China tenta pagar por órgãos

17/05/2013 18:20 Atualizado: 20/04/2014 21:09
Novo programa visa camponeses pobres como fonte de órgãos
Arne Schwarz, pesquisador suíço independente sobre o tráfico de órgãos e assuntos relacionados, numa conferência na Alemanha em setembro de 2012. Ele diz que há numerosos problemas éticos num sistema que paga por órgãos (Jason Wang/The Epoch Times)

O novo sistema da República Popular da China (RPC) para a aquisição de órgãos – e o homem por trás dele, o ex-vice-ministro da saúde Huang Jiefu – foi elogiado em alguns círculos como uma ruptura decisiva com o uso de prisioneiros executados como fontes de órgãos. Mas os críticos consideram o novo arranjo como implicitamente coercitivo e argumentam que a falta de transparência permite que a colheita de órgãos de prisioneiros da consciência e de outros continue.

A maioria concorda que qualquer sistema é melhor do que um que se baseia em matar prisioneiros da consciência ou condenados à morte como principal fonte de órgãos.

O segredo sobre o novo sistema, no entanto – sua forte dependência de pagamentos em dinheiro, às vezes grandes, para adquirir órgãos de camponeses chineses pobres – só é mencionada discretamente na literatura oficial e especialistas dizem que o sistema corre o risco de infringir os princípios orientadores da Organização Mundial da Saúde (OMS) para o transplante de órgãos.

Há um vigoroso debate na comunidade de especialistas sobre ética médica e o papel da compensação financeira nas doações voluntárias de órgãos: pagar a uma pessoa dezenas de milhares de dólares diretamente por um rim é chamado de tráfico de órgãos. Mas reembolsar “despesas razoáveis e verificáveis” incorridas pelo doador está tudo bem, segundo a OMS.

No entanto, o novo sistema chinês parece estar fora das diretrizes da OMS, uma vez que as autoridades se referem a pagar vários anos de salários para um residente rural médio.

Arne Schwarz, pesquisador suíço independente sobre o tráfico de órgãos e assuntos relacionados, escreveu num e-mail: “O que quer que esses pagamentos sejam chamados – incentivos financeiros, compensação, auxílio ou assistência humanitária – basicamente, órgãos de pessoas falecidas são comprados com dinheiro e outras vantagens materiais. Esta é a legalização de um novo tipo de tráfico de órgãos.”

Ele apontou para a definição dada na ‘Força Tarefa Asiática sobre o Tráfico de Órgãos’, que descreveu os incentivos financeiros como um tipo de coerção.

Vários anos de renda

O novo sistema chinês, segundo parece, não começou com o objetivo de pagar por órgãos. Um programa piloto foi conduzido de março de 2010 a março de 2012, liderada pela Cruz Vermelha da China; mas ele convenceu apenas 207 pessoas a doarem. Claro, a Cruz Vermelha da China não tem a reputação que possui em outros países. Ela não é independente do regime comunista e sua credibilidade foi afetada após um escândalo de corrupção em 2011.

Vendo as doações voluntárias murcharem, as autoridades começaram a oferecer pagamentos às famílias de camponeses – “os rurais pobres”, como são descritos nos relatórios – pelos órgãos de familiares recém-falecidos e, assim, um modesto crescimento nas doações se seguiu.

Muitas vezes, é difícil obter informação clara, coerente e completa sobre o andamento destes programas a partir de fontes oficiais chinesas. Pesquisadores como Schwarz, que submeteram o sistema a uma análise cuidadosa, têm de montar um mosaico, peça por peça, lendo volumes da imprensa estatal.

A linha no fim de um artigo relacionado deste ano no Diário da China, por exemplo, observa: “Em 31 de março, mais de 719 pessoas doaram seus órgãos, dos quais 1.964 foram órgãos principais, como coração e rins, salvando a vida de mais de mil pacientes.”

Foi admitido pelas autoridades que após a compensação financeira ser implementada, 500 novos participantes se inscreveram no espaço de um ano, quando nos dois anos anteriores, pouco mais de 200 haviam participado, ressaltando o papel do pagamento no novo esquema.

