Um exercício militar incomum e enorme vem ocorrendo na China e parece ter um propósito mais político do que militar.
A mobilização, chamada “Poder de Fogo 2014”, teve início em 15 de julho e envolve 10 exercícios consecutivos com munição real em todas as regiões militares conduzidos pelo Exército da Libertação Popular. Enquanto isso, a Marinha e a Força Aérea também foram mobilizadas para participar dos exercícios no Golfo Beibu, no Mar de Bohai, no Mar Amarelo e no Mar do Leste da China.
Com a participação das três forças armadas e tropas das seis regiões militares, o exercício é inédito e foi apelidado de “Exercício Militar Maciço das Três Forças Armadas nos Quatro Mares”.
O período da mobilização também não tem precedente, uma vez que começou em julho e continuará até o final de setembro. Além disso, parte da mobilização, como os exercícios nas águas da província de Jiangsu, no Nordeste da China, continuará até 20 de novembro.
Esta série de exercícios militares começou num período de relativo relaxamento das tensões no Leste da Ásia. Em comparação com alguns períodos recentes, os Mares do Sul e do Leste da China estavam relativamente calmos, por exemplo; desde que a plataforma 981 de perfuração petrolífera da China recuou da costa do Vietnã; ou desde dezembro passado quando as atividades de navios e aviões militares chineses nas águas ao largo das ilhas Diaoyu (chamadas ilhas Senkaku pelo Japão) foram substancialmente reduzidas.
Na sequência dos dois incidentes em que aviões de combate chineses voaram “invulgarmente perto” de aviões da Força de Autodefesa do Japão em maio e junho deste ano, o conflito entre a China e o Japão amenizou.
No final de julho, a China convidou Yasuo Fukuda, o ex-primeiro-ministro japonês e ex-presidente do Partido Democrático Liberal, para visitar secretamente a China. Fukuda também se reuniu com o líder chinês Xi Jinping para discutir como melhorar as relações sino-japonesas, visando a realizar uma reunião de cúpula com a presença dos líderes da China e do Japão. (Espera-se que eles possam se encontrar em novembro deste ano, quando a cúpula da APEC ocorrer em Pequim.)
Investigações
Nestas circunstâncias, o enorme exercício militar da China não estaria voltado contra qualquer inimigo estrangeiro, ou pelo menos não parece se dirigir contra inimigos estrangeiros.
Em 29 de julho, durante os exercícios militares de grande escala, o governo de Xi Jinping inesperadamente tornou público o caso de longa data contra Zhou Yongkang, o ex-chefe da segurança pública e apoiador incondicional do ex-líder chinês Jiang Zemin. Depois de obter reações relativamente seguras da sociedade, a bem-embasada e impiedosa exposição e denúncia de Zhou Yongkang foram então publicadas na grande mídia chinesa, uma após a outra.
Em 30 de julho, um dia após o caso de Zhou Yongkang ser anunciado, o Comitê Central de Inspeção Disciplinar (CCID) enviou uma equipe de auditoria de alto perfil para se instalar em Shanghai até o final de setembro.
Em 11 de agosto, Wang Zongnan, o presidente da Shanghai Bright Food Group, foi preso. O predecessor do Grupo era a Shanghai Yimin Food Factory, e Jiang Zemin foi o primeiro vice-diretor da fábrica.
Em 2006, a Shanghai Yimin Food Factory, o Shanghai NGS Group, o Shanghai Sugar, o Cigarette & Wine Group e o Jinjiang International Group foram fundidos no Shanghai Bright Food Group. Wang Zongnan servia como presidente e secretário do Partido Comunista Chinês no grupo. Ele declarou que foi Jiang Zemin quem criou a marca Bright Food.
A prisão de Wang Zongnan tem precedentes interessantes. Por meio da investigação do empresário Zhou Zhengyi, Chen Liangyu, o chefe do Partido Comunista Chinês (PCC) em Shanghai, foi processado em 2006. Por meio da investigação do empresário Xu Ming, Bo Xilai, o chefe do PCC em Chongqing e membro do Politburo, foi condenado em 2013. Por meio dos processos dos empresários Liu Hang e Wu Bing, Zhou Yongkang foi investigado e espera julgamento.
Agora que o empresário Wang Zongnan está sendo investigado, quem será o próximo alvo? A resposta parece ser evidente.
Inquietação doméstica
O “Exercício Militar Maciço das Três Forças Armadas nos Quatro Mares” é mais uma luta contra inimigos internos. Esses inimigos internos não são de forma alguma os uigures muçulmanos. Apesar do fato de que a tensão entre uigures e as autoridades chinesas tem aumentado recentemente, não há necessidade de lançar uma mobilização militar em escala nacional.
