Como Gu Kailai transformou uma perseguição genocida em lucro

23/08/2012 18:12 Atualizado: 24/08/2012 19:39
Policiais montam guarda fora do Tribunal Popular Intermediário na cidade de Hefei, província de Anhui, em 10 de agosto. Gu Kailai foi julgada nesta corte pelo assassinato do empresário britânico Neil Heywood. (Peter Parks/AFP/Getty Images)

Cadáveres do Falun Gong são a maioria dos corpos fornecidos às notórias fábricas de Dalian

O julgamento da bilionária chinesa Gu Kailai pelo assassinato do empresário britânico Neil Heywood tem sido uma espécie de julgamento show. A questão do drama tem sido esconder o grande crime ao invés de publicá-lo.

De acordo com relatos na mídia estatal, o tribunal aceitou a confissão de Gu Kailai de que ela assassinou Heywood com medo de que ele poderia prejudicar seu filho. Esse argumento de Gu Kailai teria justificado a clemência em sua sentença, incluindo o remorso e a ansiedade de uma mãe.

Se o tribunal tivesse optado por observar a relação comercial entre Gu Kailai e Heywood, eles teriam encontrado que a dupla lucrou ao longo de 13 anos com o assassinato de centenas ou milhares de indivíduos; o número de vítimas só pode ser imaginado. Esses são os crimes que o processo no Tribunal Popular Intermediário da cidade Hefei tem tentado ocultar.

A história começou na cidade de Dalian, na província nordeste de Liaoning, em 1999. Bo Xilai, o marido de Gu Kailai, tinha sido prefeito da cidade portuária por seis anos. Ele se sentia irritado com sua sorte, aparentemente exilado dos níveis mais altos do poder.

Gu Kailai compartilhava seu descontentamento. Bela, elegante, determinada, inteligente e com um mestrado em política pela Universidade de Pequim, Gu Kailai chamou a atenção de pelo menos um norte-americano, segundo o Wall Street Journal, como a Jacqueline Kennedy da China. Dalian era um palco muito pequeno para ela.

Uma conversa que Bo Xilai teve com o então líder chinês Jiang Zemin mudaria as coisas para sempre para Bo Xilai e Gu Kailai.

O jornalista Jiang Weiping relatou essa conversa num artigo publicado em 2009, depois que imigrou para o Canadá. Em 2002, Jiang Weiping publicou um artigo acusando Bo Xilai de corrupção e Bo Xilai recompensou-o prendendo-o sob a acusação de expor segredos de Estado e incitar subversão e, em seguida, condenou-o a sete anos de prisão.

O motorista de Bo Xilai, chamado Wang, disse a Jiang Weiping o que havia acontecido entre Bo Xilai e Jiang Zemin. “Você deve mostrar sua firmeza em lidar com o Falun Gong bem como com a resistência mostrada por Hu Jintao em lidar com a revolta tibetana de 1989; isso será seu capital político”, disse Jiang Zemin a Bo Xilai.

Prendendo praticantes

Bo Xilai e Gu Kailai não precisavam de mais incentivo. Enquanto muitas autoridades centrais e provinciais do Partido Comunista Chinês (PCC) estavam menos do que entusiasmadas quando Jiang Zemin lançou sua campanha para erradicar a prática espiritual do Falun Gong em 20 de julho de 1999, Bo Xilai e Gu Kailai aproveitaram-na como seu bilhete para sair de Dalian.

A cidade rapidamente se tornou um inferno para os praticantes do Falun Gong e a ascensão de Bo Xilai começou. Em 1999, ele foi nomeado secretário do PCC na cidade de Dalian, a posição mais poderosa em Dalian. Em 2000, ele foi nomeado governador-interino da província de Liaoning e, em seguida, em 2001, foi feito governador. Em 2002, ele chegou a membro do Comitê Central do PCC e tornou-se destaque nacional.

Enquanto isso, praticantes do Falun Gong inundavam Pequim, tentando dizer ao PCC que parasse a perseguição. As prisões e campos de trabalho em Pequim e arredores transbordavam. Bo Xilai viu uma oportunidade para agradar Jiang Zemin.

Bo Xilai assumiu a liderança na construção e expansão de prisões e campos de trabalho de larga escala na província de Liaoning, incluindo: as prisões de Dalian, Nanguanling, Jinzhou e Wafangdian, o campo de trabalho de Zhoushuizi e o centro de detenção de Yaojia.

Bo Xilai também expandiu o campo de trabalho de Masanjia na cidade de Shenyang, tornando-o a maior instalação prisional na China. Ele também expandiu os campos de trabalho de Longshan e Shenxin, entre outros.

Bo Xilai arranjou que suas instalações recém-reformadas fossem preenchidas com o transbordamento de Pequim, assim, suas prisões e campos de trabalho passaram a deter praticantes do Falun Gong de todas as partes da China. Em particular, Bo Xilai prendeu os praticantes capturados em Pequim, mas se recusou a revelar seus nomes.

Especialistas chineses preparam a dissecação de um corpo humano na fábrica de Plastinação Von Hagens em Dalian, em 2 de fevereiro de 2004. Von Hagens abriu a primeira fábrica de plastinação em Dalian, mas foi logo seguido por vários imitadores. (STR/AFP/Getty Images)

Oportunidade de lucros

Embora no início Bo Xilai e Gu Kailai tenham visto a perseguição como uma chance de ascender no PCC, Gu Kailai rapidamente viu algo mais nos numerosos praticantes que se aglomeravam nas novas prisões de Bo Xilai: uma oportunidade para imensos lucros. De acordo com uma fonte familiarizada com o assunto, Neil Heywood estava lá com ela desde o início como um assessor de confiança, quando ela começou a fazer dinheiro com os órgãos e corpos dos praticantes.

