Cinco categorias negras reaparecem na China moderna

12/08/2012 12:00 Atualizado: 12/08/2012 12:00

Um policial militar chinês de guarda fora do Grande Salão do Povo em Pequim. (Mark Ralston/AFP/Getty Images)Ativistas na China têm soado um alerta, lembrando um termo do passado comunista da China para mostrar como o Partido Comunista de hoje está em guerra com o povo chinês assim como o Partido de Mao Tsé-tung esteve antes.

Em 31 de julho, a edição do Diário do Povo no exterior publicou um artigo intitulado “O verdadeiro desafio da China será nos próximos cinco a dez anos”, escrito por Yuan Peng, diretor do Instituto de Estudos Americanos no Instituto Chinês de Relações Internacionais Contemporâneas.

Yuan Peng acredita que nos próximos três a cinco anos, os Estados Unidos “provavelmente usarão métodos não-militares para estagnar ou perturbar a ascensão da China”. “Através da utilização de advogados de direitos humanos, religiões clandestinas, dissidentes, líderes da internet e grupos sociais desfavorecidos como forças principais, [os Estados Unidos] forçarão uma abordagem ‘de baixo para cima’ para infiltrar os populares e estabelecer uma fundação para mudar a China.”

Ativistas imediatamente pegaram os cinco grupos listados por Yuan Peng e os chamaram de “as novas cinco categorias negras”, tomando o nome das ‘Cinco Categorias Negras’ que o Partido Comunista criou na década de 1950.

As velhas categorias

Todo chinês está familiarizado com as Cinco Categorias Negras. Pessoas nestas categorias foram amplamente perseguidas, criticadas publicamente, torturadas e até mortas durante os primeiros 30 anos do regime do Partido Comunista Chinês (PCC). Os membros de suas famílias se tornaram os intocáveis na sociedade chinesa por gerações.

Eles eram proprietários de terras. De acordo com a teoria comunista, os proprietários de terras pertencem à classe exploradora e, portanto, são alvo da revolução proletária. Em milhares de anos de história chinesa, os proprietários de terras foram a espinha dorsal da autonomia rural e os portadores da cultura chinesa.

Estima-se que durante o período de reforma agrária em 1950, cerca de 1 a 2 milhões proprietários de terras tenham sido mortos.

Eles eram camponeses ricos. Diferente dos proprietários de terras, “camponeses ricos” normalmente se refere àqueles que faziam seu próprio trabalho agrícola, não dependendo totalmente de trabalhadores contratados. Esses indivíduos eram as pessoas mais hábeis e trabalhadoras nas aldeias.

Apesar de menos camponeses ricos do que proprietários de terras terem sido mortos, a terra dos camponeses ricos também foi confiscada. Seu modo de vida, ter uma vida decente trabalhando duro, foi criticada.

Eles eram contrarrevolucionários. A maioria desse grupo era composta de ex-membros do partido Kuomintang de Chiang Kai-shek, oficiais e funcionários do antigo exército e do governo da República da China. Muitos deles também foram mortos na campanha de supressão aos contrarrevolucionários no início dos anos de 1950.

Muitos anos depois, os chineses começaram a perceber que as pessoas deste grupo na verdade eram os heróis da China. Muitos deles lutaram na linha de frente contra a invasão japonesa e tentaram estabelecer uma nova China com liberdade e democracia. Infelizmente, eles falharam.

Eles eram maus elementos. Quem não podia ser colocado nos grupos acima, mas precisava ser perseguido, seria colocado neste grupo. Alguns deles eram crentes religiosos que se recusaram a renunciar suas crenças. Muitos deles também foram mortos ou sentenciados a longos períodos de prisão.

Estes quatro grupos foram chamados de as Quatro Categorias. O grupo final era dos direitistas. Este grupo foi acrescentado mais tarde, durante a Campanha Antidireitista em 1957. A maioria das pessoas deste grupo era bem-educada na cultura tradicional chinesa, no sistema educacional ocidental moderno, ou em ambos.

Na época, o PCC já governava a nação, mas precisava estender seu controle aos campos ideológico e cultural. Esse grupo precisava ser silenciado ou mesmo eliminado para abrir caminho para a cultura do PCC.

O pai de um de meus amigos de infância foi rotulado como direitista. Ele foi enviado para um campo de trabalho forçado numa área remota e nunca conseguiu voltar.

Ao destruir as antigas Cinco Categorias Negras, o PCC destruiu com sucesso a estrutura da sociedade tradicional da China (proprietários de terras e camponeses ricos), as pessoas que buscavam liberdade e democracia na história moderna chinesa (contrarrevolucionários), quem se recusou a se prostrar diante do PCC (maus elementos) e as pessoas educadas com valores tradicionais e universais (direitistas).

Esta destruição ajudou a trazer o sucesso da revolução comunista. Desde então, a civilização chinesa terminou. A República Popular da China havia cortado seus laços com a história.

As novas categorias

Diferente das antigas Cinco Categorias Negras, as novas categorias, advogados de direitos, religiões clandestinas, dissidentes, líderes da internet e grupos sociais desfavorecidos, não são inimigos convencionais da revolução comunista. A maioria das pessoas nessas categorias nasceu depois que o PCC tomou o poder. De acordo com a linguagem do PCC, eles “nasceram na nova sociedade e foram criados sob a bandeira vermelha”.

Os advogados de direitos só se tornaram um grupo há pouco tempo. Segundo o advogado Guo Guoting, que também era um advogado de direitos na China e conseguiu escapar para o Canadá antes de ser preso, este grupo se desenvolveu em três etapas.

