Dizem que economistas, em geral, oferecem duas explicações possíveis sobre determinado fenômeno – e uma terceira, para explicar por que as duas anteriores não funcionaram. Na economia, os estudos sobre o crescimento econômico, sobre os hiatos dos desempenhos econômicos entre sociedades e países, sobre a riqueza e a pobreza das nações, são marcados por divergências e debates. O que torna um país rico? Ou melhor: o que é possível fazer para promover o crescimento econômico? As respostas são amplas e variadas – porém são essenciais para definir o bem-estar de uma sociedade, os rumos da política, e a sua renda no final do mês.
Em geral, jornalistas, políticos e estudantes olham para o Produto Interno Bruto (PIB) para saber como está a saúde econômica de um país. O PIB abrange o conjunto de bens e serviços finais produzidos numa economia em determinado período de tempo. Ou seja, desde o pãozinho produzido na padaria da esquina até uma luxuosa casa, tudo entra no cálculo do PIB.
O cálculo do PIB, por sua vez, é um enorme desafio contábil. Como calcular todos os bens e serviços de um país – e evitar repetições nessa contagem? Para facilitar esse cálculo, leva-se em consideração apenas o valor dos bens e serviços finais – isto é, o pãozinho entra no cálculo, mas a farinha utilizada na produção daquele pãozinho não. Outro ponto importante: se o cálculo do PIB é feito anualmente, um fogão produzido em 2012 não vai entrar no cálculo do PIB em 2013. Só entram no cálculo os bens e serviços finais produzidos no país naquele determinado ano.
O PIB é calculado pela soma de quatro componentes: consumo, investimentos, gastos públicos e saldo da balança comercial (a diferença entre importações e exportações). Uma vez que o PIB é o principal indicador do tamanho de uma economia, cabe então perguntar: o que determina sua expansão? A análise de cada um dos componentes do PIB revela importantes considerações sobre o crescimento econômico – porém, podem levar a falsas conclusões.
O objetivo dessa série de artigos é quebrar mitos sobre a importância de cada um desses componentes do PIB para o crescimento da economia. O consumo é o motor do crescimento econômico? Os investimentos são a resposta? Os gastos do governo podem promover o crescimento? No comércio internacional, exportar é o que importa? Essas perguntas serão respondidas em quatro blocos distintos. Ao primeiro deles, então.
O consumo é o motor da economia? Pense de novo.
Já ouviu falar que a economia é como um carro? A analogia é bastante comum. Se a economia é como um carro, o consumo – os gastos das famílias para a aquisição de bens e serviços – poderia ser descrito como o “motor”. Ele corresponde a quase 80% do PIB no Brasil. Logo, não é difícil concluir: caso queira acelerar o crescimento, o que se deve fazer é colocar o pé no acelerador e dar mais força a esse motor. Certo?
Calma! Não tão rápido assim. É necessário, primeiro, distinguir entre consumo e produção. Se a economia fosse um carro, o consumo certamente seria a direção, porém o que faz esse carro andar para frente é um processo longo de transformação de matérias primas e de criação de valor – que são conduzidos por investimentos e por poupança.
Os mecanismos contábeis utilizados para o cálculo do PIB podem levar à falsa conclusão de que o consumo é que realmente importa. Como bens e serviços intermediários usados na produção não entram no cálculo do PIB (pois o valor desses bens e serviços já está “inserido” no preço final), o que sobra é a ideia de que quanto mais as pessoas consomem, mais o PIB tende a crescer. Mas antes de eu consumir algo, eu preciso produzir algo.
De onde os consumidores recebem o dinheiro utilizado para comprar? Antes de ser consumidor, um indivíduo deve ser produtor – ou prestador de um serviço. Em troca do produto vendido ou do serviço prestado, ele recebe um pagamento. Os pagamentos são como recompensas a um trabalho. É apenas após receber seu pagamento que um trabalhador pode consumir. As nossas demandas como consumidores somente são possíveis pela nossa oferta de trabalho/produção a outras pessoas.
Para os trabalhadores, os pagamentos que recebem são sua renda; mas para os empresários, os salários representam uma despesa. O PIB não trata os salários dos trabalhadores como “gastos em investimento” – apesar de que, para um empresário, a contratação de um trabalhador (e o pagamento do seu salário) é o principal investimento feito. No cálculo do PIB, os salários dos trabalhadores aparecem como “consumo”, no momento em que essas rendas são gastas em comida, roupas, celulares, carros, férias e assim por diante. No entanto, a renda desses trabalhadores foi auferida pela contribuição que eles deram em outras etapas da atividade econômica – e que adicionaram valor ao processo de produção.
Na economia, o processo de adição de valor ocorre por meio de vasta estrutura de produção que transforma matéria-prima – madeira, petróleo, ferro – em bens finais. Esse processo é dividido em várias etapas e é fruto da cooperação anônima de milhões de pessoas. Muitas vezes, leva meses (ou até anos) para ser completado. A cada estágio, a atividade de transformação e de adição de valor não é financiada pelo “gasto do consumidor”, mas sim por uma combinação de novos investimentos ou na aplicação da poupança – por exemplo, no uso dos lucros de uma empresa para a contratação de mais trabalhadores ou para a compra de nova máquina.
O ato de consumir, por si só, não necessariamente se traduz em maior produção ou em mais empregos. Afinal, consumidores não investem na produção ou sequer empregam pessoas. As empresas sim. Uma vez que novas contratações são um investimento arriscado, os empresários pesam essa decisão com base no cálculo sobre os tipos de investimentos que eles querem realizar e quais são as suas expectativas futuras. Quanto mais longe da linha de chegada está a produção de um bem final, menos a empresa depende do consumidor final. E uma vez que o emprego está espalhado por esse longo processo de produção, com relativamente poucas pessoas trabalhando na parte de vendas de produtos finais, mudanças nos cálculos de investimentos têm impactos dramáticos sobre o emprego e sobre a produção.
Não há, portanto, fundamentação lógica para sustentar a ideia de que uma economia pode crescer somente por meio do estímulo ao consumo. Durante boa parte da história da humanidade, as pessoas comuns tiveram que passar suas vidas cultivando alimentos. Hoje, há bilhões de pessoas a mais no planeta – e os alimentos são mais baratos, mais abundantes e mais variáveis do que em qualquer outro momento da história. Para garantir essa fartura, menos pessoas precisam trabalhar atualmente na agricultura. O aumento na produção de alimentos não foi possível por que havia mais pessoas… comendo! Ele foi possível pela manipulação de sementes e da terra, pelos investimentos em máquinas agrícolas, pelo controle de pragas e pela invenção de formas de plantação e de colheita que possibilitaram nossa saída de empregos no campo.
O ato de consumir, por definição, retira de uma economia determinado bem. Esse ato não agrega valor, portanto, ao processo de produção – ele é o que finaliza esse processo. Se quisermos um crescimento econômico sólido e sustentável, cada um de nós deve descobrir as formas mais valiosas de servir ao outro e contribuir para o processo de adição de valor e de criação de riqueza, antes que possamos tirar ou consumir algo desse processo. O consumo é o objetivo, mas é a produção que é o meio. Como todas as outras pessoas, até mesmo Papai Noel deve produzir durante todo o ano antes de recebermos seus presentes.
Então, podemos concluir que o combustível da economia é, na verdade, investimento e poupança. Mas que tipos de investimentos são úteis para promover o crescimento? A resposta será dada no próximo artigo.
Esse artigo foi originalmente publicado pelo Instituto Ordem Livre