A elaboração do Orçamento é uma tentativa do governo de estimar o que vai acontecer com a economia no ano seguinte. Dependendo do momento, é um esforço de colocar “tintas mais otimistas” sobre as principais variáveis, por vezes, buscando ganhar tempo, ou apoio da sociedade, mas por outras escondendo “para debaixo do tapete” a necessidade de medidas de ajuste fiscal fortes.
Muitos o consideram uma “peça de ficção”, pois poucas projeções se confirmam, quando confrontadas com a realidade. No entanto, não deixa de ser um esforço importante, uma sinalização, no que chamam de foward guidance (orientação para o futuro), no sentido de guiar os agentes sobre o que pensa o governo, o que deve acontecer e o que pretende fazer para atingir seus objetivos. No Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO), divulgado no dia 15/4, isto ficou bem claro. Foi como uma “espécie de carta de intenções para um eventual segundo mandato da presidente Roussef.” Foram realizadas algumas mudanças no modelo de gestão fiscal e divulgadas algumas projeções mais otimistas sobre o que deve acontecer com a economia em 2015. Vejamos os principais pontos do PLDO.
Meta para 2015
A meta fiscal para 2015 (superávit primário) foi definida em 2,5% do PIB (R$ 143,3 bilhões), a inflação em 5% e o crescimento em 3%. Se este último for maior, a meta aumenta, caso contrário, recua até o piso de 2% do PIB (R$ 114,7 bilhões). Somado a isto, o abatimento para os investimentos do PAC foi definido em, no máximo, 0,5% do PIB, ao contrário dos anos recentes, desde 2010, quando a meta foi definida em 3,1% do PIB, mas passível de abatimento em 1,2% com os investimentos do PAC.
Um detalhe é de que o governo acredita ser possível voltar a crescer 4% entre 2016 e 2017, voltando a obter então esta meta de 3,1% do PIB. A meta anunciada foi considerada compatível com a dívida líquida recuando a 33,6% em 2014, 33% em 2015 e 31,1% em 2016. Agora o PLDO precisará ser aprovado até o dia 30/6 pelo Congresso Nacional.
Comentário
O governo reforça o diagnóstico, com esta meta, de que o ajuste fiscal, que deveria ser rigoroso em 2015, para tentar restabelecer a credibilidade do mercado, será obtido mais pelo lado das receitas do que pelo corte de gastos.
Isto porque acabou estreitamente correlacionada com o crescimento do PIB. Ou seja, em 2015 a meta foi elevada a 2,5%, sustentada pelo aumento da arrecadação e do PIB de 3%. Reforçando isto, o governo já anunciou o aumento do imposto sobre PIS Cofins de importação e o IPI para bebidas leves. Outros aumentos devem ser anunciados em breve. Isto nos leva a acreditar sobre a limitação na capacidade do governo para cortar gastos.
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Inflação de 5% em 2015
Governo acredita no recuo da inflação, com a menor pressão dos alimentos e a menor depreciação cambial neste ano e nos próximos dois, registrando 5% e 4,5% entre 2015 e 2017.
Comentário
Com a rodada de reajustes dos preços administrados, os choques agrícolas, sempre recorrentes, além dos serviços, em novo patamar, esta meta de 5% nos parece bem ambiciosa, para não dizer difícil. Existe outra variável de risco, qual seja, o fim dos estímulos do Fed e a possibilidade de um novo ciclo de alta dos juros. Muitos acreditam que o Fed Funds pode chegar a 4% no longo prazo. Isto pode gerar um novo movimento de realocação dos ativos, contribuindo ainda mais para a depreciação cambial em 2015. O governo já anunciou que a rodada de reajustes dos preços administrados será escalonada, mas quanto mais o governo adia este ajuste maior será o impacto dos preços administrados sobre o sistema de preços da economia. Cabe ressaltar a urgência dos reajustes de energia elétrica e de combustíveis, neste caso, com o diesel gerando novos reajustes de transportes.
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Salário mínimo de R$ 779,80
O governo prevê o reajuste de 7,7% no salário mínimo, de R$ 724 para R$ 779,70 em 2015, ainda baseado na correção anual da inflação e do PIB dois anos antes. Ou seja, o IPCA de 5,3% e o PIB de 2,3% em 2013, devem “balizar” a correção do salário mínimo em 2015, totalizando 7,7%. A partir de então, a regra de reajuste será alterada, estando em aberto o debate, mas alguns segmentos defendendo a renda per capita.
Comentário
É inevitável o impacto negativo deste reajuste sobre o déficit do INSS, devendo totalizar R$ 12,6 bilhões, mas pode chegar a R$ 16,7 bilhões. Acreditamos que esta projeção de inflação de 5% está subestimada. Nossa projeção de IPCA está entre 5,5% e 6%.
Um gráfico de Felipe Salto, da Tendências Consultoria, por exemplo, mostra que a evolução do salário mínimo teve início na gestão Fernando Henrique Cardoso (1995-2002). No seu governo, os ganhos reais, acima da inflação, chegaram a 42,4%. Em seguida, o governo Lula turbinou estes ganhos em 62,8% até o governo Dilma, que nos seus quatro anos gerou ganhos próximos a 18,3%, dado o recrudescimento da inflação neste período. Estes, no entanto, acabaram tendo impactos relevantes sobre as contas da previdência conforme colocado acima.
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Comentário final
Por fim, cabem alguns comentários sobre os parâmetros excessivamente otimistas do cenário econômico a partir de 2015. Como dito acima, a inflação projetada não se sustenta diante de um duro ano de realinhamento tarifário, assim como o crescimento de 3%, dados os ajustes de demanda agregada, ao nosso ver, urgentes. Esta Consultoria, por exemplo, mantendo realismo maior projeta a economia crescendo entre 1,8% e 2,0% em 2015, podendo atingir patamar maior, caso os ajustes e reformas necessários sejam executados. Trabalhamos com o IPCA em torno de 5,8% em 2015, o câmbio a R$ 2,45 e a taxa de juros a 12,5%. Lembremos que o governo nunca conseguiu cumprir as metas realizadas no LDO entre 2011 e 2014, de inflação e crescimento, como observadas na tabela a seguir. Será que conseguirá em 2015? Não acreditamos.
Julio Hegedus Netto é economista-chefe da Lopes Filho & Associados, empresa de consultoria na área de mercado financeiro e de capitais.
Essa matéria foi originalmente publicada pelo Instituto Millenium