Um guia para os sete estágios de sofrimento após a lesão
Para muitos, correr é mais do que uma simples atividade física que serve para manter o coração a bombear, manter o peso ou reduzir o estresse. Alguns corredores vivem para correr e, em parte, definem sua vida pela capacidade de realizar provas desafiantes.
Estas pessoas marcam o próximo evento de corrida no calendário. Quer seja uma corrida local de 5 km ou uma maratona numa localidade desconhecida, eles planejam sua vida e horários de acordo.
Mesmo para quem não leva a corrida ao extremo, esta atividade pode ser um ponto alto do dia ou da semana. A corrida é uma oportunidade para refrescar as ideias depois de um longo dia de trabalho, libertar alguma energia ou simplesmente desfrutar o ar fresco.
Alguns pensam, “nah, odeio andar por aí a correr, é chato e requer muita autodisciplina”. No entanto, os verdadeiros corredores deleitam-se com o treinamento e o sentimento que advém de levar o corpo a novos limites e alcançar objetivos.
A corrida produz um estado de satisfação nestes atletas, que se torna quase uma necessidade para que se sintam bem em seu mundo.
E se por ventura uma lesão deixa o corredor temporariamente incapacitado? Como é que os atletas lidam como o fato de estarem impedidos de fazer o que mais gostam, quer sejam por uns dias ou por uns meses? Isso pode provocar uma mera alteração no plano de treino semanal ou o cancelamento da próxima grande corrida.
Alguns peritos acreditam que o processo emocional envolvido quando um atleta lida com uma lesão incapacitante pode ser comparado em alguma medida aos sete estágios de luto que as pessoas tipicamente passam após uma grande perda.
Estes estágios, experimentados de diferentes formas, por diferentes pessoas ao longo de períodos de tempo diferentes e em resposta a situações diferentes, pode na verdade auxiliar o corredor, ajudando-o a lidar com a lesão de uma forma mais produtiva no sentido da recuperação.
Ainda que a lesão impeditiva da corrida não seja tão devastadora como a perda de um ente querido, ainda assim é uma ocorrência que pode ter um impacto muito negativo na psique do indivíduo e pode levar a um estado depressivo. Como estes atletas conseguem superar cada um dos estágios de luto pode ter impacto na rapidez que retomam sua atividade normal.
Abaixo se encontra uma descrição das sete etapas comuns do luto. Ao conseguir reconhecer cada etapa e buscar superá-la de forma construtiva, você voltará mais rapidamente à pista de corrida e, ao mesmo tempo, poderá manter-se mais positivo uma vez que as etapas o ajudarão a ver a luz no fim do túnel.
Etapa 1: Choque ou descrença
Assim como muitas outras situações negativas que surgem em nossas vidas, a primeira reação após a lesão pode ser de choque ou negação. “Isto não me pode estar acontecer” ou “Nem pensar, é impossível estar lesionado” são atitudes comuns, o importante é que, uma vez passada essa descrença inicial, é tempo de lidar com a situação.
Adam Banks, CEO do NY SportsMed, estava treinando para a maratona de Nova York pouco tempo depois de ter sofrido uma lesão num acidente de bicicleta que lhe fraturou a pélvis. Fisioterapeutas da área, assim como treinadores de atletismo, avisaram-no que ele estaria sujeito a fratura por estresse durante o período de treino.
Adam ouviu o que diziam e pensou, “Isso nunca ocorrerá comigo”. Mesmo quando um dia, apareceu uma dor em seu pé depois de uma longa corrida, ele não acreditou que seria realmente uma fratura por estresse, ainda que soubesse que suas sensações indicavam que sim.
“Eu estava chocado com o fato de realmente poder ter uma lesão que me impediria de treinar para a maratona, mas assim que superei isso, eu sabia que era preciso fazer o necessário para resolver o problema e seguir adiante”, explicou Banks.
