China volta a usar mais órgãos de prisioneiros em transplantes

13/03/2014 12:05 Atualizado: 13/03/2014 12:05

Durante anos, a comunidade internacional de transplante persistiu na suposição de que o sistema de transplante de órgãos na China estaria abandonando a dependência de órgãos de prisioneiros, e desenvolveria seu próprio sistema de doação voluntária.

O assunto tem estado em pauta desde 2006, após revelações sinistras emergirem sobre a extração forçada e sistemática de órgãos de praticantes do Falun Gong, uma disciplina espiritual perseguida. As autoridades chinesas disseram que apenas prisioneiros no corredor da morte, a caminho da execução, tinham seus órgãos extraídos. E apenas depois de dar seu consentimento.

Desde então, organizações como a Sociedade de Transplantes e a Organização Mundial da Saúde (OMS) buscaram maneiras de cooperar com a China, e foram geralmente cuidadosas em não dizer qualquer coisa que pudesse ser interpretado como negativo sobre o sistema de transplante do Partido Comunista Chinês. A cooperação internacional e o progresso eram as palavras de ordem.

Mas esses esforços parecem não ter dado muito resultado, a julgar pelas recentes declarações de Huang Jiefu, o chefe de órgãos da China. Huang foi o vice-ministro da Saúde entre 2001-2013, e foi o rosto da política de transplante da China desde o tempo que as revelações da extração forçada de órgãos se tornaram públicas. Ele deixou o Ministério da Saúde no ano passado e assumiu a chefia do Comitê de Doação de Órgãos e Transplante da China, a organização de transplante oficial do país.

Numa entrevista recente a um jornal chinês, Huang defendeu a prática de terceirização de órgãos de prisioneiros executados. Ele não apenas a defendeu, mas também defendeu a expansão do sistema. “Órgãos judiciais e ministérios de saúde locais devem estabelecer laços e permitir que prisioneiros no corredor da morte doem órgãos voluntariamente e sejam adicionados ao sistema de computador de alocação de órgãos”, disse Huang, em declarações que foram parafraseadas pelo Diário da Manhã de Pequim e amplamente republicadas em websites chineses.

Ele acrescentou que os hospitais deveriam ser proibidos de obter órgãos sem autorização. E as famílias deveriam receber “ajuda humanitária” (também conhecida como pagamentos em dinheiro). Para os observadores e escritores sobre a questão do sistema de transplante da China, as observações de Huang representam um enorme retrocesso nas promessas que foram feitas sobre reformar o sistema.

“Estamos de volta onde começamos em 2006”, disse Ethan Gutmann, um jornalista investigativo autor do livro sobre o sistema de órgãos da China – “The Slaughter: Mass Killings, Organ Harvesting, and China’s Secret Solution to Its Dissident Problem“, que será publicado ainda este ano. “Não obtemos qualquer admissão oficial da extração forçada de órgãos de prisioneiros de consciência, e as autoridades estão basicamente dizendo que precisam pôr seus formulários em ordem. Não acho que fizemos qualquer progresso.”

O próprio Huang Jiefu posou por muito tempo como o reformador do sistema chinês, lutando contra os interesses burocráticos que buscavam manter a capacidade de extrair órgãos de prisioneiros (embora em nenhum momento a China ou seus parceiros internacionais abordem a questão da extração de órgãos de prisioneiros da consciência, principalmente de prisioneiros do Falun Gong).

Essa imagem foi reforçada pela posição de professor honorário concedida a Huang pela Universidade de Sydney em 2008 e renovada em 2011. A premissa do prêmio foi a de que “… Huang fez mudanças significativas na regulação dos processos de transplante de órgãos da China num esforço para conter a prática de captação de órgãos de prisioneiros executados”.

Mas observações posteriores de Huang e revelações na internet chinesa pareceram minar esta imagem mesmo na época. Numa entrevista com um repórter da Australian Broadcasting Corporation, Huang admitiu a colheita de órgãos de prisioneiros executados. Entrevistas na mídia chinesa também revelaram que Huang, até pouco tempo atrás, havia ele próprio realizado tais transplantes regularmente. “Este é um homem que até recentemente fez duas operações de rim ignorando a origem dos órgãos, segundo o que eu sei”, comentou Gutmann numa entrevista por telefone.

Além das credenciais de Huang ou da sinceridade de suas intenções, suas observações recentes sugerem um recuo da parte das autoridades chinesas nos compromissos anteriormente feitos à comunidade internacional sobre o papel dos órgãos de prisioneiros em seu sistema de transplante. Agora, em vez de eliminar a prática, eles buscam integrar o sistema prisional com o sistema voluntário regular.

“O uso de prisioneiros que estão sendo executados é uma maneira imoral de obter órgãos. Misturar esta estratégia em seu sistema emergente de obtenção e alocação corre o risco de bloquear a análise crítica e tornar ainda mais difícil a capacidade de rastreamento do uso de órgãos de prisioneiros condenados. Não há nada sobre este anúncio que eu ache uma boa notícia. Mas há bastante coisa sobre isso que eu acho muito ruim”, disse o Dr. Arthur Caplan, professor de bioética na Universidade de Nova York, em entrevista por telefone.

É também uma contravenção direta da exigência da Associação Médica Mundial que “órgãos de prisioneiros e outras pessoas sob custódia não sejam utilizados para transplante, exceto para familiares imediatos”. Observações recentes de Huang também contradizem diretamente os compromissos que a China assumiu em outubro do ano passado numa conferência em Hangzhou, na China, quando anunciou uma nova era para o transplante de órgãos no país. Esta “nova era” marcaria a “cessação do uso de órgãos que fossem extraídos de prisioneiros executados”, e a garantia de que “a fonte de órgãos esteja em conformidade com os padrões éticos internacionais”.