porque confessou.
A diferença na forma como os dois indivíduos foram tratados e manipulados provocou controvérsia e discussão na comunidade dissidente. O Partido Comunista Chinês (PCC), cujos órgãos de segurança estão processando e punindo os dois homens, também tentou turvar as águas com reportagens de propaganda envolvendo Wang. Muitos imediatamente mostraram dúvida sobre a veracidade do que a mídia estatal chinesa afirmou sobre Wang.
“Wang Gongquan admitiu suas atividades criminosas de planejamento e instigação de multidões para perturbar a ordem pública com Xu Zhiyong”, postou o Tribunal Popular Intermediário No. 1 de Pequim em sua página oficial no Weibo, uma plataforma semelhante ao Twitter na China, na noite de 22 de janeiro. “Ele se envolveu num profundo exame de consciência sobre suas ações. O tribunal alterou suas medidas correcionais contra Wang de acordo com a lei e permitiu que ele fosse libertado sob fiança.”
Enquanto isso, a mídia estatal Beijing Television também foi ao ar com notícias dizendo que Wang tinha violado a lei ao apoiar Xu Zhiyong financeiramente e promover informação relacionada em sua conta no Weibo. O relatório diz que Wang se sentiu “muito arrependido e triste por seus filhos e família” e que prometeu “nunca entrar em contato com Xu Zhiyong daqui em diante”. A reportagem também afirmou que Wang disse: “Eu não entendo por que Xu Zhiyong, como um PhD em Direito, não confessa seu crime.”
A notícia da alegada confissão e as duras palavras de Wang contra Xu foram amplamente divulgadas na mídia estatal da China.
No entanto, um grande número de observadores chineses simplesmente não acredita nos relatos oficiais. Eles duvidam que Wang tenha de fato se confessado ou permitido isso e, se ele fez isso, provavelmente foi porque estava sendo forçado a fazê-lo, possivelmente por meio de violência.
“Wang foi indiciado 92 vezes em 29 de novembro”, postou Chen Youxi, o advogado de Wang, no Sina Weibo em dezembro do ano passado, mostrando a pressão sobre Wang quando ele estava sob custódia.
Ele foi formalmente preso em 20 de outubro do ano passado, o que significaria que ele teria sido interrogado inúmeras vezes. Chineses comentando online disseram que isso teria constituído um método disfarçado de tortura.
O ativista de direitos Hu Jia também acha que a confissão de Wang teria ocorrido apenas sob enorme pressão. “Acho que o sr. Wang Gongquan deve ter sofrido muita pressão. É como o advogado Gao Zhisheng, que foi ameaçado pelas autoridades a confessar, caso contrário, eles fariam sua esposa e filhos sofrerem”, disse Hu Jia à Rádio Som da Esperança (SOH). “O ambiente judicial na China é assim. O PCC usa os meios sujos da máfia para forçar os prisioneiros políticos a confessar.”
Outros comentaram sobre a discrepância de tratamento entre Wang e Xu, que foram acusados dos mesmos crimes – organizar uma multidão para perturbar a ordem pública – e disseram que isso era indicativo da natureza politizada do sistema legal chinês.
“Se você confessar, você será liberado, o que é totalmente ilegal. O PCC só quer suprimi-lo e fazê-lo mostrar um gesto de rendição”, disse o advogado Tang Jingling em entrevista à SOH.
“O PCC prender Wang Gongquan, Xu Zhiyong e muitas outras pessoas neste momento é, essencialmente, uma perseguição política…”, disse Tang. “É por isso que há uma confissão tão estranha.”
O professor de Direito e ativistas chinês Zhang Xuezhong falou em defesa de Wang no Weibo, dizendo que os relatos oficiais sobre Wang denunciando Xu não são verdadeiros.
“Eu li atentamente a confissão de Wang Gongquan. Há certamente algumas expressões de pesar, mas ele não traiu ou denunciou ninguém”, escreveu Zhang. “Por favor, não se deixem enganar pela propaganda das autoridades. Vamos respeitar e apoiar aqueles que são persistentes, e compreender e tolerar aqueles que fraquejaram.”
Wang Gongquan e Xu Zhiyong são figuras importantes no Movimento Novo Cidadão na China, que promove a “liberdade, justiça e amor”, criado em 2012. Trata-se de um número de advogados e ativistas que se esforçam na promoção da igualdade de direitos à educação e ao sistema legal, enquanto pedem transparência oficial.
Depois que Xu foi detido por “reunir multidões para perturbar a ordem pública” em julho de 2013, Wang e outros quatro defensores organizaram uma petição e publicaram uma carta aberta apelando às autoridades por sua libertação. Wang foi detido dois meses depois.
Na época que Wang foi preso, seu advogado Chen Youxi disse à imprensa chinesa que Wang não aceitava as acusações. Wang afirmou que não era culpado, não tinha perturbado a ordem pública e não havia cometido qualquer crime.
Mais de 50 ativistas foram colocados sob detenção e acusados de “perturbar a ordem pública” e “incitar a subversão”, após se organizem e apelarem por direitos humanos entre fevereiro e outubro de 2013, segundo um artigo de 2014 da Human Rights Watch.
Certo número de pessoas detidas pelas autoridades – incluindo Wang Gongquan – foram forçadas a confessar seu mau comportamento na China Central de Televisão (CCTV), a emissora oficial do regime chinês. Isso fez o povo chinês lembrar-se dos julgamentos-espetáculo da era maoísta há 50 anos.
“Isso me faz pensar na Revolução Cultural, quando punham um grande chapéu na cabeça das pessoas e as denunciavam e criticavam em público… como Xue Manzi e Chen Yongzhou. Agora é a vez de Wang Gongquan”, escreveu o blogueiro Kai Wenzheng no Weibo. “Quem será o próximo?”