Um documentário angustiante sobre a extração forçada de órgãos de prisioneiros vivos na China revelou a preocupação de que o Estado sancionou tal prática, apesar das reivindicações de autoridades de saúde chinesas para que seja interrompido.
O documentário ‘Colheita Humana: tráfico de órgãos na China’, exibido no programa Dateline da emissora australiana SBS, em 7 de abril de 2015, expõe um terrível sistema praticado na China, onde os médicos, enfermeiros e estudantes de medicina, trabalham tanto em hospitais públicos civis quanto militares para remover órgãos e outras partes do corpo de dissidentes políticos presos, enquanto eles ainda estão vivos.
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Essa prática atende à demanda do sistema de transplante de órgãos, que tem crescido por mais de uma década até se tornar uma indústria de bilhões de dólares de transplante de órgãos, afirma um grupo de estadistas, advogados de direitos humanos, médicos e investigadores entrevistados no documentário.
Embora os números exatos sejam difíceis de determinar, dados oficiais sugerem que a China realiza em torno de 10 mil transplantes de órgãos por ano, a segunda maior taxa de transplantes do mundo, atrás dos Estados Unidos.
Hospitais particulares se vangloriam do tempo extremamente curto de espera, um fato que os investigadores sugerem seja devido a uma numerosa população prisional, que serve como um banco para fornecer órgãos quando solicitados.
As autoridades chinesas inicialmente negaram que estejam usando prisioneiros no corredor da morte para transplante de órgãos, alegando que tais órgãos procedem de doações. Um relatório de 2011 da Cruz Vermelha Internacional, no entanto, demonstra que ao longo dos últimos 20 anos, apenas 37 pessoas em todo o país haviam se registrado como doadores de órgãos na China.
Há 100 milhões de doadores de órgãos registrados nos Estados Unidos e ainda muitas pessoas que necessitam de um transplante esperam anos por um doador adequado.
Falta de transparência
Recentemente, as autoridades chinesas admitiram que órgãos de prisioneiros executados são utilizados para transplantes, mas seguindo a pressão internacional, anunciou estudar parar com essa prática.
Dr. Huang Jiefu, o czar dos transplantes de órgãos do regime chinês, está entre os considerados anti-éticos e prometeu que a China iria acabar com a prática controversa a partir de 1º de janeiro de 2015.
Mas a organização Médicos Contra Extração Forçada de Órgãos (DAFOH), um grupo de defesa da ética médica, que aparece com destaque no documentário canadense, diz que sem transparência e com a continuidade do elevado número de transplantes, é difícil acreditar que alguma coisa mudou.
O normalmente calmo Huang, ex-ministro da Saúde, continua a divulgar a decisão do partido, anunciando em março que o regime tinha virado essa página dos transplantes. Ele claramente desestimulou repórteres de insistir em investigar o processo.
DAFOH, no entanto, foi rápida em responder, exigindo novamente a prova de suas alegações. A organização pede extrema cautela sobre o conteúdo das novas promessas, e apela à transparência sobre a extensão da colheita de órgãos já realizada.
Em um comunicado à imprensa em 7 de abril, ela disse que a comunidade internacional “não deve encontrar alívio” nas novas promessas, uma vez que as autoridades chinesas têm uma “longa ficha de sigilo, números enganosos e declarações contraditórias.”
A natureza confusa da política oficial ficou evidente em algumas das próprias observações de Huang. Em 13 de março, por exemplo, ele repudiou o mais próximo que a China chegou de uma justificativa legal para a utilização de órgãos de prisioneiros: um regulamento secreto de 1984 sob a égide do Tribunal Popular Supremo, do Ministério Público e da Secretaria de Segurança Pública, e outras três agências.
Uso de cadáveres ou órgãos de criminosos condenados deve ser mantido estritamente confidencial. – Regulamento secreto de 1984
Os regulamentos estipulam que os hospitais podem usar órgãos de prisioneiros desde que os membros da família concordem, mas ao mesmo tempo estipula que “o uso de cadáveres ou órgãos de criminosos condenados deve ser mantido em sigilo.”
