São comuns histórias sobre censura e controle sobre os meios de comunicação na China, mas as autoridades chinesas nem sempre expressam como elas realmente veem o papel da imprensa. Qual o papel da imprensa para os altos funcionário do Partido Comunista Chinês?
As palavras de alguns altos funcionários chineses deixam claro o que eles esperam dos meios de comunicação, isto é, que sirvam a fins políticos e até pessoais. Eles se referem à mídia chinesa com termos como: um porta-voz, um servo obediente, leal como um cão de estimação, e essa expectativa quanto ao papel da mídia parece se estender também à mídia estrangeira.
Leal porta-voz
Por exemplo, em julho de 2009, um repórter da Radio Nacional Chinesa, uma emissora estatal, foi entrevistar funcionários que trabalhavam no Departamento de Planejamento Rural e Urbano de Zhengzhou sobre problemas ligados ao Departamento, mais especificamente, queixas de um povoado chinês sobre um empreendimento em construção. Quando o repórter foi entrevistar Li Chengxiang, vice-chefe desse Departamento à época, ele perguntou sobre a queixa das pessoas prejudicadas pelo empreendimento.
O repórter recebeu uma bronca: “Você fala a favor do Partido Comunista Chinês ou do povo?”, disse Li Chengxiang, com raiva.
O pressuposto nessas palavras é de que funcionários da imprensa chinesa, um instrumento a serviço do Partido, têm a responsabilidade de estar sempre a favor do Partido.
A resposta de Li Chengxiang expõe uma importante questão. Ao perguntar se o repórter estava representando o Partido ou o povo, Li disse que os interesses do Partido e do povo divergiram. Respostas do tipo ocorrem na China, entretanto, a doutrina do Partido afirma claramente que o Partido é o supremo representante do povo.
Servo obediente
Uma credencial de imprensa, em muitos lugares do mundo, abre passagem aos jornalistas. Mas nem sempre é assim quando se lida com as autoridades chinesas.
Por exemplo, quando em 2010 um repórter da afiliada-estatal Diário da Lei apresentou sua credencial de imprensa a Zhang Shi, um funcionário público da província de Zhejiang. Este simplesmente disse: “Sua credencial não vale nada”.
O repórter foi intimidado. “Por que eu teria que aceitar a sua entrevista?”, disse Zhang. “Eu me recuso a dar entrevistas. E você não pode fazer nada com respeito a isso”.
Li perguntou: “Não vale nada?! Como assim? É emitida pela Administração Estatal da Imprensa, Publicação, Rádio, Cinema e Televisão”, a agência que é responsável pelo controle de mídia. Ter argumentado, no entanto, não foi bom para o repórter.
Arriscar o cargo
Shen Jinlin, diretor do Hospital Central em Hengyang, uma cidade na província central de Hunan, fez uma comparação muito mais vulgar ao dizer o que ele considera ser o papel dos repórteres.
Depois de Shen ver uma reportagem que mostrou um carro público escondido em um estacionamento subterrâneo – a reportagem era destinada a expor os benefícios excessivos e abusos por parte dos executivos do hospital – Shen explodiu em uma reunião de imprensa.
“O repórter foi longe demais ao rastrear e tirar imagens de um carro que eu escondi em um estacionamento subterrâneo!”, disse Shen. Logo em seguida, ele comparou “a caneta de um repórter” ao órgãos genital de uma prostituta.
Shen é diretor desse hospital e membro do município no Congresso do Povo. As pessoas ficam chocadas com a ideia de que um diretor de um hospital com mais de 100 anos de idade, um funcionário público, tenha a ousadia de fazer um desabafo tão vulgar em público. Um repórter da mídia estatal Xinhua escreveu: “Ou o homem tem problemas ou tem desprezo pelos meios de comunicação”.
Imprensa estrangeira como instrumento político
Este modo de ver a imprensa vem através das palavras de Shi Zhong, ex-assessor de uma poderosa figura do Partido, Zeng Qinghong, e membro do Grupo Consultiva de Política do Povo Chinês.
Em 8 de março, Shi disse que “toda reportagem de qualquer mídia deve se basear em evidências. Não relate se você não tiver nenhuma evidência”. E continuou: “Especialmente essas mídia no exterior, que noticiam sem provas, sem informações fornecidas a elas pelos nosso departamentos competentes…”.
He Qinglian, autora de um livro sobre o controle sobre a mídia chinesa, disse para a Voz da América que as observações de Shi mostram que as autoridades chinesas veem a mídia estrangeira como uma conveniente fonte para vazamentos de notícias com fins políticos. He acrescentou: “‘informações fornecidas pelos nossos departamentos competentes’ só pode significar que as pessoas que vazam informações, fazem isso seguindo ordens”.
Em novembro de 2012, o New York Times publicou uma longa matéria, com exaustivos detalhes, que mostrava como Wen Jiabao, que era Premier da China na época, tinha acumulado enorme riqueza ao longo dos anos. A controvérsia na época não era tanto sobre o Premier Wen, mas sim sobre como e onde o New York Times obteve tantos detalhes sobre sujeiras envolvendo Wen.
Isso reforça o sentimento de algumas pessoas de que as notícias sobre a riqueza de alguns dirigentes chineses, publicadas em 2012 no New York Times e Bloomberg, possivelmente não vieram de jornalistas ocidentais independentes.
“Os principais líderes chineses ou grupos de poder envolvidos em lutas pelo poder dentro do Partido Comunista Chinês têm seus próprios meios para alimentar de informações várias mídias estrangeiras”, escreveu He Qinglian.