O laboratório de Biogeoquímica Ambiental, do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena) da USP, em Piracicaba, conta, atualmente, com dois estudos que divergem acentuadamente dos dados padrão do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), órgão mundial que estuda as mudanças climáticas globais. Os agrônomos Arlete Simões Barneze e Gregori Ferrão, que desenvolvem seus respectivos estudos de mestrado e doutorado orientados pelos professores Carlos Cerri e Brigitte Feigl, trabalham no aprimoramento desses dados analisando as emissões do óxido nitroso (N2O), considerado um dos principais causadores do aquecimento global, pois apresenta capacidade de aquecimento global cerca de 300 vezes superior ao dióxido de carbono (CO2).
“Muitas das informações utilizadas pelo IPCC são coletadas e produzidas em regiões de clima temperado. Esse fato produz certa imprecisão em relação à realidade do Brasil, que é um país de clima tropical, em quase sua totalidade”, afirma Carlos Cerri, professor do Cena. No Brasil, a emissão de N2O tem um grande impacto devido principalmente às características da pecuária de corte brasileira.
Assim, o estudo de Arlete foi o de avaliar a emissão do óxido nitroso após o boi urinar no solo, pois a aspersão desse gás para a atmosfera se dá devido à dinâmica do nitrogênio (N) no sistema planta-animal-solo-atmosfera. “Ao pastar, o animal aproveita o nitrogênio contido nas plantas como proteína vegetal e converte em proteína animal para o seu desenvolvimento. Porém, essa conversão não é muito eficiente e quase que 80% dos compostos nitrogenados ingerido são eliminados pela urina”, explica.
Ocorre que, no contexto atual, como o Brasil possui um rebanho superior a 200 milhões de cabeças, 40% das emissões de N2O dos animais em pastagens provem da urina, contra apenas 7% provenientes dos fertilizantes a base de nitrogênio.
E é aqui que a disparidade com os dados do IPCC aparecem, pois, para o IPCC a emissão do óxido nitroso provenientes da urina bovina é 2% do nitrogênio aplicado no solo. “Esses valores não refletem a realidade do nosso país, já que esses números ocorrem em regiões de clima temperado e de diferentes sistemas de produção animal como, por exemplo, o confinado. No Brasil, onde 85% dos animais são criados a pasto, determinamos um valor 10 vezes menor do que o indicado pelo IPCC”, explica Arlete.
Para chegar a esta conclusão, a pesquisadora mediu a quantidade de nitrogênio que entrou no sistema planta-animal-solo-atmosfera e comparou com o que saiu na forma gasosa de óxido nitroso, estimando assim que a emissão que foi de 0,2%, equivalente a 12,5 kg/ano por animal.
Dados subestimados
A pesquisa do doutorando Gregori Ferrão segue na mesma direção ao apontar incoerências nos números do IPCC, que subestima as emissões do óxido nitroso no que dizem respeito aos solos agrícolas, onde a aplicação de fertilizantes nitrogenados, necessários às culturas, é a principal responsável pela formação deste gás.
Internacionalmente, a metodologia mais utilizada e aceita pelos técnicos do Painel sobre Mudanças Climáticas para quantificar os fluxos totais de N2O, em uma determinada área não alagada, baseia-se na alteração dos gases no interior de câmaras instaladas sobre o solo. “Já existem diversos trabalhos que sugerem que as plantas também são agentes desta dinâmica de fluxos entre o solo e a atmosfera. Porém, esse fator não é contabilizado na quase totalidade das pesquisas existentes”, afirma Gregori.
Os resultados da tese do doutorando apontam que, ao negligenciar esta via emissora, pode-se estar subestimando em até 20% do fluxo total de N2O emitido por área de cultivo. “Pelo método que criamos encontramos uma defasagem significativa, salientando o que mostra a importância de aferir e calibrar esses dados”, avalia.
Os resultados encontrados nesta pesquisa se valeram de um estudo comparativo entre as emissões de óxido nitroso provenientes unicamente da transpiração de plantas de milho simultaneamente com os fluxos emitidos pela superfície do solo ao longo de um ciclo de cultivo. “O experimento foi conduzido em nove câmaras de crescimento e coleta que criamos, sendo que seis delas comportaram as plantas de milho e as outras permaneceram sem plantas”, explicou o doutorando.
“O solo contido em vasos foi isolado, estratificando raízes e parte aérea das plantas nos casos em que havia plantas. Já nas três testemunhas, sem plantas, apenas o solo foi isolado como forma de evitar vazamento para o interior das câmaras”, completou.
Em todas as câmaras, o solo foi confinado em vasos e isolado da atmosfera, sendo adubado com fertilizante nitrogenado em doses idênticas às utilizadas em cultivos comerciais. “Os resultados indicaram a influência da adubação nitrogenada não apenas nas emissões de N2O provenientes do solo, mas também a influência da área foliar das plantas em suas emissões”, conclui.
Para a professora Brigitte, perante essas evidências, fica clara a necessidade de promover novos estudos sobre as emissões de N2O no país com o intuito de compreender melhor as condições brasileiras e os processos relacionados as emissões do país. “Esta é uma forma produzir um inventário nacional de GEE, mais consistente e que se traduza exatamente em nossas condições, além de auxiliar na busca das melhores formas de mitigação do óxido nitroso no Brasil”.
O laboratório, que mantém várias pesquisas que avaliam as mais diversas commodities do agronegócio nacional, colaborou com a confecção do primeiro Inventário Brasileiro de Emissões de Efeito Estufa, listando e descrevendo, por exemplo, as emissões de metano pela pecuária, a queima de resíduos agrícolas, entre outros como a cadeia produtiva completa da cana-de-açúcar.
Esta matéria foi originalmente publicada pela Agência USP