Sir Wilfrid Laurier, considerado o maior primeiro-ministro do Canadá, tinha dois conselhos sábios para os canadenses acerca do comércio. Primeiro, o comércio livre com os Estados Unidos é a pedra basilar da prosperidade do Canadá. Segundo, devemos partir dessa relação primária e procurar mercados onde quer que eles se encontrem.
Um século mais tarde, este ainda é um bom conselho. Especializar, mas diversificar.
Nós temos comércio livre com os Estados Unidos para quem enviamos a maior parte de nossas exportações, mas queremos reduzir a dependência desse mercado. O desconforto que advém da dependência aos Estados Unidos, além de seu comportamento errático sobre a tubulação Keystone XL, por exemplo, fazem o Canadá naturalmente vislumbrar a China e o seu vasto mercado.
Reservas em negociar com a China
No entanto, existe uma poderosa, mas inarticulada ambivalência na mente dos canadenses quanto à China. Na mídia, essa ambivalência é normalmente retratada por reservas quanto ao tratamento que a China aplica a seu povo, especificamente sua conduta quanto aos direitos humanos.
A China é inegavelmente um regime sem consciência que trata dissidentes e opositores com rigidez e crueldade alarmantes.
Desde sua arrogância, impunidade e sistema de governo corrupto até seu uso de vivazes esquadrões de fuzilamento (5 mil execuções só em 2009, mais do que o resto do mundo combinado); a colheita de órgãos de grupos oprimidos e a violenta repressão aos protestantes da Praça da Paz Celestial (Tiananmen), de tibetanos defensores da autonomia e de praticantes do Falun Gong; o odioso regime chinês é um consumado agressor de todas as normas internacionais de direitos humanos.
O que a China conquistou em poder político e econômico tem sido usado para intimidar seus oponentes e se manter acima da lei.
Mas isso por si só não é o suficiente para nos fazer deixar de ter relações comercias com a China. No passado, existiram relações comerciais com regimes tão maus ou piores, como a União Soviética, Cuba, Venezuela, Irã e a Líbia antes da revolução. Esses e outros têm sido parceiros comerciais dos canadenses apesar de seus desastrosos históricos de direitos humanos.
O Canadá crítica e com razão todos os regimes deste tipo, mas não interfere no direito de seus próprios cidadãos poderem ter relações comerciais com os mesmos desde que o façam de acordo com a lei canadense.
A verdadeira razão para ser excepcionalmente prudente no relacionamento com a China, na verdade, não tem nada a ver com o tratamento que infligem a seu próprio povo e sim com o modo como tratam a nós mesmos. Não se enganem, a China planeja expandir a satisfação amoral de seus interesses pelo resto do mundo, incluindo o Canadá.
Na Ásia, por exemplo, a China usa abertamente seu crescente poder econômico e poderio militar para intimidar países menores. É incapaz de reconhecer seu desejo de expansão e fracas justificativas em reclamar partes do Mar do Sul da China, rico em recursos e sujeito às leis internacionais. Ela escolhe se tornar economicamente dominante em países pequenos como o Vietnã e as Filipinas e usar esse poder para intimidar seus parceiros até a submissão.
A recente liberalização política na Birmânia pode ser entendida como a crescente intolerância da junta militar de ser pressionada pela China e a consequente necessidade de restabelecer relações com o Ocidente. Pequenos países asiáticos recebem calorosamente a intenção dos EUA em estar mais presente no Leste asiático porque desejam que haja um equilíbrio de forças com a toda poderosa China.
Existe também a agressiva campanha de espionagem contra estrangeiros em geral, empresas canadenses, certos indivíduos e interesses particulares.
Apesar do considerável interesse por parte da mídia, os canadenses parecem demonstrar pouca preocupação com a extensão dos esforços de espionagem por parte da China. Para dar apenas um exemplo, um desertor dos serviços de inteligência da China indicou que ela tem mil espiões econômicos trabalhando no Canadá, mais do que em qualquer outro país. Os investigadores canadenses têm sido fundamentais para desvendar uma rede de espionagem informática criada pelos chineses para interceptar informação confidencial do governo, enquanto a espionagem industrial tem pilhado a indústria canadense e seus segredos comerciais.
Um regime mal intencionado
Resumindo, a China é um regime mal intencionado, que sem vergonha explora as fraquezas de seus parceiros industriais e se posiciona acima da lei e das normas de decência sempre que isso seja vantajoso.
Podemos ser economicamente dependentes dos Estados Unidos, mas debatemos essa dependência e todo o exercício de poder dos EUA de uma forma aberta e vigorosa dizendo constantemente aos EUA o que pensamos sem medo de retaliação séria, porque eles são uma sociedade madura, séria e transparente que partilham de nossos valores e operam de acordo com a lei. Em contraste, existe uma enorme pressão dentro do Canadá para não dizer nada que possa “ofender” os chineses de quem somos muito menos dependentes. Nas letras miúdas, eles nos castigarão economicamente se ousarmos falar de forma aberta.
A única resposta possível é falarmos abertamente, enquanto tomamos todas as contramedidas necessárias para nos proteger, incluindo uma agressiva contraespionagem e ceticismo saudável quanto à independência das companhias chinesas em relação ao regime de Pequim. Podemos vender para a China. Mas nunca devemos mudar quem somos para fazer isso.
Brian Lee Crowley é diretor-administrativo do Instituto Macdonald-Laurier, uma organização de pesquisa independente localizada em Ottawa: www.macdonaldlaurier.ca. Cortesia da Troy Media