Sob o comando do presidente Juan Manuel Santos, as Forças Armadas, e os demais organismos do Estado encarregados da segurança do país, estão vivendo uma de suas piores épocas. O que ocorreu ao General Rubén Darío Alzate, comandante da Força-Tarefa Conjunta Titã, com jurisdição no Chocó, uma enorme e rica região com saída para dois oceanos e por isso mesmo estratégica para a segurança da Colômbia, deixou o país atônito.
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O súbito e insólito sequestro do General Alzate, em novembro passado, por parte de um grupo minúsculo das FARC, e a forma que adquiriu, 14 dias depois, a liberação dele e de seus dois acompanhantes, o Cabo primeiro Jorge Rodríguez e a advogada Gloria Urrego, não consegue ser digerido por ninguém.
Após receber a ordem de Santos de explicar sua conduta ao país, o general Rubén Alzate fez uma declaração na qual renuncia à sua carreira militar e aceita “entre linhas” ter sido vítima de um grave acesso de ingenuidade, tanto dele como dos serviços de inteligência militar da Brigada 15.
É crível sua versão? Com 33 anos de serviço no Exército, o alto militar aduziu que ele e seus acompanhantes haviam sido “sequestrados em total estado de indefesa” por gente da Frente 34 das FARC. Acrescentou que ele havia adotado uma posição de “baixo perfil” (penetrar em uma zona de guerra sem armas, sem uniforme e sem escolta) para visitar o corregimento de Las Mercedes onde esperava instalar umas turbinas no rio Atrato para produzir “energia alternativa”. Por que esse comandante, em vez de se ocupar dos assuntos da guerra, estava com planos de fazer trabalho social?
Por que escapou ao alto comando em Bogotá a decisão angélica (e suicida) que Alzate havia tomado? Não se sabe. O General Alzate ao menos evocou um detalhe interessante: que antes de empreender essa exploração havia consultado “a situação operacional e de inteligência da área”.
Entretanto, a avaliação de inteligência que ele recebeu foi errônea. O General Alzate foi capturado 15 minutos depois de ter iniciado seu percurso em bote desde Quibdó, capital do estado. Durante seu cativeiro, explicou, foi algemado e amarrado durante as noites. Igual sorte teve o Cabo Rodríguez. “Vimo-nos forçado pelos terroristas a realizar caminhadas de mais de oito horas diárias através da selva, além de receber ameaças de morte se decidíssemos (sic) optar por uma fuga. Inclusive, fui forçado a fazer parte do show midiático que estes terroristas das FARC realizaram com fotos e vídeos no dia de nossa libertação”, acrescentou.
A narração que o General Alzate acaba de oferecer pode ser sincera, porém é insuficiente. A opinião pública continua atônita. Como é possível que um General com a experiência que ele parecia ter em luta anti-subversiva tenha cometido erros dignos de um amador? O que lhe fez acreditar que podia adotar em uma área de guerra um “baixo perfil”? Como é possível que ele tenha se deixado sequestrar dessa maneira?
Em sua declaração pública, o General Alzate deixou de lado o aspecto mais importante de sua aventura: a aparição do chefe de guerra das FARC, vulgo Pastor Alape, que substituiu o Mono Jojoy no organograma das FARC, na entrega dos três sequestrados à Cruz Vermelha. Essa aparição foi uma surpresa. Alape, cognome de Félix Antonio Muñoz Lascarro, faz parte dos “negociadores” das FARC em Cuba.
Entretanto, esse indivíduo deixou a ilha e se internou no Chocó, burlando a vigilância do Estado colombiano e chegou até o grupo de sequestradores. Alape estava na Colômbia desde o dia mesmo do sequestro? O Governo de Santos deveria explicar ao país esse e outros detalhes do assunto.
Em todo caso, com a ajuda de fotógrafos de uma agência venezuelana que não estava convidada a isso, Alape montou uma cena para humilhar Alzate. Ver o General abraçando ou quase ao chefe terrorista, gerou uma onda de indignação e de questionamentos na Colômbia. Os próprios negociadores de Santos em Cuba não esconderam sua cólera.
Poucos, pois, ficaram satisfeitos com as palavras de Alzate. Porém, o silêncio de Santos não é menos repudiável.
Pastor Alape ocupou o terreno e impôs a imagem que queria. Confundida, a imprensa descreveu a cena como um ato generoso. Disse que o terrorista “viajou expressamente de Havana ao Chocó para entregar sua vítima à missão humanitária”. De civil e em mangas de camisa, o General parece insignificante nessas fotos.
Esse era o efeito subliminar procurado: mostrar as FARC mais poderosas que o Exército da Colômbia. Mostrar que um chefe fariano de 68 anos pode passear por onde quer e quando quer, e que as agências do Estado e as fronteiras não são para ele senão coadores.
O que passou então com os organismos do Estado? Por que os representantes da Brigada 15 no Chocó, da inteligência militar, da inteligência da Polícia Nacional, mas também os agentes do Ministério Público, do CTI, da Procuradoria, do novo DAS, das Aduanas, etc., deixaram Pastor Alape entrar e sair dessa região? Ninguém viu nada? Havia uma ordem de alguém para que ninguém visse nada?
As FARC demonstram assim quanto se degradou a seu favor a relação entre elas e as forças do Estado. Por isso, após esse triste episódio, as FARC insistiram com Santos que ele tinha que “recompor as regras” do processo [de Havana] e até ver a possibilidade de “fixar as condições de um armistício”. Nada menos.
Ao mesmo tempo, e para punir Santos por ter suspendido os diálogos após o sequestro do General Alzate, as FARC negam ao mandatário colombiano a possibilidade de fixar a data da retomada dessa maquinação, ou de sua aceleração desbocada, como quer Iván Márquez.
O triunfalismo mais demente inspira a atitude das FARC. Um “armistício” vai muito mais longe que um cessar fogo bilateral. Com efeito, se assina, após uma capitulação militar, quando um exército derrotou claramente o outro. É esse o caso da Colômbia? O sequestro de Alzate é, para as FARC, a prova simbólica da derrota do Estado? Santos deveria resistir ante tais imbróglios e falar ao país. Se quer, é claro, estar à altura do drama definitivo que a Colômbia vive.
Tradução: Graça Salgueiro