Como a quebra da China influencia o mundo todo

26/08/2015 10:03 Atualizado: 26/08/2015 10:03

Todos sabemos que os mercados de ações em todo o mundo foram supervalorizados por algum tempo, e os especuladores estavam usando negociação com margem para comprar ações. Então, essa correção muito atrasada é de fato surpreendente? Diria que não. O que é interessante é que o gatilho para a mudança, em essência, foi a China.

Durante o ano passado, o país sofreu o estouro de uma bolha imobiliária, uma desaceleração econômica feroz, um crash do mercado de ações, e uma espantosa desvalorização do yuan. Na verdade, dado este tipo de registro, é surpreendente que os mercados globais não tenham reagido até recentemente, uma vez que a China entrou em território de correção (caíram mais de 10% em relação aos períodos de alta) durante a semana que terminou em 21 de agosto.

A Bolsa de Valores chinesa acabou com todos os ganhos de 2015 (Google Finance)
A Bolsa de Valores chinesa acabou com todos os ganhos de 2015 (Google Finance)

Talvez as pessoas acreditassem que a China, por manter seu sistema financeiro fechado, não iria exportar sua volatilidade interna. Claro, existem outras razões para a queda nos mercados de ações ocidentais (a possível subida da taxa Fed, níveis de avaliação extremos, margem de especulação, e desaceleração do crescimento), mas vale a pena dar uma olhada mais de perto na conexão com a segunda maior economia do mundo. Pode ser tão contido como foi o subprime durante a última crise financeira.

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Considerações econômicas

Para que as ações subam, o mundo precisa de crescimento econômico e as empresas precisam aumentar os lucros. E mesmo que a China tenha realmente tomado o crescimento de outros países executando um superávit comercial ao longo de décadas, ela também tem comprado, ao longo de muitos anos, mais da metade do minério de ferro e do cimento do mundo para usá-los em projetos de investimento questionáveis.

Isso beneficiou os exportadores de matérias-primas, como a Austrália, grande parte da América do Sul, bem como no Canadá e mesmo os Estados Unidos (com a soja!). A China usava também cerca de 10% do petróleo produzido ao redor do mundo, representando um excelente negócio para os produtores de petróleo do Oriente Médio.

Os países que não exportam matérias-primas também se beneficiaram indiretamente, através da exportação de bens de capital. Além disso, as empresas de automóveis e bens de luxo passaram a atuar no novo mercado que girava em torno da crescente classe de consumidores chinesa e da corrupção endêmica.

Esta festa definitivamente acabou, com o índice de commodities Bloomberg caindo para níveis não vistos desde 1999. O comércio de matéria-prima é um negócio de capital intensivo, de modo que esta queda fere todos os que continuam a investir em projetos de expansão apostando no crescimento chinês. Basta avaliar a indústria global de mineração, que investiu US$ 400 bilhões em projetos de expansão desde 2009.

Portanto, dificilmente haverá crescimento para algumas indústrias chave a nível mundial nos próximos anos e, possivelmente ocorrerão algumas perdas desagradáveis ​​geradas pelo mau investimento em capacidade. Não é de se admirar que as ações destas indústrias estão sendo duramente atingidas, e outras empresas estão sentindo o efeito cascata.

Considerações financeiras

Sim, é verdade que a China tem um sistema de capital muito fechado, e que, em teoria, os problemas dentro de seu sistema financeiro deveriam ter um impacto limitado sobre os mercados mundiais.

No entanto, na prática, o Banco Popular da China ainda tem US$ 3.7 trilhões em reservas cambiais – o país vendeu mais de US $ 300 bilhões nos últimos 12 meses para satisfazer a demanda do dólar privado. Dado seu tamanho, qualquer ação que a entidade tomar tem impacto no mercado mundial.

Além disso, a China tem cerca de US$ 500 bilhões que estão circulando em obrigações comerciais, os quais as empresas pegam emprestado para comprar matérias-primas nos mercados mundiais.

“As empresas chinesas que exportam para os Estados Unidos (Foxconn) não são as mesmas empresas que importam recursos para realizar toda a fabricação e montagem. Os importadores precisam pegar dólar emprestado, ou de qualquer banco estrangeiro com sede na China, ou dos próprios bancos chineses que também precisam pegar dólar emprestado”, escreve Jeffrey Snider, da Alhambra Investment Partners.

Grande parte deste financiamento do comércio está garantida precisamente pelas matérias-primas, que têm estado em queda livre (cobre, aço), gerando perdas ao importador chinês.

Adicione isso ao fato de que a balança comercial da China tem caído bastante e o fluxo de dólares para a China tenha diminuído significativamente. Isso mostra que os importadores estão desesperados por dólares para atender suas dívidas comerciais. Esta é outra razão para a surpreendente desvalorização que ocorreu no dia 11 de agosto: a China simplesmente deixou algumas empresas comprarem dólares no mercado aberto.

Assim, o comércio sofre uma parada, importadores chineses estão liquidando posições de matérias-primas para atender suas dívidas comerciais – ou param de comprar – impulsionando para baixo o preço das mercadorias. Estas forças têm influenciado os especuladores globais a também liquidarem suas posições, impulsionando ainda mais o preço para baixo, colocando ainda mais pressão sobre as empresas chinesas.

As perdas em commodities têm forçado os investidores a vender posições lucrativas a fim de atender as chamadas de margem e a difusão das vendas.

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As reservas podem se esgotar rapidamente

Sobre as reservas cambiais da China, aqui vai uma palavra. Sim, elas podem ser vendidas para diminuir o aperto da liquidez, e algumas já têm sido. No entanto, a maioria destes investimentos são muito ilíquidos. Assim como a The Heritage Foundation aponta, a China despejou mais de US$ 1 trilhão em investimentos estrangeiros ilíquidos, principalmente em mineração e energia.

Investimentos feitos pela China no exterior desde 2005 (Fundação Heritage)
Investimentos feitos pela China no exterior desde 2005 (Fundação Heritage)

A conclusão é que esses são os investimentos sob pressão no momento e será difícil de vender, porque a maioria deles não são negociados na bolsa.

Sim, o país ainda tem um pedaço de investimentos líquidos restantes, tais como os títulos do Tesouro dos EUA (US$ 1,3 trilhão), mas Jeff Snider adverte que essas reservas podem esgotar-se mais rapidamente que uma corrida bancária.

“As saídas têm sido muito intensas. Não há garantia de que isso irá permanecer estável, e se as condições piorarem, a corrida bancária poderia crescer exponencialmente.”

Um ou dois anos atrás, a situação era diferente porque os créditos de dólar foram prontamente disponíveis. No entanto, desde que a Fed parou de injetar dinheiro nos mercados em 2014, a liquidez do dólar global tem sido drasticamente reduzida para todos, não apenas para a China.

Naturalmente, já seria ruim o suficiente se apenas a Turquia e o Brasil estivessem buscando financiamento em dólar, vendendo assets e derrubando os preços das commodities. Adicionar a China neste exercício é como adicionar um elefante em uma banheira já lotada. O que aconteceria com a água pode ser visto no mercado de hoje.