Colapso do mercado imobiliário na China parece inevitável

08/06/2014 14:10 Atualizado: 08/06/2014 14:10

Durante anos, as pessoas que avisaram sobre o estouro da bolha do mercado de imobiliário da China pareciam como lobos se lamentando. O estado do mercado imobiliário no primeiro trimestre deste ano, no entanto, mostrou que os lobos podem realmente retornar desta vez porque os três fatores que ajudaram a manter à tona o mercado de imóveis chinês podem deixar de ser eficazes. Esses três fatores são: a dependência dos governos locais na negociação de terras; os interesses das empresas imobiliárias; e as ações coletivas que proprietários tomaram para resistir à redução de preço dos imóveis.

Excesso de oferta no mercado imobiliário da China

Um fato estabelecido é que o mercado imobiliário da China tem excesso de oferta por um longo tempo e é possível avaliar sua saúde com os dois seguintes conjuntos de dados.

O primeiro conjunto de dados, fornecidos pela Associação de Pesquisa do Mercado Imobiliário da China em 2012, sugeriu que novas áreas de construção no país abarcam cerca de dois bilhões de metros quadrados, o equivalente à metade do total mundial anualmente; mais de 70%, ou 1,4 bilhão de metros quadrados da nova área de construção é para fins residenciais, e mais de 40% desta área está em cidades de 1º e 2º níveis na China.

“Os dados revelaram que os novos apartamentos nos últimos quatro anos são suficientes para metade da população do país para mudar de apartamentos uma vez”, e, “se calculado com base numa área per capita de habitação de 36 metros quadrados, apartamentos novos na China podem atender a demanda por habitação de mais de 38 milhões de pessoas a cada ano”, esses foram os comentários feitos pela mídia do país sobre o inventário de habitação nacional.

Os valores acima não incluem a área de habitação concluída em 2013, o segundo conjunto de dados surgiu com três versões, cada uma marcadamente diferente da outra: a Secretaria Nacional de Estatística (SNE) apresenta a cifra de 1,067 bilhões de metros quadrados; o Banco da América Merrill Lynch estima que o número seja de 1,1 bilhão de metros quadrados; e ainda outra estimativa era de que a área de apartamentos residenciais urbanos atingiu 2,6 bilhões de metros quadrados em 2013. A área total de novos apartamentos concluídos, mesmo baseando-se nos dados da SNE, é impressionante.

Com tantos apartamentos, que são os verdadeiros compradores? A julgar pelo preço dos imóveis, a grande maioria da classe média e baixa não pode se dar ao luxo de comprar seu próprio apartamento. Portanto, os compradores são principalmente funcionários e pessoas ricas que tentam preservar seus ativos. Este é um fato confirmado pela exposição na mídia da “habitação familiar” nos últimos anos. Funcionários de alto escalão foram identificados tendo seus nomes numa dezena ou várias dezenas de apartamentos; altos funcionários como Liu Zhijun, o ex-ministro das Ferrovias, e Zhou Yongkang, um ex-membro do Comitê Permanente do Politburo, possuíam centenas de imóveis.

Em junho de 2013, houve uma reclamação generalizada de que há pelo menos 6.000 Liu Zhijun em Pequim, o que significa que na capital da China, há pelo menos 6.000 outras pessoas que possuíam mais de 300 apartamentos. E eu acho essa afirmação bastante credível, uma vez que o país pratica a centralização do poder e em Pequim há demasiados funcionários com acesso a todos os tipos de oportunidades rentistas.

Esse tipo de demanda quase infinita por propriedade foi impulsionado principalmente pela necessidade de preservação de ativos – a China tem registrado altas taxas de inflação na última década e a única coisa que acompanha as taxas de inflação é o aumento dos preços dos imóveis – e se dizia que se uma família comprava ou não um imóvel e o momento da aquisição estavam relacionados à diferença de riqueza entre a classe média. Agora, no entanto, uma redução significativa na necessidade de preservar ativos por meio do investimento em imóveis surgiu por duas razões: a campanha anticorrupção e a iminente introdução do imposto sobre a propriedade.