Não acreditar que uma lesão pode acontecer com você é bastante comum, mas ainda assim é importante fazer o necessário para tratá-la.
Etapa 2: Negação
Com muita frequência, logo na fase inicial da lesão, a negação vem acompanhada da descrença. A pessoa sente dor, sabe que ela está lá, mas pensa que basta ignorá-la e fingir que não existe, e que se aguentar a situação, talvez o problema vá embora.
A realidade é que frequentemente uma lesão não se cura sem tratamento ou repouso, por isso, negar que está lesionado e não prestar atenção pode criar um problema mais grave, que leve ainda mais tempo para curar.
“Quando o coração e a mente estão determinados a atingir um objetivo”, Luke Bonjiorno, diretor de fisioterapia do NY SportsMed, explica, “é fácil a pessoa negar a si mesma que tem uma lesão que eventualmente pode obrigá-la a parar por algum tempo. Mas é muito melhor fazer o que é preciso para que o corpo regenere em vez de ignorar a lesão e ficar sujeito a um problema ainda mais sério e difícil de recuperar depois.”
Etapa 3: Revolta
Nunca é divertido sofrer uma lesão. É normal sentirmo-nos zangados ou pensar que não é justo. No entanto, há duas escolhas. Você pode continuar zangado com algo que já ocorreu ou pode canalizar essa energia para fazer o que é necessário para melhorar rápido.
Se isso significar fazer uma parada ou seguir um programa estruturado de fisioterapia, em vez de ficar revoltado, direcione essa energia para combater a lesão.
Allison Lind é uma ávida maratonista, corredora de triatlo e também fisioterapeuta. Em 2010, quando treinava para um evento, descobriu que tinha uma fratura por estresse que a impediria de cumprir seu plano de treinos. “Fiquei furiosa”, diz Allison. “Estava focada na minha próxima corrida e pensei: Por que eu? Por que agora?”
Contudo, Lind compreendeu as ramificações de não lidar com a lesão e, apesar da revolta, soube canalizar suas energias para recuperar a forma e voltar a treinar o mais breve possível.
Desde então, Allison já completou três triatlos (inclusive obteve um 1º e um 2º lugar) e treina agora para a competição Iron Man que ocorre em outono de 2011 no Havaí.
Etapa 4: Negociar
Não existem soluções instantâneas para as lesões de corrida. O corpo necessita de tempo para repousar ou pode ser necessário seguir um programa específico de reabilitação. Atletas com alto nível de motivação podem achar que se trabalharem mais, também podem se curar mais rápido, mas a verdade é que não se deve apressar o processo.
“Lesões demoram certo tempo para curar”, Bongiorno explica. Apesar de pensar que aquela sessão semanal extra com o treinador particular ou aumentar as repetições em casa podem acelerar o processo, não é possível ignorar que é necessário tempo para se curar.
“Os corpos precisam de repouso além do trabalho de reabilitação para se restaurarem e sarar, tentar negociar o tempo que demora este processo realizando mais trabalho não contribui para uma rápida recuperação.”
Quando Banks descobriu que tinha não só uma fratura por estresse, mas também uma fratura no pé, além de um problema de densidade óssea, tentou encontrar argumentos para barganhar com os médicos e não ter de abandonar suas esperanças de competir nas maratonas.
Eu disse, “Usarei a bota por algumas semanas, mas deixe-me continuar os treinos enquanto lido com a questão da densidade óssea”, explica Adam. Seu sentimento era que já havia percorrido um longo caminho apenas para deitar tudo a perder e preferia trabalhar mais duro na parte física da recuperação dando menos importância ao repouso.
O fato é que Adam estava arriscando-se a ter uma lesão maior e pior ao insistir com o treino, colocando-se em risco por não querer conter seu sonho de correr.
Os atletas frequentemente se encontram numa situação em que tentam negociar para que não tenham de renunciar seus objetivos, mas geralmente esta atitude não os beneficia.
