Ele ajudou a criar um grupo anti-bullying chamado “Diga não ao bullying“, que serve de guia para os pais, ensinando a identificar os sinais de alerta e corrigindo os equívocos sobre gangues e o bullying
Ex-traficante de drogas e fundador da gangue Latin Kings da prisão Ilha Riker, Christian Claudio se esforçou para não chorar enquanto falava ao telefone com uma criança ucraniana de 12 anos que vive em Middletown, Nova York.
O menino não é um parente, eles nunca se viram pessoalmente, mas em muitos aspectos Claudio sente que o menino é um reflexo de si mesmo no momento mais solitário de sua vida, a sua infância.
E foi por causa da solidão que Cláudio envolveu-se com a violência em sua juventude. A solidão foi a razão pela qual ele liderou uma gangue na prisão. A solidão foi a razão pela qual ele se tornou um traficante de drogas.
Depois de 15 anos de prisão e de alguns acontecimentos que o conduziram a revelações filosóficas e espirituais, Cláudio, de 48 anos, passa o tempo conversando com jovens solitários que sofreram abusos.
A mãe adotiva do menino ucraniano pediu para falar com Claudio há um ano e meio atrás, descrevendo como seu filho enfrentava uma situação de bullying violento na escola. Mais tarde, os dois descobriram que o menino havia pensado em cometer suicídio.
O menino era muito pequeno e muito esperto para sua idade, assim como tinha sido Claudio. “A nossa conversa me abalou. Sei como ele se sente, quando tudo o que você mais quer é um amigo na escola, que é um lugar escuro, muito escuro para uma criança“, disse Claudio.
Sofrendo com o bullying
Claudio cresceu no Harlem espanhol. Seu pai estava quase sempre ausente e sua relação era tensa. “Eu não me lembro de nenhuma vez em que ele tenha me dito ‘feliz aniversário’”, disse ele.
Seu pai trabalhava como garçom no Metropolitan Opera das duas às onze da tarde. Claudio o descreve como um homem severo, um membro da religião Rosacruz.
Sendo pequeno e descrito pelos professores como talentoso, Claudio foi alvo dos valentões ao longo de sua infância. Ele se recorda do incidente que para ele foi a gota d’água, que aconteceu na escola secundária depois de uma tempestade de neve.
“Os grandalhões me agarraram e me jogaram de cara em um monte de neve. Fui para casa chorando, com a minha camisa e óculos cobertos de neve, me senti humilhado“, lembrou.
“Eu não conseguia entender o que eu estava fazendo de errado; eu só queria um amigo, e depois disso, eu tomei a decisão consciente de nunca mais deixar isso acontecer de novo”, disse ele.
A primeira arma de defesa que comprou foi um “nunchaku” (arma utilizada na prática de artes marciais), inspirado por filmes do gênero. Ele logo percebeu que portá-las era ilegal, por isso comprou um canivete.
“Sempre me lembrarei do meu primeiro canivete; era um canivete Barlow, era difícil de abrir e fechar e não era seguro, então comprei um canivete 007 com uma lâmina de seis polegadas, do mesmo tipo que carregavam os caras grandes“, disse ele.
A partir daí foi tudo ladeira abaixo, e não havia ninguém para detê-lo. Usando o dinheiro que obtinha com a venda de drogas, chegava a gastar até 20 mil dólares a cada fim de semana em clubes. Para Claudio, então com 23 anos, e seus seguidores, o fim de semana começava na quinta-feira.
Ele deixou o colégio de Lehman no último ano, renunciando a uma especialização em educação infantil. Em troca, levou uma grande rede de tráfico de drogas para Nova York e outros estados.
Claudio esteve na prisão várias vezes, mas o tempo mais longo foi entre 26 e 41 anos. Tinha sido suspeito em inúmeras investigações de assassinato e foi finalmente condenado a 37 anos por assassinato em segundo grau. Na prisão da ilha de Rikers, ele formou uma gangue chamada Reis Latinos (Reyes Latinos), através da qual controlava 14 mil prisioneiros.
Reis Latinos era uma das maiores e mais violentas gangues de Chicago, que se formou na década de 1940. Claudio fundou a gangue na penitenciária da cidade de Nova York e ela depois se espalhou por outras prisões do estado.
A vida na prisão
Claudio cumpriu a maior parte de sua sentença em Green Haven Correctional Facility, uma prisão de segurança máxima em Nova York. “Eu estava lá com Ronald De Feo Jr., o assassino de Amityville, e com Robert Chambers, o assassino do Central Park, mas as celebridades não são celebridades quando elas estão lá”, disse ele.
Ele também passou algum tempo em outras prisões, como a penitenciária Attica. No terceiro dia após sua chegada, um companheiro preso o chamou num tom urgente próximo a uma das paredes do pátio. “Então ele disse: ‘Você sente isso? Eu disse que ele devia estar louco, sentir o quê? Estávamos no pátio mas não havia vento, não havia nada”, lembra Claudio. Depois ele descobriu que o homem estava falando sobre a tensão entre os detentos.
Logo após dizer essas palavras, um homem começou a perseguir outro prisioneiro com uma barra nas mãos; uma revolta eclodiu. Os presos tinham orquestrado um golpe para eliminar um traficante dominicano de seus negócios na prisão. “Eles podem fazer algumas centenas ou milhares de dólares por semana de dentro da prisão com a venda de drogas; você pode sustentar sua família de dentro da prisão”, disse Claudio.