Em agosto de 1999, Gunther von Hagens abriu a primeira fábrica de processamento de cadáveres em Dalian. Utilizando um processo que von Hagens diz ter inventado na década de 1970, chamado ‘plastinação’, em que os fluidos corporais são substituídos por polímeros, a fábrica preservava corpos humanos para exposição e pesquisa.

Em 1995, von Hagens começou a montar exposições de seus corpos preservados, transformando sua invenção numa indústria lucrativa. Na verdade, as exposições que von Hagens e seus concorrentes montaram em turnê ao redor do mundo têm atraído um público de dezenas de milhões e gerado receitas da ordem de centenas de milhões de dólares.

A fábrica foi aprovada pelo Departamento de Comércio Exterior e Cooperação Econômica de Dalian e pelo Departamento de Gestão Industrial e Comercial de Dalian, com Bo Xilai pessoalmente envolvido na aprovação do registro.

Exigindo um investimento inicial de 15 milhões de dólares, a fábrica estava localizada na zona de desenvolvimento de alta tecnologia de Dalian, um belo lugar perto do oceano e no sopé das montanhas da região.

Von Hagens disse ao New York Times que havia criado a fábrica em Dalian porque achou mão de obra barata, alunos interessados, poucas restrições governamentais e fácil acesso aos órgãos de chineses, que ele disse usar principalmente para experimentos e fins de investigação médica, não para suas exposições.

Corpos não reclamados

A fábrica de von Hagens tinha fácil acesso aos órgãos de chineses, segundo o New York Times, porque ele usava o que é designado pela lei chinesa como corpos não reclamados. Von Hagens disse ao New York Times que, depois que novos regulamentos chineses foram emitidos em julho de 2006, “Agora é difícil [usar corpos não reclamados].”

De acordo com a interpretação judicial do Supremo Tribunal Popular da China do artigo 348 do Código de Processo Penal chinês, a família de um criminoso executado deveria ser notificada quando o corpo estivesse disponível para ser apanhado dentro de um prazo especificado.

“Se a família do criminoso não reclamar o corpo após a data especificada”, diz a interpretação, “o tribunal popular pode notificar organizações relacionadas para lidar com o corpo ou os restos mortais.”

De fato, o artigo 348 deixa uma lacuna aberta para os tribunais e autoridades da segurança pública lidarem como quiserem com qualquer corpo designado não reclamado.

Peng Yongfeng costumava advogar na China. Ele disse à Rádio Som da Esperança que o artigo 348, de fato, deu ao tribunal o direito de cremar o corpo de um preso e, portanto, permite remover os órgãos do prisioneiro antes que o corpo seja cremado e sem notificar os membros da família.

Na verdade, quando familiares de praticantes do Falun Gong foram convocados para reclamar os corpos de seus entes queridos, muitas vezes eles receberam uma urna com as cinzas, segundo relatos no website Minghui do Falun Gong. As famílias não têm como verificar de quem são as cinzas que lhes foram dadas.

As circunstâncias da perseguição ao Falun Gong fazem os praticantes particularmente vulneráveis a serem tratados como não reclamados.

Em seu capítulo no livro ‘Órgãos do Estado’, Erping Zhang, porta-voz do Centro de Informação do Falun Dafa, explica por que os praticantes muitas vezes escondem suas identidades quando são presos. Se a identidade for revelada, toda a família do praticante e amigos poderão sofrer. Retendo suas identidades, os praticantes protegem as pessoas próximas a eles.

Praticantes não identificados são por definição “não reclamados” se forem executados, pois a polícia não tem como entrar em contato com seus familiares. Além disso, familiares dos não identificados não têm como saber de seu destino, liberando as autoridades da possibilidade de serem chamadas a prestarem contas.

Então, a polícia e os tribunais têm grande flexibilidade em dispor do corpo não reclamado, por exemplo, e vendê-lo pela maior oferta.

Fornecendo corpos

Gu Kailai descobriu que havia duas maneiras de transformar praticantes detidos em dinheiro. Os órgãos poderiam ser removidos e utilizados por hospitais em Liaoning para transplante e os corpos poderiam ser vendidos para fábricas de plastinação.

Von Hagens disse ao New York Times que seu parceiro de negócios, o Dr. Sui Hongjin, havia estabelecido uma fábrica competitiva e abastecia seus concorrentes com corpos plastinados.

Von Hagens e Sui Hongjin se separaram em 2000. Desde então, várias outras fábricas de plastinação de corpos abriram em Dalian e a China adquiriu a notoriedade de ser a maior exportadora mundial de cadáveres. Segundo a Rádio Free Asia, um único corpo plastinado podia ser vendido por 1 milhão de dólares.

Segundo uma fonte do Epoch Times, Gu Kailai e Heywood estavam profundamente envolvidos no desenvolvimento desta nova indústria. A fonte disse que eles forneciam às fábricas os corpos de praticantes do Falun Gong, que compunham a maior parte dos cadáveres fornecidos de fontes chinesas para fábricas de plastinação em Dalian.

Gu Kailai era a mentora da gestão financeira, da publicidade online nacional e internacional e da abertura de canais de exportação para o tráfico de órgãos e corpos humanos, segundo a fonte.

O Epoch Times não tem informações sobre se von Hagens ou outros proprietários das fábricas de plastinação sabiam que os corpos fornecidos, supostamente das escolas médicas de Dalian, eram praticantes do Falun Gong assassinados.

De acordo com a fonte do Epoch Times, Gu Kailai assassinou Heywood porque ele começou a falar sobre seu envolvimento em lidar com corpos do Falun Gong em Dalian. O assassinato não teve nada a ver com proteger o filho de Gu Kailai.