Os principais editores e executivos de uma publicação de negócios amplamente reconhecida na China foram ao ar com confissões televisionadas recentemente, admitindo que extorquiram dezenas de milhões de dólares de mais de 100 empresas que estavam em processo de abertura de capital.
A notícia foi divulgada com estardalhaço pela mídia estatal, incluindo a mais proeminente delas, a Central Chinesa de Televisão (CCTV), que parecia ter ganhado acesso exclusivo aos supostos infratores, um privilégio que mesmo os advogados dos acusados não compartilharam.
Confissões televisionadas desse tipo se tornaram comuns nos últimos tempos na China e equivalem a um julgamento da mídia antes do processo judicial verdadeiro.
Neste caso o “lado negro da indústria mediática financeira” – ou seja, a extorsão e os subornos pela promessa de não reportar notícias negativas – parecia ser amplamente conhecido e bastante comum. Mas a punição barulhenta da 21st Century Net, o website da respeitada publicação 21st Century Business Herald, foi intrigante.
“Todos querem saber se haverá uma tempestade de retificação em toda a indústria”, disse um âncora da CCTV em sua introdução à reportagem. O termo “retificação” (zhengfeng) é usado pelo Partido Comunista Chinês (PCC) para se referir a um expurgo político, e caracteriza o estilo de muitas atividades policiais ostensivas na China.
O esquema admitido pelos editores da 21st Century Net era simples: eles enterrariam notícias realmente negativas ou se absteriam de enfatizar informações moderadamente negativas em troca de pagamentos diretos em dinheiro ou de suculentos contratos de publicidade online das empresas privadas que estivessem em processo de abertura de capital.
“Usar anúncios é um pouco mais refinado do que [receber] taxas de proteção”, disse Zhou Bin, um dos editores do website, com um sorriso. “Quando as empresas fazem sua oferta pública inicial [IPO], não é que elas necessariamente falsifiquem seu histórico, mas o histórico de algumas empresas tem problemas”, disse ele.
“As empresas públicas e suas relações públicas têm uma demanda muito simples e direta da mídia: ‘Não escrevam matérias negativas sobre nós.’” Zhou Bin acrescentou: “Isso cria a chamada oportunidade da ‘taxa de proteção’.”
Empresas de relações públicas desempenham um papel semelhante no esquema, segundo Liu Dong, o vice-editor e diretor do website 21st Century Net, que também fazia parte do esquema. Elas levam uma comissão da empresa que representam e em seguida pagam por anúncios nas empresas de mídia que desejam subornar.
De abril de 2010 em diante, a 21st Century Net assinou acordos deste tipo com mais de 100 empresas que preparavam suas IPOs. A maioria dos esquemas envolvia receber dinheiro de publicidade com a promessa de não publicar artigos negativos. O preço variava de 200 a 300 mil (c. US$ 30 a 50 mil), disse a reportagem. A CCTV alega que a 21st Century Net extorquiu mais de 300 milhões de yuanes (quase US$ 50 milhões) de diversas empresas ao longo dos anos – este número provavelmente seria uma combinação das taxas de proteção em dinheiro vivo e da ‘venda’ de anúncios para empresas de relações públicas.
Se os repórteres já houvessem preparado um artigo crítico, eles poderiam receber até 100 mil yuanes para liquidá-lo.
De acordo com o âncora da CCTV, a extorsão dessas empresas era um “critério de avaliação aberto” na 21st Century Net. O website é parte e sinônimo do 21st Century Business Herald, uma grande mídia sediada em Guangzhou, no Sul da China, que por sua vez é parte da 21st Century Media, que possui outras publicações subsidiárias como Moneyweek, Forbes China, Miss World China Pageant e Global Entrepreneur.
Wen Yunchao, um observador e estudioso da mídia chinesa e ex-professor-visitante da Universidade de Columbia, nos EUA, disse numa entrevista por telefone que quando viu a notícia dois cenários emergiram em sua mente para explicar a revelação.
O primeiro é que a 21st Century, por meio de sua cobertura de mídia, provocou a ira de pessoas importantes – e a polícia de Shanghai e a CCTV foram chamadas para tirar um pouco de sangue.
O segundo cenário é que o Partido Comunista Chinês estaria começando uma ampla campanha anticorrupção, ou de “retificação”, contra a corrupção neste setor. Isso permitiria um melhor funcionamento do mercado – desta forma empresas não seriam extorquidas quando abrissem seu capital ou a exposição pública de seus verdadeiros problemas preveniria que investidores fossem enganados. Se este objetivo final pode ser alcançado na ausência de um Judiciário independente é outra questão.
Frequentemente, na China, a punição politizada ocorre simplesmente punindo-se apenas um ou dois elementos que violaram as regras enquanto ignora todos os demais. O caso do jornalismo financeiro corrupto é um bom exemplo – uma vez que ao longo de décadas, desde o início da modernização da mídia chinesa e de seu modelo voltado para o mercado na década de 1980 – de que a prática do tudo por dinheiro é comum. Repórteres na China não são bem pagos e o recebimento de envelopes vermelhos recheados de dinheiro também é uma prática generalizada.
Em particular, quando se trata de IPOs na China, “esse tipo de extorsão retratada é normal”, disse Wen Yunchao. Ele se referiu a grandes portais da internet chinesa como o Sina e o Sohu que fariam esse tipo de coisa normalmente. “Então, eu não sei por que as autoridades começaram seu trabalho pela 21st Century“, disse ele. De qualquer forma, as autoridades não teriam dificuldade em descobrir a corrupção, uma vez que isso se tornou supercomum.
Tao Kai, um editor do website que foi obrigado a vestir o traje laranja de presidiário, disse em sua confissão na CCTV: “Talvez em meio a toda a excitação, todos tenhamos esquecido a conduta profissional que a mídia deve ter e os padrões de justiça e equidade.” E explicou por que isso pode ter ocorrido: “As empresas que abrem seu capital são basicamente um pedaço gordo de carne. Um grande bolo que todos poderíamos levar uma fatia e assim fizemos.”