O novo Código Florestal está causando tensões entre o governo nacional, estados, agricultores e ambientalistas
SÃO PAULO – Depois de ser adiada três vezes nas últimas semanas, e após um debate final exaustivo durante a noite, a Câmara de Representantes votou esta semana aprovar o novo e contestado Código Florestal.
A votação de terça-feira terminou com 410 votos a favor, 63 contra e uma abstenção. O projeto irá agora para o Senado Federal, e, depois, voltará para outra rodada de votações na Câmara antes de ser enviado para aprovação da Presidente Dilma Rousseff.
A maioria dos agricultores considera o projeto de lei bem equilibrado, mas os ambientalistas veem como uma regressão dos esforços de conservação florestal em favor de grandes interesses agrícolas, de acordo com um relatório da Câmara dos Deputados.
Apesar dos melhores esforços dos adversários, o projeto foi aprovado com seus elementos mais controversos ainda incluídos.
O novo Código Florestal, escrito e liderado pelo Deputado Aldo Rebelo do Partido Comunista, propõe modificar o Código original que foi tido como um modelo de gestão sustentável.
O Código atual, sancionado em 1965, estipula que as fazendas e assentamentos devem conservar 80% de qualquer floresta amazônica em suas terras como Reserva Legal (RL), e usá-los para a gestão sustentável da madeira, mas não podem destruí-lo. No Cerrado, 35% deve ser RL; a área de reserva é de 20% no resto do país.
A nova lei isenta os proprietários de pequenos lotes de terra com menos 247 hectares deste requisito. Ele oferece anistia para quem desmatou ilegalmente até 22 de julho de 2008, e não prevê a restauração de danos ecológicos em pequenas propriedades. Ele também fatia pela metade, para 15 metros, a quantidade de terra que deve ser deixada intocada ao longo dos rios e córregos, conhecida como Área de Preservação Permanente (APP).
O acidentado debate prossegue
O governo não concorda com a Emenda 164, que concede poderes aos estados para autorizar a regularização de áreas desmatadas. Ele pretende alterar esta parte do texto de Aldo Rebelo.
O líder governamental Cândido Vaccarezza, do Partido dos Trabalhadores (PT), disse, “A emenda abre a brecha para consolidar todas as áreas desmatadas de forma irregular, o que significa anistia para os desmatadores”, segundo um relatório da Câmara dos Deputados.
Antes da votação, Vaccarezza avisou que a Presidente Dilma vetaria o projeto se o Senado Federal não alterasse a emenda.
“A presidente considera que esta emenda é uma vergonha para o Brasil, e me pediu para dizer isso aos membros da Câmara”, disse Vaccarezza numa declaração à Câmara.
Agricultores satisfeitos com o resultado
Os agricultores e empresas agrícolas têm argumentado que a votação era uma questão urgente por causa da escassez de alimentos e da falta de solvência financeira dos pequenos produtores. Eles argumentam que precisam de mais terra para cultivar e criar gado e que o código antigo era muito restritivo.
De acordo com o site de notícias JusBrasil, na semana passada, o coordenador da Frente Parlamentar Agropecuária (FPA), o Deputado Moreira Mendes do Partido Popular Socialista, pressionou o governo, juntamente com os agricultores, para aprovar o projeto nesta semana.
Após a votação, a Confederação Nacional da Agricultura comemorou o resultado. “Foi uma vitória para os produtores, porque não podíamos desistir de mais áreas de produção que já havíamos desistido”, disse a Senadora Kátia Abreu, à BBC.
A Senadora Abreu também disse que o país não pode aceitar a situação atual, devido ao papel fundamental da terra na luta contra a fome no mundo, e apontou que as pessoas já deram o suficiente. “O Brasil é o único país no mundo que renunciou as terras férteis, a fim de preservar o meio ambiente”, disse Abreu numa carta publicada no jornal O Globo.
Comunidade científica ignorada
A comunidade científica diz que foi ignorada na elaboração de revisões do Código Florestal.
De acordo com uma declaração pública da Escola Superior de Agricultura “Luis de Queiroz” (ESALQ), a votação deu importância a uma “questão urgente de última hora”, e não deixou espaço e tempo para entender todas as suas dimensões e consequências. No caso das definições legais das APPs, isso poderia se traduzir em prejuízos incalculáveis para a sustentabilidade do setor agrícola no Brasil, que é reconhecido em todo o mundo como um dos mais completos e versáteis.
Tomás Lewinsohn, professor de Ecologia da Unicamp e presidente da Associação de Ciências Ambientais e Preservação, disse, “Os poucos cientistas que foram de fato ouvidos foram pré-selecionados de acordo com o que diriam.” Ele chamou a crise da produção de alimentos alegada pelo Congresso a fim de justificar tornar as APPs mais flexíveis de “pouco realista”.
Lewinsohn também aponta num texto publicado pelo jornal Estadão que o Brasil tem amplo escopo de reorganizar sua terra para pastoreio se usar tecnologia para aumentar a eficiência da pecuária. “Com isso, é viável aumentar a produção brasileira sem avançar contra as paisagens naturais deixadas nas propriedades rurais”, escreveu ele.
A comunidade científica pediu por mais dois anos no máximo para uma análise científica completa do Código Florestal para promover um acordo entre toda a sociedade, não apenas entre alguns segmentos da população ou determinados interesses, de acordo com um comunicado de imprensa da agência de notícias FAPESP.
Apelações dos ambientalistas ignoradas
O Partido Verde, o Partido Socialista, e parte do Partido dos Trabalhadores contestou a votação do Código Florestal e disseram que precisavam de mais tempo para discussão. Várias vezes seus pedidos de adiamento foram negados.
Alfredo Sirki, deputado do Partido Verde, disse que teria sido possível criar um projeto de lei que simultaneamente protegesse as florestas e os ecossistemas e abordasse as preocupações do setor agrícola.
No entanto, ele disse que a lei atual não significa nenhum avanço, porque, por exemplo, deixa de oferecer incentivos econômicos para o reflorestamento. De acordo com Sirkis, nos próximos 20 anos, haverá 80 milhões de dólares no mercado internacional para créditos de carbono voltados para o reflorestamento, com a finalidade de absorver as emissões de carbono em países que não conseguem reduzir as emissões de carbono.
“Esses serviços ambientais são algo que interessa aos pequenos produtores, mas essa informação foi retida deles”, disse Sirkis, num comunicado divulgado pela Câmara dos Deputados.
Oito ex-ministros do ambiente se reuniram com a Presidente Dilma na terça-feira pouco antes da votação, pedindo-lhe para evitar que isso ocorra.
“A presidente mais uma vez reiterou seu compromisso de não permitir uma reversão na legislação ambiental brasileira”, disse a ex-ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, num comunicado no site do Greenpeace Brasil.