Há algumas coisas que se esperaria que um funcionário chinês se mantivesse quieto a respeito: como o espetáculo constrangedor de teatros vazios quando grupos de arte estatais da China realizam turnês no exterior.
Mas é exatamente isso que membros da Conferência Consultiva Política Popular (CCPP) discutiram em 10 de março com os jornalistas chineses presentes. A CCPP é um órgão consultivo do Partido Comunista Chinês (PCC), composto por membros escolhidos a dedo pelo PCC.
Os membros de um painel de discussão especial da CCPP condenaram abertamente o que classificaram como o “fenômeno caótico” de grupos de arte do regime chinês se apresentando em salas de concerto famosas ao redor do mundo para teatros vazios.
Tan Lihua, membro da CCPP e chefe da Orquestra Sinfônica de Pequim, foi franco na conferência: “Outros países olham para nossos grupos de teatro como uma piada. Estamos nos enganando e enganando os outros. Muitos de nossos grupos de arte que vão ao exterior para se apresentar estão apenas entretendo a si mesmos”, segundo a mídia estatal Diário Jovem da China (DJC).
Karaokê na Áustria
Um dos principais alvos da generosidade chinesa é a Vienna Konzerthaus, na Áustria, uma opulenta sala de concertos que abriga a Orquestra Sinfônica de Viena. Quando os chineses chegam, o espaço sagrado se torna sua “Sala de Karaokê”, segundo o Diário do Povo, uma mídia porta-voz do regime chinês, num artigo em setembro passado.
Nos primeiros oito meses de 2013, mais de 130 grupos de música da China se apresentaram no Konzerthaus. Mas as vendas de ingressos foram péssimas. Geralmente, mais da metade dos assentos ficaram vazios, segundo o DJC.
Tan Lihua disse que os grupos chineses que se apresentaram lá normalmente não se preocupam com detalhes como a venda de ingressos. O que eles buscam é mais obscuro: o registro de que se apresentaram no Konzerthaus de Viena. Foi isso que Tan quis dizer quando nomeou o “fenômeno caótico” da “construção de realizações culturais e políticas”, que podem ser usados para promover a reputação de artistas quando retornam à China.
Lugares vazios
“Enquanto um grupo se apresenta, outros quatro grupos batem palmas, e então eles se revezam”, disse Tan Lihua. “A gravação parece muito bem-sucedida, muito emocionante. No final, os artistas também obtêm certificados comemorativos assinados pelo prefeito.”
“Esse é um certificado autêntico?”, questionou ele. Não. Ele foi baixado da internet. “É tudo falsificado. É muita falsificação”, lamentou. “Alguns deles têm cartas de recomendação do governo central, alguns têm cartas de militares, e alguns têm cartas de líderes de governo de diferentes cidades e províncias”, acrescentou Tan. “Atuar no exterior é para que os outros respeitem e apreciem sua cultura. Mas fazê-lo desta forma apenas conduz a um beco sem saída.”
Um ‘mau começo’
Numa demonstração de como isto é generalizado, Song Zuying, uma das cantoras mais famosas da China – e amplamente reconhecida como uma amante do ex-líder chinês Jiang Zemin – revelou a um jornal seu arrependimento por se juntar ao esquema chinês envolvendo o Konzerthaus. Song é também uma membra da CCPP.
“Um jornal me criticou por ter tido um mau começo fazendo um concerto no Konzerthaus de Viena. Depois de pensar sobre isso, acho que de fato fiz um mau começo.” Empresas de artes chinesas devem competir no mercado em vez de pagar para se apresentar, distribuir bilhetes gratuitos como manobra política, e inclusive pagar membros da audiência para assistir, disse ela. Alugar o Konzerthaus em Viena não sai barato.
Impulso político
Atrás da bufonaria há uma dimensão política: uma aparente tentativa, porém desajeitada, de competir com o maior grupo estabelecido de artes cênicas, o Shen Yun Performing Arts.
O Shen Yun, com sede em Nova York, há anos viaja pelo mundo com dezenas de artistas, a maioria deles chineses estrangeiros, que apresentam a dança clássica chinesa acompanhada de uma orquestra ao vivo e tenores. Além da dimensão profunda da cultura tradicional chinesa, seus shows incluem vinhetas que retratam a perseguição ao Falun Gong, uma prática espiritual que tem sido suprimida na China desde 1999. O Shen Yun inclui informações sobre o Falun Gong em seu website.
A empresa também tem documentado uma campanha extensa e elaborada de interferência do Partido Comunista Chinês em seus shows. As performances chinesas que Tan Lihua descreve como fracassos seriam o que o Shen Yun explica como a tentativa do PCC de aplicar pressão financeira no Shen Yun. Isso é feito, por exemplo, por um grupo estatal chinês colocando seu próprio show em outro teatro na mesma noite que o Shen Yun. Mas a estratégia parece estar falhando miseravelmente.
Um olhar em como shows deste tipo são algumas vezes recebidos foi fornecido pelo New York Times na segunda-feira. Ele analisou o show-propaganda “The Red Dress”, afiliado ao regime chinês, que esteve no Lincoln Center em Nova York recentemente. A elaborada história de amor, com balé e música, teria sido “extremamente limitada em expressividade emocional” e “simplesmente irritante”.