Hoje li uma reportagem sobre uma tese de doutorado intitulada “Crises políticas e capitalismo neoliberal no Brasil”, onde o autor argumenta que as crises políticas de 92 e 2005 (Collor e Mensalão) estão relacionados com o conflito de classes e a adaptação da burguesia ao poder para manter sua agenda econômica neoliberal.
Para entender a análise do autor, precisamos entender como funciona a mente marxista. O meio epistemológico que eles usam, o do materialismo dialético, é extremamente confuso.
A ideia é a seguinte: em uma história, sempre haverá uma luta entre duas facções, sendo uma de exploradores e outra de explorados.No mundo atual, os burgueses seriam os exploradores e os proletários seriam os explorados.
Dentro desse raciocínio simplista e tosco, a classe burguesa, a partir do fim da URSS, venceu a Guerra Fria e passou a impor sua agenda, que eles chamam de neoliberalismo. O neoliberalismo, assim como a maioria dos conceitos marxistas, não precisam ser explicados, apenas sentidos. Se perguntar a um marxista, ele não conseguirá diferenciar liberalismo de neoliberalismo, mas vai acusar todos os seus adversários de serem neoliberais, ainda que o sujeito se autodeclare de esquerda.
Como esse conceito não é definível por natureza, qualquer coisa pode ser inserida no contexto de neoliberalismo, e o conceito pode ser usado para justificar qualquer coisa, no caso, sempre a opressão dos proletários, ainda que o marxista em questão admita que o movimento proletário está no poder, o que seria uma aparente contradição.
A esse tipo de pensamento, que consegue conciliar ideias absolutamente antagônicas e aceitá-las como verdadeiras, ainda que ambas sejam excludentes uma da outra, se chama “duplipensar”. Essa técnica de discurso político é praticada pela esquerda com afinco desde sempre.
Quando o autor da tese em questão argumenta que durante as crises de 1992 e 2005 houve um realinhamento da “burguesia”, onde esta se alia ao movimento social-democrata (PSDB) e depois socialista (PT) – ambos de origem proletária (ainda que acadêmica, mas nesse caso o acadêmico é proletário porque possui consciência de classe) – para continuar a manter sua agenda, ele comete vários equívocos grosseiros, sendo o primeiro e mais evidente a divisão da sociedade brasileira em duas classes, quando na verdade as interrelações sócio-políticas são muito mais profundas do que isso.
O segundo erro, que segue o primeiro, é enxergar o empresariado como um bloco unido, o que simplesmente não é verdade. Empreiteiras, por exemplo, tem interesses opostos ao da iniciativa privada sem laços estatais, pois essa última é quem banca as obras públicas feitas a partir do conluio entre empreiteiras e governo. Portanto, ele precisaria especificar exatamente de que burguesia ele está falando. O grande empresariado paulista, por exemplo, não tem o menor interesse em abertura econômica, preferindo manter o povo brasileiro como um eterno escravo dos seus produtos de baixa qualidade. Já importadores e exportadores possuem todo o interesse na abertura econômica.
O terceiro erro está na eterna redução dos problemas políticos a questões econômicas, traço típico do marxista. Para marxistas, somente relações econômicas dividem a sociedade (o que eles chamam de infra-estrutura social), e todo o resto (cultura, religião, política, etc) seriam apenas instrumentos de controle, não tendo um significado relevante (a essas questões eles chamam de super-estrutura social). As relações humanas são muito mais complexas que a mera economia. Um problema ético, cultural, religioso ou político pode cindir a sociedade tanto quanto um problema econômico. Resumir a questão das crises políticas a um processo de acomodação política da burguesia (seja ela qual for, conforme visto anteriormente) para poder seguir com sua agenda econômica é simplificar em demasia os problemas ocorridos.
O quarto erro está na própria afirmação de que os Governos Collor e Lula eram “neoliberais”, entendido no caso como sendo a favor do livre-mercado. Collor criou várias leis interventoras, como por exemplo o CDC, que depois se tornou a base da atual indústria do dano moral. Lula fechou ainda mais o país para importações e como o próprio autor disse, injetou imensas quantias de dinheiro público no empresariado, sempre com a devida comissão. O marxista tem dificuldade de entender essa relação Estado-Empresariado-Sindicatos, pois para ele empresariado e sindicatos sempre estarão em desacordo. Mussolini já quebrou essa tese há mais de 90 anos, mostrando que o Estado pode fazer um pacto entre empresariado e sindicatos em detrimento de toda a população. Isso não tem nada a ver com liberalismo ou neoliberalismo, tem a ver com fascismo e a sua visão econômica de “capitalismo de Estado” ou “socialismo de mercado”.
O que se entende do final da tese é que ele levanta dados verdadeiros, mas seu instrumento de visão social, o materialismo dialético, lhe impede de avaliar de fato quais são as causas das consequências apontadas por ele, criando uma teoria tão manca, no caso, a de que as crises políticas tem a ver com a acomodação política da burguesia para manter o domínio econômico, quanto a que ele critica, no caso, as teorias que falam que as crises políticas ocorreram por questões pessoais dos detentores do poder.
Crises políticas são simplesmente muito mais complexas do que isso.
Bernardo Santoro é Mestrando em Direito (UERJ), Economia (Universidad Francisco Marroquín) e Pós-Graduado em Economia (UERJ). Professor de Economia Política da Faculdade de Direito da UERJ. Advogado e Diretor-Executivo do Instituto Liberal
Esse conteúdo foi originalmente publicado no portal do Instituto Liberal