Os três fatores que ajudaram a manter à tona o mercado imobiliário da China

Graças inteiramente a três fatores, a enorme bolha imobiliária da China até agora não estourou. Estes fatores são:

Primeiro: Esforços constantes dos governos locais para reforçar a bolha imobiliária

Em janeiro deste ano, o Ministério das Finanças divulgou dados sobre as receitas e despesas em todo o país em 2013. De acordo com o Ministério, os governos locais chineses permanecem altamente dependentes dos rendimentos da terra: A soma dos prêmios de direitos de uso da terra de propriedade estatal foi de 4,1 trilhões de yuanes, um aumento ano-a-ano de 44,6%, quebrando o recorde de 3,15 trilhões de yuanes em 2011; enquanto a receita dos direitos de uso da terra continua a subir, outras receitas públicas apresentaram uma tendência de queda, a receita pública em todo o país em 2013 foi de 12,91 trilhões de yuanes, registrando um aumento ano-a-ano de 10,1%, o mais baixo dos últimos sete anos.

Esta tendência de queda continuou no primeiro trimestre deste ano.

Como é que governos locais conseguem prevenir a queda de preço dos imóveis? Por mais absurdo que possa parecer, isso de fato ocorre. Os governos locais interferem na precificação dos grandes empreendimentos imobiliários, proibindo as empresas de reduzirem os preços para evitar que compradores percam a confiança e para evitar o declínio do mercado imobiliário.

Segundo: Empresas imobiliárias lutam para evitar que os preços dos imóveis caiam

Normalmente, quando a perspectiva não parece boa, o movimento sábio seria vender o estoque o quanto antes a um preço reduzido para reduzir perdas. Empresas de construção chinesas, no entanto, lutam para evitar que os preços dos imóveis caiam. Por quê?

As explicações públicas de proprietários de algumas das principais empresas de habitação eram que os governos locais não os permitiam fazer isso. Wang Shi, presidente da China Vanke, declarou publicamente que o governo municipal de Nanjing multou a empresa em 40 milhões de yuanes pela redução dos preços imobiliários em 2008. Wang acrescentou que em várias cidades importantes, as autoridades locais realizaram auditorias e inspeções fiscais contra a Vanke depois que a empresa reduziu o preço de seus imóveis. Alguns governos locais convocaram reuniões com proprietários de empresas de habitação e deixaram claro que reduzir preços não seria permitido.

A declaração de Wang foi confirmada por outras empresas do setor. Houve relatos de que em lugares como Changsha, Hangzhou e Ningbo, durante reuniões convocadas pelo governo com agentes imobiliários, funcionários do governo exortaram aos agentes imobiliários que não reduzissem os preços dos imóveis facilmente ou despejassem seus inventários de habitação, de modo a evitar a propagação de um sentimento pessimista no mercado. E, de acordo com esses relatórios, as principais empresas, como Vanke e Poly, que tem vários projetos numa mesma cidade, teriam um grande impacto no mercado se baixarem seus preços.

Houve o relato de uma pessoa veterana na indústria imobiliária que recentemente num distrito de Ningbo um desenvolvedor quis reduzir o preço do imóvel e foi orientado a não fazer isso pela autoridade governamental local que considerou que essa ação teria um grande impacto negativo.

No entanto, a intervenção dos governos locais é apenas metade da história. Empresas de habitação também se preocupam que uma redução no preço dos imóveis afete a confiança no mercado e resulte num declínio no volume de transações.

O mercado imobiliário da China, semelhante ao mercado de ações do país, tem dependido exclusivamente de confiança, como resultado do excesso de especulação. A característica de um mercado como esse é que as pessoas só têm confiança nele quando os preços estão subindo; assim que os preços começam a cair, a confiança das pessoas evapora, fazendo os preços caírem ainda mais e mais rápido. Impulsionar as vendas com a redução de preços apenas provocaria suspeitas nos compradores, que assim esperariam por redução ainda maior dos preços.