Apesar da vida dura da prisão e de todos os crimes que cometeu, Claudio encontrou sua consciência moral inata após uma série de eventos. Após um incidente em que quase matou outro preso, começou a reconsiderar suas escolhas na vida, pois não desejava aumentar sua pena por assassinato.
O que motivou Claudio foi um acontecimento aparentemente insignificante na prisão. Quando estava pensando em suicídio, um policial começou a puxar conversa com ele. “Ele conversou comigo como um ser humano, não como um funcionário, ele me deu um pouco de esperança”, disse Claudio.
Sua família se aferrou ao tecnicismo jurídico, o que levou à revogação da sentença depois de 15 anos de prisão. “Além disso, eu fui libertado porque a minha vida tinha mudado ainda na prisão”, disse ele. Claudio não só abandonou a quadrilha que criou, como também convenceu outros a deixá-la.
Sair de uma gangue não é tarefa fácil, muitas vezes isso leva à violência, mas como Claudio era um dos fundadores da gangue, percebeu que poderia usar o respeito e as conexões que tinha para ajudar alguns membros a deixá-la sem repercussões. Ele convenceu vários membros e até mesmo líderes de gangues regionais a sair.
Momentos de realização
“Apesar do início da minha mudança ter ocorrido dentro de uma cela, o grande momento chegou quando meu pai morreu de câncer aos 88 anos“, disse ele. Ele estava visitando o túmulo de seu pai. “Foi um momento de introspecção, eu lembrava do meu relacionamento com ele, como cheguei onde eu estava, e apenas desejei que ele estivesse ali naquele momento para ver minha mudança, porque eu tinha trabalhado duro para isso“, disse ele.
Recordou-se de que havia poucas pessoas no cemitério. “Eu perdi 15 anos da minha vida que não posso recuperar porque estava na prisão e não quero estar sob outra lápide que ninguém vai visitar“, disse ele.
“Cometi muitos erros; não quero que as pessoas olhem para a minha foto e pensem: ‘Chris era um parasita que sugou a sociedade até secá-la’. Isso foi verdade durante certo tempo, mas eu quero que alguém venha, coloque uma vírgula no fim da frase e acrescente a palavra ‘mas’”, disse ele.
“Eu quero que as pessoas sejam capazes de dizer que agora meus filhos têm um grande trabalho, estão livres de encrencas… porque Chris teve tempo para conversar com eles. Quero ter um pedaço de mim vivendo através deles”, argumentou Claudio.
Ajudar os jovens
Há dois anos e meio, Christian fundou a “Throggs Neck – La Famiglia, uma organização sem fins lucrativos destinada a auxiliar jovens com problemas. Agora, ele gasta seu tempo livre fazendo apresentações em eventos da comunidade, escolas e prisões, e também passa algum tempo convivendo cara a cara com membros de gangues. Ele contou sua história para milhares de crianças e centenas de membros de gangues e conseguiu convencer muitos membros de gangues a abandoná-las.
Quando um membro de uma gangue decide abandoná-la, Claudio trabalha em estreita colaboração com a família nas providências necessárias para que eles saiam de forma segura para um novo local sem chamar a atenção.
Ele enfrenta represálias de vez em quando, mas com a experiência que obteve com as gangues, sempre consegue deixá-las em uma única vez. “O que eu estou fazendo é o que tenho que fazer agora, porque eu acho que é essa a razão pela qual eu vivi o que vivi“, disse ele.
“Alguém, em algum lugar, sabia que eu podia suportar isso tudo, sabia que eu chegaria a um ponto onde posso ser uma voz para ajudar esses jovens. Eles não ouvem os policiais, não ouvem os políticos, eles têm de ouvir alguém que esteve lá e passou por tudo isso”, disse Claudio. Seu telefone celular está disponível on-line e ele chega a receber até 10 ligações por semana de pais preocupados que procuram ajuda.
Embora a organização inicialmente esteja direcionada em ajudar os jovens de Throggs Neck, no Bronx, ela nunca recusa um pedido de ajuda. Pais que moram tão longe quanto em Middletown, New York, também ligam para ela.
Os pais do jovem ucraniano tinham parentes e amigos em Nova York, que os levavam para visitar Claudio regularmente durante a semana. Depois de um ano e meio de conversas com Claudio, além da terapia, o menino já não mostra tendências suicidas e inclusive tornou-se amigo de um dos valentões da escola.
Sua organização recebe alguns fundos privados.“É difícil obter subsídios, nunca me pagaram um salário“, disse ele. Claudio tem um trabalho extra, no qual promove eventos para restaurantes e clubes. Com seus antecedentes, é difícil ser contratado para um emprego de tempo integral.
“Embora eu não esteja mais na prisão, ainda sofro por aquilo que eu fiz. Se eu soubesse o quanto isso iria me custar mais tarde, nunca teria puxado o gatilho“, disse ele. Mas as coisas estão mudando. No mês passado, a Associação de Investigadores de Quadrilhas de Nova York conferiu a Claudio o certificado de especialista em gangues de Nova York.
Ele ajudou a criar um grupo anti-bullying chamado “Diga não ao bullying“, que serve de guia para os pais, ensinando a identificar os sinais de alerta e corrigindo os equívocos sobre gangues e o bullying. O grupo tem uma “política de linha aberta” com os jovens para os quais serve de mentor. Claudio mantém seu celular ligado até pelo menos as 04h00 todas as noites, no caso de haver um menino solitário com problemas precisando de alguém para conversar.
Christian Claudio
(347) 763-TNLF