Um artigo de Qiang Fang da Faculdade de Medicina da Universidade de Zhejiang, publicado no Jornal de Ética Médica, fez um grande esforço para explicar como a compensação financeira oferecida na China se enquadraria nos limites éticos apropriados – que a nova política era mais compensação por despesas efetuadas do que grandes pagamentos.

A característica falta de transparência nas operações do sistema, no entanto, faz com que seja difícil saber se os casos referidos por Qiang Fang são típicos ou não.

Em outros artigos, as autoridades chinesas falam menos cautelosamente sobre os valores oferecidos.

Gao Xiang, vice-chefe-executivo da Sociedade da Cruz Vermelha da China na província de Zhejiang, se referiu a casos de 34 mil yuanes (US$ 5.500) em pagamentos (incluindo despesas de funeral); o artigo disse: “O apoio financeiro pago às famílias de doadores não excede 50 mil yuanes (US$ 8 mil).”

Ele continuou: “Isso é muito limitado, mas mostra o espírito humanitário da Cruz Vermelha.”

Considerando que a renda rural média na China é de cerca de 7 mil yuanes (US$ 1.100), segundo a Secretaria Nacional de Estatística da China, um pagamento de até sete vezes a renda anual poderia ter o efeito de um incentivo e alterar o processo de tomada de decisão para famílias e médicos, segundo analistas.

Maria Fiatarone Singh, professora de medicina da Universidade de Sydney, fala no Parlamento Australiano em novembro de 2012. Ela diz que o novo esquema chinês parece coercitivo e inapropriado (Sonya Bryskine/The Epoch Times)

Caixa-preta

Se o sistema é administrado “indo a um grupo financeiramente vulnerável” e oferecendo-lhe grandes somas de dinheiro, “então você decidiu que a coerção é a solução da situação”, diz Maria Fiatarone Singh, professora de medicina na Universidade de Sydney. “A maioria das pessoas acha que não é adequado oferecer grandes somas de dinheiro a pessoas vulneráveis.”

Outra questão que está no cerne da credibilidade dos novos arranjos diz respeito à forma como eles se situam no quadro político e institucional mais amplo na China sob o governo do Partido Comunista Chinês (PCC).

Por mais de uma década, o PCC tem coletado órgãos de criminosos e, em seguida, passou a usar a população de prisioneiros de consciência em campos de trabalhos forçados, predominantemente praticantes do Falun Gong, segundo pesquisadores, que acreditam que tal prática continua.

Ainda não há divulgação de informações reais sobre a composição atual dos transplantes de órgãos na China – não há estatísticas de pena de morte, por exemplo, que seria um dado útil para descobrir o número mínimo e máximo de transplantes possíveis a partir dessa fonte.

A natureza caixa-preta do sistema como um todo, que o esquema de compensação tenta penetrar, resolve poucas das preocupações expressas por David Matas, advogado canadense que pesquisou extensivamente sobre a colheita forçada de órgãos de praticantes vivos do Falun Gong.

“É impossível ter um sistema ético de forma isolada quando o resto do sistema de abastecimento de órgãos não é ético”, disse Matas numa entrevista por telefone. “Sem acesso à informação, revisão jurídica, relatórios de direitos humanos e cobertura da mídia; os mecanismos que permitem descobrir o que está ocorrendo simplesmente não existem e a perspectiva de sua existência não está presente enquanto o PCC prosseguir com seu regime.”

Nestas circunstâncias, disse ele, “não há como o sistema atender à necessidade de transparência, responsabilidade e rastreamento”, exigida por padrões internacionais.

O Dr. Torsten Trey, diretor-executivo do grupo de defesa médica ‘Doutores contra a Colheita Forçada de Órgãos’, disse que, enquanto o sistema não estiver aberto ao escrutínio internacional, prisioneiros de consciência ainda podem ser facilmente usados como fonte de órgãos.

Observando a facilidade com que os hospitais podem produzir documentos falsos na China, ele disse: “Se é tão fácil fornecer identidade falsa para ‘turistas de transplante’, então também é possível conferir identidade falsa para prisioneiros de consciência.”

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