De acordo com relatórios do mercado, no primeiro trimestre deste ano, o número de transações de commodities de habitação em Hangzhou foi de 10.112, um declínio ano-a-ano de 37,8%; o preço médio foi de 15.388 yuanes por metro quadrado, uma redução ano-a-ano de 11,3%. Analistas dizem que isso indica que uma estratégia de redução de preços não poderia aumentar rapidamente o volume de vendas; pelo contrário, tal movimento mais se assemelharia a queda do primeiro dominó, provocando reajustes subsequentes descendentes nos preços dos imóveis em Changzhou, Ningbo, Yingkou, Lianyungang e Qinhuangdao.

Terceiro: Ações dos proprietários contra a queda dos preços dos imóveis

Além dos dois fatores mencionados acima, há um terceiro fator que ajudou a expandir a bolha imobiliária na China: as ações dos proprietários contra a queda dos preços dos imóveis.

Desde 2011, tendo início em Shanghai, cidades em toda a China viram proprietários exigindo reembolso após uma redução nos preços dos imóveis, que aos olhos daqueles proprietários sinalizava “fraude de preços”. Sempre que uma empresa imobiliária pretendia reduzir o preço dos imóveis, estes proprietários cercariam os escritórios de vendas e exigiriam que os agentes imobiliários não prosseguissem com a redução de preço. A última ocorrência desse tipo se deu em Chengdu em abril deste ano.

Com isso, a regulação e o controle de preços imobiliários da China enfrenta um dilema embaraçoso que possui uma característica chinesa única: o público se sentiria descontente se os preços dos imóveis não fossem reduzidos; mas uma redução nos preços dos imóveis resultaria em oposição coletiva dos proprietários.

Uma bolha econômica não pode durar para sempre

Nos últimos quatro anos, o mercado imobiliário da China foi escorado por estes três fatores, sendo o mais importante deles os esforços persistentes dos governos locais para sustentar o mercado.

No entanto, todas as bolhas estouram um dia. Em abril deste ano, a grande mídia na China começou a discutir sobre o estouro da bolha imobiliária. A Xinhuanet levantou a seguinte questão em 27 de abril: “Agora que o mercado imobiliário mostrou sinais claros de arrefecimento, ele pode manter seu status de pilar da economia chinesa?”

O seguinte conjunto de dados tornou impossível que a mídia chinesa ignorasse os fatos:

Sob as circunstâncias da redução acentuada nos preços dos imóveis, o volume de transações continuou caindo em vez de subir. Em fevereiro deste ano, pela primeira vez desde fevereiro de 2011, a taxa de aumento dos preços de imóveis novos em 70 cidades de grande e médio porte da China registrou um duplo declínio, tanto ano-a-ano como mês-a-ano. Os últimos números divulgados pela SNE em 18 de abril mostram que, entre 70 cidades de grande e médio porte, 14 já apresentam crescimento zero ou declínio mês-a-mês no preço de imóveis novos. E o sinal mais importante foi que, no longo feriado de 1º de maio, o volume de transações imobiliárias atingiu um novo mínimo, e, em Pequim, tanto o volume de transações como o preço de imóveis de segunda mão caíram.

É apenas uma questão de tempo até a bolha imobiliária da China estourar. A única questão é em que ponto o preço aprumaria e quanto tempo levaria para isso ocorrer.

Aos olhos do governo chinês, se a bolha estourar, o cenário ideal seria aquele em que a queda de preços se daria pouco a pouco ao longo de um período determinado, de forma que o governo pudesse administrar o processo; e não uma queda súbita e drástica, que resultasse em pânico porque isso poderia significar desastre para o regime comunista chinês.

O verdadeiro problema é que no mercado a oferta e a demanda tem uma lei própria. Intervenção forçada só pode ser parcialmente eficaz num período determinado; não é possível que seja eficaz sempre. As medidas que um governo pode tomar para regular a economia têm seus limites e eles não são onipotentes no final das contas.

He Qinglian é uma proeminente autora chinesa e economista que atualmente vive nos Estados Unidos. Ela é autora de “China’s Pitfalls”, que trata da corrupção na reforma econômica da China da década de 1990, e “The Fog of Censorship: Media Control in China”, que aborda a manipulação e restrição da imprensa. Ela escreve regularmente sobre questões sociais e econômicas da China contemporânea. Essa tradução é uma versão editada que apareceu primeiramente aqui. Leia o original na Voz da América, edição chinesa