Existe uma velha crença de que o Japão se desenvolveu graças a uma forte intervenção estatal e de que sem ela muito provavelmente hoje todos os japoneses estariam perecendo na miséria e que não veríamos tantas marcas gigantes japonesas como vemos hoje, já que todas receberam e ainda recebem constante ajuda do governo e que boa parte delas foram salvas da falência em diversas crises (boa parte delas erroneamente atribuída ao mercado) o que impediu não somente um desemprego generalizado como também manteve o Japão perto do topo do mundo.
Porém o Japão hoje paga muito caro pelo modelo econômico que escolheu, e aqui pretendo expor todos os seus erros na economia. É um keynesianismo tão atroz que faria o próprio Lord Keynes reprovar isso. Vejamos parte por parte onde o Japão errou e por que está errado.
Keiretsu, uma criação de monstros que poucos perceberam
Vejamos os fatos: as empresas do Japão recebem ajuda do estado? Sim. As que beiraram a falência foram resgatadas? Sim. O Japão se desenvolveu com a ajuda do estado? Definitivamente, não. O Japão antes de mais nada teve um desenvolvimento que podemos chamar de “fogo de palha”. É fato que a maioria dos japoneses é mais inteligente que a média da população da maioria dos países, isso pode explicar muita coisa, mas não tudo. O desenvolvimento tecnológico independe do apoio estatal ou não. Se não houvesse interferência, certamente o mercado nesse setor dentro do Japão seria ainda mais competitivo. Acontece que pouco há o que comemorar quando diversas empresas japonesas aparecem entre as maiores empresas no setor no topo. Os socialistas sempre condenaram o fato dos “ricos ficarem cada vez mais ricos e os pobres ficarem cada vez mais pobres”. Há uma aparente competitividade intensa no setor de tecnologia dentro do Japão, mas em nada justifica o empobrecimento forçado do resto da população para subsidiar essas empresas. Que inclusive formam uma elite monstruosa chamada keiretsu (系列). O keiretsu é uma boa amostra de a economia japonesa não é tão livre quanto parece e diria inclusive que é um dos modelos que mais se aproxima do fascismo, já que a sua política fiscal fomentou a criação de diversos grupos empresariais que nos mostram a errônea noção de que há uma razoável competitividade, mas não é bem assim.
Os keiretsus se beneficiam de diversas formas, não apenas com o sagrado subsídios, mas de qualquer forma de regulação no mercado que pode atrapalhar a criação de concorrentes nos grandes centros. A sorte dos pequenos empresários é de que as áreas mais interioranas ainda são poucos atraentes para esses grupos. Assim eles não sofrem muito com a presença dessas corporações. Essas corporações, ao contrário das pequenas empresas, nunca quebram. Eles são beneficiadas de todas as formas possíveis pelo governo, não apenas devido aos subsídios, rent-seeking, bailouts, etc, mas também devido a proteção que eles recebem devido às regulações, o que permitem eles criarem uma estrutura totalmente oligárquica. Ou seja, é algo completamente concentrador.
Abaixo vemos os exemplos de keiretsus a partir do artigo do Wikipedia:
Como se pode ver, são dezenas de empresas pertencentes a poucos grupos. Isso não é fruto do livre-mercado. É uma estrutura fomentada por uma regulação nefasta por parte da política fiscal japonesa. Porém, o fascismo dessa estrutura é o menor dos problemas na economia japonesa. Ainda há muitos outros…
O problema da previdência
A previdência japonesa é uma caso atípico. Ela é simplesmente trilionária e o país possui uma população cada vez mais envelhecida e endividada. Atualmente quase um quarto da população tem mais de 65 anos e o número de contribuintes tende a diminuir e o de aposentados a aumentar. Uma hora a conta não vai fechar e para piorar o país tem registrado uma contínua queda na sua população. No país tem mais gente morrendo do que nascendo. Isso é ruim? Certamente.
Agora a pergunta-chave: por que houve uma queda tão acentuada?
Simples, alta intervenção estatal que fez com que ter filhos no Japão se tornasse algo praticamente proibitivo. Após o baby boom o Japão adotou medidas rígidas no controle de natalidade. Em 1948 eles adotaram a Lei de Proteção Eugênica, que visava não apenas controlar a natalidade, mas visar a saúde da população. Essa lei nefasta tinha meta planejamento familiar, aborto induzido e esterilização por razões de saúde. Isso fomentou a prática do aborto e ainda acabou com o incentivo de qualquer casal ter filhos. Em 1955 chegaram a ser realizados 1,17 milhão de abortos. Para se ter uma ideia, foram registrados pouco mais de 1,5 milhão de nascimentos.
