Com base chinesa em Neuquén, ‘América do Sul não é mais uma zona de paz’

30/09/2015 11:40 Atualizado: 30/09/2015 12:43

A poucos meses do início das operações da estação espacial chinesa na província de Neuquén, na Patagônia Argentina, as controvérsias não diminuíram. E com base nas últimas estratégias militares publicadas pelo Exército Popular de Libertação em seu mais recente Livro Branco, a função da referida base e suas implicações para a Argentina e região cobram uma importância que transcende suas fronteiras.

O jornal Epoch Times conversou com o engenheiro aeronáutico Ricardo Runza, que tem sido um consultor para questões de defesa durante vários governos argentinos, quanto aos possíveis usos da base chinesa e a postura geopolítica que envolve a instalação para a América Latina. Como mencionado acima, o simples fato de o acordo ter sido assinado com a empresa chinesa Satellite Launch and Tracking Control General (CLTC), que se reporta diretamente ao Departamento Geral de Armamentos do Exército Popular de Libertação, descarta a versão de que se trata de uma estação puramente civil, já que em última instância, o acordo foi assinado com o exército chinês. Diante disso, Runza foi categórico: “O Cone Sul deixou de ser uma zona de paz”.

O contexto da guerra espacial

Para chegar à mesma conclusão que o especialista em defesa, você precisa saber qual o papel que o espaço está desempenhando em matéria de conflitos de interesses entre as grandes potências do mundo.

“No espaço, há duas áreas importantes: a área da atividade militar, que consiste na presença de certo poderio militar no espaço, para assegurar a presença de um país no espaço; mas outra área importante – da qual pouco se fala, mas que é a mais importante – é toda a atividade econômica realizada ao redor do espaço. Atualmente, o maior e mais importante desenvolvimento no espaço, a partir de um ponto de vista econômico, é a rede de satélites de posicionamento global, usado para automatizar todo o trânsito terrestre, marítimo e aéreo; e para se alcançar a automação é necessário possuir um sistema de posicionamento global de alta precisão”, explicou Runza. Esse sistema de alta precisão tem uma margem de erro de 2cm, em comparação com os 200m metros aproximados do GPS normal, e também é essencial para a tecnologia de exércitos ultradesenvolvidos, como dos Estados Unidos, tanto os sistemas de armas e equipamentos de soldados, bem como para a vigilância e espionagem.

A tecnologia da China atualmente não lhe permite alcançar 20 mil km de altitude, necessária para atingir tais satélites, mas Runza estima que no próximo ano os chineses poderão fazê-lo. É aqui que a base paramilitar em Neuquén torna-se importante ao desempenhar um papel em um jogo de conflitos de interesses em relação a esses satélites de posicionamento global.

“A antena que está na base de Neuquén permite o comando e o controle de viagens para o espaço mais profundo. Mas a antena também tem a capacidade de ser usada para fins militares, de comando e de controle de satélites, em uma grande quantidade de satélites que circulam em certas órbitas que passam através do Hemisfério Ocidental, isto é, em toda a América. E provavelmente pode ser interligada a uma série de outras estações na China, o que permite, por exemplo, servir como um canal de informações triangular para o comando chinês e o controle do sistema ASAT (anti-satellite)”, explica.

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Interesse pela lua

A explicação dada pelo regime chinês através de sua embaixada em Buenos Aires é que a base em Neuquén terá como objetivo explorar a lua para uma possível viagem em 2017. Mas especialistas em defesa sabem que o sistema Terra-Lua é um objetivo principal na corrida espacial por sua posição vantajosa em caso de uma guerra espacial.

“Para mim, a verdadeira intenção da China é estabelecer uma base militar na lua, e acredito que em breve irá começar uma nova corrida espacial de natureza militar”, disse Runza. “Militarmente, acho que um dos objetivos da China é a criação de um sistema de armas espaciais que coloque a China em melhor posição em relação à Rússia, Estados Unidos e Europa, seguindo o que se deduz do Livro Branco de 2015 e de documentos oficiais chineses que são do conhecimento público”, acrescenta.

Consequências para a América do Sul

Todos esses fatores se combinaram de forma que Runza concluiu que a região sul-americana não é mais uma zona de paz.

“Deixou de ser uma zona de paz porque já existe concretamente uma base paramilitar chinesa no Cone Sul, a qual desempenhará um papel muito importante em uma futura guerra espacial, especialmente entre a China e os Estados Unidos; e há tensões que estão se formando agora”, diz ele. “O futuro para toda a América do Sul é um futuro em que não ficarão isentos de participação. Esse é o principal impacto. Mas os governos da região fazem vista grossa a isso. ”

O especialista ressalta que os países do Cone Sul não têm um conceito de unidade para apresentar diante do mundo, não há estratégias ou planos de longo prazo, e isso torna esses países vulneráveis aos interesses das potências que têm estratégias, temos visto isso muito claramente no avanço chinês na região.

“A China tem se esforçado por mais ou menos 20 anos para ser um líder na América do Sul, através da venda de armas em diferentes países. Ela implantou uma estratégia agressiva em todas as áreas. E isso porque a América do Sul é um importante fornecedor de recursos estratégicos para a China; do lítio boliviano até o ferro e o aço; é claro que aqui está incluído toda a parte de alimentação: da famosa soja brasileira, paraguaia e Argentina, até tudo aquilo que lhe vier à mente. Isto significa que, para a China, o Atlântico Sul é um elemento de alta prioridade estratégica, e num futuro muito próximo, a China não só irá desejar estabelecer essas bases paramilitares pioneiras, mas também fará pressão para que os países latino-americanos permitam a instalação de bases militares específicas e bases navais para controlar uma frota chinesa no Atlântico Sul”, diz Runza.

Para o especialista, é urgente que os países da região mudem sua maneira de perceber o restante do mundo e a luta de interesses entre países. “O conceito de guerra não está claramente compreendido pela liderança política. Na América do Sul pensa-se que uma guerra é um combate militar, mas não é isso, é uma batalha de mentes que têm interesses conflitantes e que se movem em diferentes campos de batalha. Quando há interesses conflitantes, as estratégias para alcançar esses interesses são as mais variadas. Por exemplo, a China enfrenta os Estados Unidos, e esse confronto ocorre em vários campos: pode ser o econômico, por exemplo, mas não é uma guerra como se pensa aqui, com soldados se enfrentando. E isso não é compreendido, nesta região existe um olhar muito primitivo, muito militarista”, acrescenta.

“Não há nem sistemas de armas nem esboços de forças nem estrutura que tenha em mente a comunidade internacional como uma área para a qual devemos fazer uma contribuição. Então falamos de parcerias estratégicas com a China, mas na realidade não existe uma estratégia, porque não se pensa em longo prazo. E frente a tais circunstâncias, países com objetivos claros exploram as circunstâncias a favor de seus interesses, e um desses países é a China”, concluiu.

Ricardo Runza é engenheiro aeronáutico, mestre em Administração de Empresas e com Mestrado em Defesa Nacional. É consultor de empresas e de agências governamentais. Foi conselheiro no Ministério da Defesa e Chefe do Gabinete de Ministros da Argentina. Ele é co-autor do livro “Rumo a Modernização do Sistema de Defesa Argentino”