O repúdio de Huang por estes regulamentos significa que “dezenas de milhares de negociações de órgãos” feitas desde que o regulamento foi promulgado são, portanto, ilegais e antiéticas, e que a equipe médica responsável pelos transplantes deve ser processada.
Huang parece consciente das dificuldades da posição oficial. Em 16 de março, ele chamou a colheita de órgãos de prisioneiros de “uma área sensível, proibida e intratável” antes de insinuar que o chefe da segurança chinesa Zhou Yongkang estava por trás das operações. Neste, ele efetivamente voltou atrás em comentários anteriores que fez para a Australian Broadcasting Corporation e para a mídia estatal China Daily, quando afirmou que o uso de órgãos de criminosos executados era ético pelos padrões chineses e até mesmo uma coisa correta.
Como prova de que a nova política de “sol e transparência” nas palavras de Huang é altamente questionável, DAFOH aponta que hospitais chineses começaram recentemente alterando em seus sites estatísticas de transplantes, e em alguns casos, revisando para baixo – em 50 por cento – o número de transplantes realizados nos últimos dois anos.
“É evidente que a China não está pronta para se juntar à comunidade ética de transplantes, como um parceiro de confiança”, disse DAFOH. Os médicos disseram que outros grupos de vigilância médica internacional deveriam exigir uma maior transparência do regime chinês sobre a questão do transplante de órgãos.
Em vez disso, DAFOH disse que a China precisa fornecer “a divulgação completa do uso de prisioneiros de consciência como fonte de órgãos”, e manter total transparência e acesso ao sistema de captação de órgãos no país. A primeira exigência parece improvável de ser cumprida, a julgar pelos comentários de Huang Jiefu em março.
“Não devemos sempre morar no passado, sempre preocupados com a lista de condenados à morte”, disse ele. “Vire a página e olhe para o futuro. … Não há nada de interessante em prestar atenção neste assunto. Devemos prestar atenção no futuro, não no passado. ”
Prisioneiros de consciência na mira
Os pesquisadores, entretanto, estimam que dezenas de milhares de prisioneiros de consciência como ativistas de direitos humanos, dissidentes políticos, cristão, tibetanos, uigures e, na grande maioria, praticantes do Falun Gong – uma milenar disciplina de cultivo da mente e do corpo, que tem sido perseguida desde 1999 -, foram executados por seus órgãos. Em muitos casos, o procedimento de retirada dos órgãos foi feito enquanto eles ainda estavam vivos, e morreram a partir do próprio procedimento.
O documentário canadense mostra médicos, gravados secretamente em conversas telefônicas, admitindo que podem ter fornecido órgãos de praticantes do Falun Gong. Os órgãos dos praticantes são bastante procurados devido ao seu conhecido estilo de vida saudável.
E, em uma cena emocionante, um médico chinês descreve seu primeiro contato com a colheita de órgãos vivos como estudante de medicina.
Quando eu cortava [o corpo] o sangue ainda estava correndo … aquela pessoa ainda não estava morta.
– Médico chinês
Órgãos humanos, particularmente o fígado, são conhecidos por deteriorar-se assim que são removidos do corpo. “Eu retirei o fígado e dois rins. Demorou 30 minutos”, acrescenta o médico.
Os pesquisadores canadenses David Matas e David Kilgour, respectivamente um respeitado advogado de direitos humanos e um ex-membro do parlamento canadense, estimam que apenas entre 2000 e 2008, mais de 60 mil praticantes de Falun Gong provavelmente foram mortos por meio de captação de órgãos.
Novas investigações feitas pelo jornalista Ethan Gutman também trazem evidências que presos políticos e outros prisioneiros de consciência também estão sendo utilizados para a colheita de órgãos como: cristãos, tibetanos e uigures.