Etapa 5: Culpa
Geralmente, ao lidar com uma lesão, o atleta começa a sentir-se um pouco culpado, “O que podia ter feito de diferente para evitar esta lesão?” “Porque não reconheci os sinais antes das coisas ficarem piores?” Esses são pensamentos comuns, mas a culpa nada faz por acelerar a recuperação, apenas faz senti-lo pior do que já está.
É tão fácil ser a vítima e olhar para trás pensando em tudo o que poderia ter sido feito diferente para evitar a lesão. É verdade que talvez devesse ter usado um calçado melhor, não devia ter aumentado tanto a carga de treino, deveria ter parado para descansar quando o joelho começou a dar os primeiros sinais de dor, no entanto, não é possível voltar atrás e alterar as coisas.
Então, em vez de sentir-se culpado das coisas que podia ter feito de diferente no passado, use sua energia para se focar no futuro e em como voltar a sentir-se no seu melhor. Se você se sente culpado por estar obcecado pela lesão, siga em frente e use sua energia para fazer o melhor pelo seu corpo, para ele se recuperar.
Etapa 6: Depressão
Compreensivelmente, existem muitas razões para ficar deprimido com uma lesão de corrida, especialmente se ela vai incapacitá-lo por algum tempo. Enquanto é normal sentir-se mal por não poder correr ou ter dores, isso não é desculpa para lamentações e autopiedade.
“Se você se deixar deprimir pela lesão, isso vai impedir que siga em frente e melhore a situação”, explica Krista Simon, fisioterapeuta do NY SportsMed e especializada em biomecânica dos membros inferiores.
Krista é treinadora assistente de corrida do Programa Determinação da Sociedade Norte-americana do Câncer. “É normal sentir-se por baixo quando não se pode fazer o que ama, mas ficar assim por muito tempo pode impedir a recuperação.”
O que você pode fazer para combater a sensação de perda provocada por não correr? Encontre outras coisas que o mantenha ocupado. Se você estiver à procura de uma atividade mais física, pode experimentar natação, golfe ou yoga.
Se você sente saudade da emoção do dia de competição, tente trabalhar na organização do evento. Se sente saudade dos amigos com quem costumava correr, junte-se a eles noutro contexto social. Encontrar maneiras de manter a moral em alta vai ajudá-lo a manter-se firme no programa de reabilitação e tornar o caminho da recuperação mais suportável.
Etapa 7: Aceitação
Aceitação é o passo final no processo de luto e indica que você já está pronto para seguir em frente, neste ponto você finalmente aprendeu a aceitar o fato que tem uma lesão e que é preciso um tempo para poder recomeçar a fazer o que gosta. Mas agora você compreende o que é necessário fazer para atingir o que quer e pode olhar o caminho com um olhar realista.
Quanto mais rápido você chegar a este estágio, mais depressa poderá se forcar no que é melhor para si e para seu corpo sem deixar que as ações ou pensamentos negativos obstruam o caminho.
“Estresse e negatividade podem impedir a recuperação física”, explica Bonjiorno. “Uma vez que possa reduzir o estresse e os pensamentos negativos associados a sua lesão, terá uma abordagem mais positiva para a recuperação. Quanto mais cedo puder fazer isto, é provável que mais breve seja capaz de disfrutar do nível de atividade que estava habituado.”
A transição entre estas etapas pode ser rápida ou pode ser um processo prolongado. Como reagem os indivíduos dependerá da personalidade de cada um, da gravidade da lesão, do tempo de recuperação e de vários outros fatores internos e externos.
Por vezes, os revezes no processo de reabilitação podem atrasar o luto, apenas tente não ficar preso em determinado estágio e continue o processo até o fim.
O importante é ter em mente que a lesão física é mais do que uma manifestação física. É também psicológica e emocional. Reconhecer e lidar com as relações emocionais da lesão é parte integral do processo de cura.
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