China reflete, extraoficialmente, sobre seu passado sombrio

17/09/2013 12:53 Atualizado: 17/09/2013 12:53
Chineses se desculpam pelo que fizeram na Revolução Cultural
O professor Wen Hanjiang (à esquerda) conversa com Chen Xiaolu (centro). Chen visitou a casa do professor para se desculpar por tê-lo atacado durante a Revolução Cultural (Dwnews.com)
O professor Wen Hanjiang (à esquerda) conversa com Chen Xiaolu (centro). Chen visitou a casa do professor para se desculpar por tê-lo atacado durante a Revolução Cultural (Dwnews.com)

Se um dia na escola você bater na cabeça de seu professor, denunciá-lo por “tendências capitalistas” e conduzir seus colegas para uma sessão de crítica e humilhação pública, você provavelmente gostaria de pedir desculpas por isso mais tarde ou até mesmo 40 anos depois.

Essa violência era comum durante a Revolução Cultural na China, que correu oficialmente entre 1966-1976, mas nunca houve um processo de reconciliação. O Partido Comunista Chinês (PCC) nunca retratou devidamente o período, apenas declarando que o líder Mao Tsé-tung estava “30% errado”. E todos deviam simplesmente seguir em frente.

Agora, os chineses buscam redenção por si mesmos. Eles estão escrevendo cartas a editores e usando ferramentas da internet, como blogues e microblogues, para pedir desculpas aos professores e anciãos que eles abusaram horrivelmente durante essa década violenta.

Chen Xiaolu, o filho de um famoso general comunista chinês, até mesmo fez uma visita à casa do diretor de sua escola em Pequim, Wen Hanjiang, para pedir desculpas pessoalmente pelo que lhe fez.

“Como um líder estudantil da Guarda Vermelha e diretor do comitê escolar, foi por minha causa que os dirigentes escolares, professores e estudantes foram criticados e enviados para campos de trabalhos forçados”, escreveu Chen Xiaolu numa carta pública em seu blogue, em agosto. O termo “crítica” refere-se aos ataques verbais enérgicos e a humilhação pública que era destinada aos inimigos de classe.

“Eu estava ansioso por me rebelar contra essas autoridades, porque eu não tive a coragem de me opor à perseguição desumana”, continuou ele. “Eu tinha medo de ser considerado contra a Revolução Cultural. Foi uma época horrível.”

“Tais ações contra nossa Constituição, que violam os direitos humanos dessa maneira, nunca devem ser repetidas em qualquer forma na China!”, acrescentou ele.

O arrependimento público foi bem-recebido na internet, pois muitos jovens, que estão cada vez mais frustrados com o controle do PCC sobre a mídia e a informação, incentivam a transparência dos que foram levados à violência.

“A Revolução Cultural é o momento mais negro da história da China”, escreveu Gao Huimin, um administrador da Universidade Fudan, no Weibo. “A tragédia que isso trouxe ao povo chinês é difícil de descrever.”

Porque os cidadãos chineses não estão bem informados sobre a Revolução Cultural, eles ficam muitas vezes chocados com as revelações nestas declarações de arrependimento, alarmados com a verdade sobre as ações violentas dos cidadãos, especialmente dos jovens, contra a família, professores, vizinhos e amigos.

“Eu nunca me perdoarei”, disse Zhang Hongbing ao Beijing News, numa entrevista em março deste ano. Zhang contou que, quando era estudante e guarda vermelho, ele denunciou a própria mãe como uma “contrarrevolucionária” por criticar as políticas de Mao. Ele testemunhou sua prisão sem arrependimento e a viu de joelhos no palco antes de sua execução seis meses depois por um pelotão de fuzilamento.

Num esforço para se reconciliar e como um lembrete daquele tempo, Zhang disse que apela às autoridades locais desde 2011 para ter o túmulo de sua mãe marcado e preservado como um marco histórico e um lembrete daquele período histórico da China.

Durante a Revolução Cultural, Mao Tsé-tung radicalizou uma geração de jovens estudantes – os Guardas Vermelhos – a violentamente “se rebelarem” e virarem a China de cabeça para baixo para que ele pudesse aumentar seu controle no poder do PCC em meio ao caos. Rivais políticos tinham ganhado terreno desde o início da década de 1960 e a Revolução Cultural foi uma vingança de Mao.

As cartas de arrependimento revelam a verdade sobre os alunos fanáticos que provocaram a morte de milhões de pessoas inocentes, seja diretamente por meio de espancamentos brutais ou indiretamente denunciando-os às autoridades, que frequentemente os enviavam para pelotões de fuzilamento. Mao deu rédea solta aos jovens guardas vermelhos, ordenou à polícia a não intervir e endossou suas ações cada vez mais violentas.

O ex-guarda vermelho Liu Boqin publicou uma carta de desculpas na revista reformista Yanhuang Chunqiu em março, dizendo que tinha “envelhecido com lembranças dolorosas daquela época”, quando ele denunciou e assediou professores e vizinhos. Ele ponderou que, embora o ambiente da Revolução Cultural coagisse pessoas a más ações, o indivíduo ainda deve assumir responsabilidade pelos males que cometeu e não usar desculpas para ignorá-los.

Song Jizhou, um oficial aposentado de Hebei, publicou sua carta de desculpas a seu professor Guo Kai, no periódico Semanário do Sul em julho. Porque ele era o principal pupilo de Guo, ele foi enviado para recolher provas contra o professor, cujo pai era proprietário de terras, uma das classes políticas inimigas. Por causa de seus relatórios, o professor foi denunciado, criticado e abusado.

“Eu encorajo todas as pessoas que cometeram crimes durante a Revolução Cultural a fazerem uma profunda reflexão! A China não pode experimentar esse caos novamente. O povo chinês nunca deve ser usado dessa forma outra vez”, exortou um internauta de Pequim, após ler as cartas de arrependimento.

O PCC ainda busca proteger a imagem de Mao – o novo líder chinês Xi Jinping invoca regularmente palavras de ordem maoistas e disse com firmeza que o período de reforma econômica não pode ser usado para negar a era maoista de “construção do socialismo” – mas os internautas não hesitam em atribuir a culpa depois de conhecerem a verdade.

“Milhões de chineses morreram nos conflitos e os agricultores pobres morreram de fome”, escreveu um internauta de Guangdong. “Somente pessoas tolas consideraram aquele diabo Mao com um salvador. Se Mao Tsé-tung não fosse cruel e ignóbil, como é que tantas pessoas morreram de fome? Mao era na verdade um vampiro que se alimentava da vida das pessoas. Ele era um demônio! Será que as pessoas nunca acordam?”