Como podemos ver no gráfico, ainda houve um segundo baby boom, mas durou pouco mais de uma década. O número de abortos tinha caído. Em 1973, as Lei de Proteção Eugênica sofreu diversos ataques de religiosos e líderes políticos, que exigiam uma revisão, mas negada pela Federação do Planejamento Familiar do Japão, que alegou que isso poderia acarretar em diversos problemas sócio-econômicos. Curiosamente foi a partir desse ano que o número de nascimentos nunca mais parou de cair. E assim segue até hoje.
Em 1996 tardiamente a lei foi alterada (não revogada) e passou a se chamar Lei de Proteção da Saúde Maternal. Não há mais conceitos eugênicos nela, mas o legado ficou. O Japão anualmente ainda registra mais de 300 mil abortos por ano mesmo com diversas restrições. A conclusão que podemos chegar é que a Lei de Proteção Eugênica banalizou o aborto e que se hoje ter um filho no Japão é algo praticamente inviável, é graças ao estado. O resultado não poderia ser outro, hoje mais morre do que nasce gente no Japão.
Podemos concluir que o problema do crescimento populacional japonês começou com a irracional ideia de que o país corria o risco de passar por uma super-população. Hoje ela se resume numa das mais altas dívidas do mundo. Hoje está impossível do estado pagar a dívida sem gerar uma inflação histórica. O que poderia fazer é privatizar totalmente a previdência dividindo-a em várias em empresas e pagar o que falta. Mas o Japão sempre faz tudo errado. Certamente pela sede brutal do seu governo em querer arrancar o seu dinheiro ou do seu total desespero em tomar decisões erradas. Isso veremos agora.
Aumento dos impostos: a frustrada (mas insistida) tentativa de enriquecer empobrecendo quem “contribui”
Aumentar os impostos. Isso o Japão tem feito nos últimos vinte anos sem atingir nenhum resultado satisfatório. O objetivo sempre foi o mesmo: arrecadar recursos para amenizar a escandalosa dívida pública que atinge 230% do PIB, mas obviamente não conseguirão por motivos óbvios, mas que os keynesianos não veem ou fingem que não veem, que é o mais provável.
Primeiro, devemos entender que os impostos não vão deixar ninguém mais rico, pois ele se resume numa redução compulsória da renda do trabalhador. Menos renda implica em menos consumo, menos uso de serviços e menos dinheiro poupado. Aqui já vemos que o governo nada terá em ganhar com isso e se a intenção dele é melhorar a situação econômica do país (creio que não), isso não passará de um tiro saindo pela culatra.
O segundo ponto é o erro burro de achar que isso diminuirá a dívida. Dívida são gastos e gastos se cortam com políticas de austeridade, uma palavra praticamente proibida dentro da política fiscal japonesa. O Japão ainda com o pretexto de gerar emprego ainda gasta muito com obras públicas, uma ideia já refutada há muito tempo pelo Henry Hazlitt em Economia Numa Única Lição. Isso é destruir qualquer incentivo de criação de empregos no setor privado, que é onde surgem os empregos não parasitários. É preciso entender que o chamado retorno de impostos não existe. Gastar um dinheiro que foi roubado em serviços que nunca foi pedido não é retorno.
Por fim, o que se conclui é nunca se resolve um problema de economia piorando a situação econômica de quem o sustenta. O estado de tão ganancioso acaba se autossabotando, e o Japão é o melhor exemplo disso.
Manipulação dos juros
Uma das principais características dos bancos japoneses é eles oferecerem créditos a juros muito perto do zero e simplesmente não quebrar, facilitando o pagamento para todo mundo. Isso é bom? Bem, não. Vamos raciocinar uma coisa: qual banco ofereceria empréstimos a juros tão baixos e por vários anos? Obviamente que nenhum, a menos que o banqueiro queira quebrar. Essa é outra medida burra.
O Japão há décadas vem tomando essa medida de facilitar créditos manipulando os juros por meio de subsídios bancários. Não preciso dizer que essa medida não apenas é burra como eu disse acima, mas também extremamente perigosa e, claro, nefasta. Grande parte do que os japoneses pagam em impostos vão para os bancos justamente para esse fim. É simplesmente o governo deixando a população mais pobre para que no futuro corram o risco de ver uma crise no país que fará a de 2008 parecer pequena.