Em outras palavras, enquanto na superfície o exercício militar visa inimigos externos, na verdade a mobilização visa inimigos internos. O exercício militar em larga escala foi lançado para impedir a revolta das forças nacionais. Com o apoio da equipe de inspeção de alto nível do CCID do PCC e das três forças armadas, Xi Jinping planeja fazer algo extraordinário.
Durante o exercício militar maciço, comentários relacionados ao 120º aniversário da Guerra Sino-Japonesa atingiram um clímax. Entre eles, alguns são exagerados. Por exemplo, a mídia estatal Global Times informou que se uma guerra sino-japonesa ocorresse novamente e o Japão derrotasse a China, poderia haver um massacre de Pequim.
De acordo com o Global Times, a comunidade internacional então diria com felicidade que a vitória do Japão era uma “vitória da democracia sobre a tirania” e outro “progresso da civilização humana”.
Os comentários acalorados que marcaram o 120º aniversário da Guerra Sino-Japonesa serviram como uma cortina de fumaça para o público chinês, encobrindo-lhes algumas das ações lançadas pelo campo de Xi Jinping.
Em julho, muitos voos domésticos foram cancelados sem aviso prévio ou com prazo muito curto, e as autoridades inicialmente disseram que os cancelamentos foram devido a exercícios militares. Mais tarde, a desculpa mudou para as condições meteorológicas. A inconsistência indica que alguém está escondendo algo.
A maioria dos voos cancelados era na rota Pequim-Shanghai. Pequim é a capital da China e Shanghai é a maior cidade da China. O grande número de cancelamentos em diversas ocasiões causou perdas significativas, tanto econômica quanto socialmente.
Desculpas como condições meteorológicas e exercícios militares não são justificáveis. As pessoas não podem deixar de se perguntar quais foram as verdadeiras razões.
Considerando o atual ambiente político na China, Pequim e Shanghai são os dois centros de duas forças políticas opostas na China. O primeiro é o grupo que está no poder liderado por Xi Jinping, que representa certa legitimidade e legalidade. Já o outro grupo, apelidado de “Gangue de Shanghai”, é encabeçado por Jiang Zemin. A Gangue de Jiang Zemin foi criticada por praticar a “política senil” que está assombrando a China.
Logo após o golpe de Estado planejado por Bo Xilai e Xu Caihou ser descoberto em fevereiro de 2012, foi relatado que Zhou Yongkang estaria sob o controle das autoridades. Mas a investigação formal do caso de Zhou só foi anunciada em 29 de julho deste ano, terminando a longa especulação sobre como ele seria tratado.
É razoável deduzir que o atraso foi causado pela obstrução do “velho senil”. Agora, Xi Jinping teve de anunciar a prisão de Zhou Yongkang para consolidar seu campo, enquanto o “velho senil”, preocupado que a queda de Zhou Yongkang seria o prelúdio de seu próprio fim, interferiu com força total para evitar o desdobramento. Agora, é hora de um encarar as consequências.
Além dos voos cancelados em julho, as medidas de segurança no metrô de Pequim se intensificaram com o pretexto de aumento das viagens na temporada de verão. As medidas são tão rígidas que as lixeiras devem ser limpas a cada 15 minutos.
As pessoas se questionaram se o cancelamento dos voos e o incremento da segurança no metrô foram medidas preventivas destinadas a impedir a rápida mobilização de pessoas com a intenção de lançar um ataque terrorista.
Golpe fracassado
Esta série de eventos sugere que a China pode ter experimentado algum tipo de golpe que envolve Pequim e Shanghai. Pode ter sido uma tentativa fracassada de derrubar Xi Jinping que foi desfeita ou um movimento do campo de Xi para se livrar da influência política de Jiang.
O movimento de Xi pode ser mais rápido do que as pessoas esperam, mas estes movimentos podem não ter sido sua intenção original. As circunstâncias podem tê-lo estimulado a agir mais rápido ou alguém pode tê-lo forçado a assim fazê-lo. O líder chinês Xi Jinping e o chefe do CCID, Wang Qishan, deveriam saber muito bem que numa luta de poder, movimentos preventivos têm vantagens. Certamente podemos esperar outros desdobramentos interessantes na política chinesa.
Chen Pokong participou do movimento estudantil de 1989 na China. Após cumprir penas de prisão duas vezes, Chen foi exilado para os Estados Unidos. Ele escreve regularmente sobre a política e cultura da China e é autor de vários livros.