A primeira etapa foi antes de 2003. Havia 120 mil advogados na China na época, mas apenas dois advogados de direitos. Durante suas carreiras jurídicas, que se estenderam por mais de 10 anos, eles nunca ganharam um único caso de direitos humanos.

A segunda etapa foi entre 2003 e 2004. O número de advogados de direitos quintuplicou. No entanto, nenhum deles está praticando Direito atualmente. Três deles foram colocados na prisão, dois foram colocados em campos de trabalhos forçados e quatro foram detidos como criminosos.

A terceira etapa foi depois que o advogado de direitos humanos Gao Zhisheng escreveu três cartas abertas para os oficiais de alto escalão do PCC apelando pelo fim da perseguição ao Falun Gong. Incentivados e inspirados por suas ações, mais e mais advogados começaram a tomar casos do Falun Gong e de outras questões sensíveis e, finalmente, formaram um movimento de direitos.

As razões deles não praticarem mais são muito semelhantes. Todos pegaram casos do Falun Gong e de outras questões sensíveis. Na China, a lei não é nada comparada ao poder do PCC. O polícia (Segurança Pública), o Ministério Público, os tribunais e todo o sistema jurídico obedecem às ordens do Comitê dos Assuntos Político-Legislativos (CAPL) do PCC.

Ninguém está do lado da vítima se ela for um praticante do Falun Gong, um membro da igreja-doméstica ou um morador da cidade cuja casa foi demolida. Somente advogados de direitos tentaram ajudar esses grupos e o fizeram à custa de suas próprias licenças, carreiras ou liberdade, mesmo que a lei estivesse do lado deles.

Quanto às religiões clandestinas, o artigo de Yuan Peng não especificou que grupos são considerados nesta categoria. No entanto, não é difícil descobrir. Na China, grupos religiosos podem ser divididos em três categorias. A primeira destas não seria considerada religião clandestina, as outras duas seriam.

A primeira categoria é composta pelas religiões oficiais e suas organizações aprovadas pelo PCC. O PCC reconhece cinco religiões: catolicismo, protestantismo, budismo, taoismo e islamismo. Uma pessoa tem de fazer parte de uma das várias organizações religiosas oficiais para poder praticar a religião “legalmente”.

Na China, a liberdade religiosa protegida constitucionalmente se aplica somente aos que pertencem a essas organizações religiosas oficiais e alguns dos líderes dessas organizações seriam membros do PCC.

A segunda categoria compreende os que praticam uma das cinco religiões oficiais, mas se recusam a aderir às organizações oficiais. As igrejas-domésticas pertencem a este grupo. A maioria dos crentes do budismo tibetano também pertence a este grupo.

As razões para não aderir às religiões oficiais variam. Uma delas, provavelmente a mais importante, é que os crentes não acham que devem colocar o Partido Comunista ateu acima de seus deuses, mas isso é exigido pelas organizações religiosas oficiais da China.

A terceira categoria é composta de religiões não-tradicionais e não-convencionais ou práticas espirituais não-religiosas. O Falun Gong é o mais importante nesta categoria. Mesmo que o artigo o Diário do Povo não tenha mencionado o Falun Gong ou outros grupos, o Global Times, uma mídia estatal do regime chinês, publicou um artigo em 5 de agosto com o título “Cultivo perigoso”, que enfatizou o Falun Gong várias vezes.

Incluir dissidentes numa lista de ameaças ao regime não é nenhuma surpresa. Mas em chinês, a palavra “dissidente” significa que uma pessoa tem opiniões diferentes. A questão é, diferente da opinião de quem?

O PCC nem sequer tem uma ideologia ou teoria coerente. A ideologia atual adotada pelo PCC é autocontraditória e confusa. Além disso, como pode a imensa população chinesa ter a mesma opinião? Isso é impossível, mesmo numa família.

O termo “líderes da internet” é um pouco estranho. Assim que uma pessoa adquire seguidores suficientes na internet, torna-se automaticamente inimigo do PCC. Para ser rotulado como um líder da internet, o indivíduo não precisa ter opiniões divergentes do regime, porque nesse caso a pessoa seria colocada no grupo dissidente.

Na maioria dos países normais, grupos sociais desfavorecidos são ajudados pela caridade, o governo, as pessoas comuns e pela sociedade. Seus direitos são protegidos pela lei.

No entanto, a China não é um país normal. As pessoas desfavorecidas não nascem em desvantagem. Em sua maioria, elas são vítimas de grupos de poder e de interesse, de oficiais e funcionários do PCC e do governo. Elas são criadas pelo sistema. A maioria delas poderia ter uma vida normal em outros países e sociedades.

A questão não é quem está nas novas Cinco Categorias Negras, mas quem não está. Ao nomear esses grupos, o PCC se faz inimigo do povo chinês.

O artigo de Yuan Peng responsabilizou os Estados Unidos pela utilização desses grupos. Culpar os Estados Unidos não ajudará a resolver o problema. O PCC fez esses grupos inimigos do Estado. No entanto, eles vivem na China, fazem parte da sociedade chinesa e representam diferentes elementos da China.

Os advogados de direitos representam a justiça. As religiões clandestinas representam a liberdade de crença religiosa. Dissidentes representam valores universais. Líderes da internet representam a liberdade de expressão e o direito à informação. E, finalmente, os grupos sociais desfavorecidos representam a demanda por justiça social. Esses grupos são o verdadeiro poder para mudar a China. Culpar os Estados Unidos não mudará isso.