Gastos, gastos e mais gastos
Nos últimos 20 anos o Japão já gastou trilhões de dólares com pacotes de estímulos. Vão desde criações de subsídios para pessoas e empresas tentando – de maneira frustrada – criar algum estímulo, comprando títulos de dívidas (?) e contruindo pontes e estradas que ligam o nada a lugar algum. Podemos concluir que não existe país nesse mundo que segue tão bem o destrutivo legado do John Maynard Keynes. Observando a política fiscal e monetária que o Japão segue nem parece que estamos falando de um dos povos mais inteligentes do mundo. Eles simplesmente acham que é possível se enriquecer gastando mais.
Os resultados não poderiam ser outros: recessão e aumento brutal da sua dívida. Podemos esperar mais alguma coisa? Não, a não uma piora do que já ruim no que depender da sua política fiscal.
Inflação, a meta burra
O Japão possui uma economia bem voltada para exportações. Isso já é um erro, mas eles fazem questão de piorar as coisas ainda mais: com meta de inflação. Sim, o governo japonês vira e mexe adota a inflação como meta. Com o pretexto de que a inflação é necessária para não apenas aumentar as exportações como também gerar empregos e incentivar o turismo, o Japão tem combatido aquilo o que na verdade deveria ser o objetivo, já que o país muito mais importa do que exporta: a deflação.
A deflação é necessária por ínumeros motivos. O principal deles é que a moeda é o mais importante bem que existe no mercado, e como qualquer bem é muito mais vantajoso ser valorizado. Acreditar que uma inflação ajudaria na economia do país é uma pura inocência (ou má intenção do governo, que deve ser o mais provável), uma vez que privilegia apenas o setor exportador (temporariamente) e prejudica toda a população, já que como a moeda é o bem principal usado nas trocas no mercado. Afinal, quanto mais inflaciona a moeda, mais unidades monetárias são necessárias para cobrir um mesmo valor.
Seikatsu hogo, símbolo do assistencialismo fracassado
O inferno é cheia de boas intenções e o governo, idem. Podemos ver isso quando ele resolve ajudar os mais necessitados. As ONGs e instituições como igrejas visam sempre usar meios voluntários para arrecadar fundos. O governo prefere assaltar a todos e punir o trabalho e o sucesso de inocentes.
O seikatsu hogo (生活保護) é um caso especial. O seu objetivo é nobre: ajudar quem não tem renda para se manter, mas não é bem o que acontece. O seu valor é algo que beira o absurdo (não raro passa dos três mil reais por mês) e muitos ficam recebendo por um tempo muito maior que o necessário para arrumar um emprego. O resultado não poderia ser outro: parasitismo e fraudes, muitas fraudes.
É certo que ele representa uma parcela de gastos bem menor do que os subsídios bancários e empresariais. No entanto são 3,7 trilhões de ienes destinados para beneficiar apenas 2,12 milhões de pessoas em 2012. Isso dá para cada beneficiado um valor maior que o salário de muita gente que trabalha em jornadas de trabalho normais em empregos modestos. Algo em torno de 145 mil ienes.
O seikatsu hogo atualmente está com a maior quantidade de beneficiados em sua história. Desde 2011 superou o número de beneficiados de 1951, quando o Japão ainda estava se reconstruindo devida a Segunda Guerra Mundial. Com o envelhicimento da população, provocado pelo índice cada vez mais baixo de natalidade, e mais a recessão, a tendência é o número de beneficiados aumentar cada vez mais juntamente com as fraudes. O que era para ser uma solução aos pouco se torna um problema.
Conclusão
É notório que a situação japonesa é extremamente preocupante e que a sua política fiscal deve ser totalmente revista. A dívida do país está em 230% do PIB, recessão já dura quase duas décadas, a população está envelhecendo e os políticos insistem nos mesmos erros, aumentando os gastos, impostos, deixando o lugar cada vez mais difícil de empreender e as leis trabalhistas cada vez mais difíceis de seguir.
O Japão tem solução? Tem, mas para solucionar são necessárias medidas drásticas, que dão medo em qualquer pessoa que segue apenas o senso comum. Os japoneses precisam entender que não é governo que irá solucionar esses problemas. Tudo dependerá deles. Enquanto as pessoas, não apenas os japoneses, não entenderem que o estado é o problema, e não a solução, esses problemas sempre existirão.
Luciano Takaki é economista, especialista em Praxeologia e colunista do Instituto Liberal
O conteúdo desta matéria não representa necessariamente a posição do Epoch Times