China pode ser maior beneficiada com crise na Ucrânia

25/02/2015 18:53 Atualizado: 25/02/2015 21:20

A crise na Ucrânia mergulhou as relações EUA-Rússia em seu ponto mais baixo desde a Guerra Fria.

A Crimeia é agora território russo. Apesar de prisioneiros de guerra terem sido trocados e os dois lados concordarem em retirar o armamento pesado, o acordo assinado em 12 de fevereiro em Minsk falhou até agora em parar a luta no Leste da Ucrânia. A cidade de Debaltseve caiu nas mãos dos separatistas. No domingo (22), uma bomba explodiu em uma manifestação na segunda maior cidade da Ucrânia, Kharkiv, matando duas pessoas – dois suspeitos são acusados pelo governo ucraniano de terem sido treinados na Rússia.

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Para Washington, o conflito entre o Ocidente e a Rússia tornou-se muito mais do que um conflito pela integridade territorial da Ucrânia. Tornou-se uma provocação para a ordem internacional ocidental, que os Estados Unidos trabalharam duro para criar no final da Guerra Fria; uma ordem baseada na democracia, no Estado de direito, e no livre mercado. A Rússia não passou por este caminho. Em vez disso, ela está agora desafiando a segurança europeia, mais especificamente a dos estados do leste europeu.

Conversas sobre uma nova Guerra Fria surgiram nos círculos políticos de Washington. Opiniões semelhantes ecoaram em Moscou. Konstantin Sonin, professor da Escola Superior de Economia em Moscou, disse sobre o pensamento do Kremlin: “O país [Rússia] está em uma missão sagrada. Está em guerra com os Estados Unidos. ”

Pressionando para impor sanções contra Moscou (e possivelmente armar os ucranianos), os formuladores de políticas dos EUA parecem ter dado pouca atenção ao impacto geopolítico de longo prazo da ruptura nas relações com a China.

Se não existe uma solução viável para o conflito ucraniano, acreditamos que o “vencedor” não intencional da crise poderia muito bem ser a China.

Aqui está o porquê.

China em ascensão

De acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), a China já ultrapassou os Estados Unidos como a principal economia do mundo, medida pela paridade do poder aquisitivo. Pequim também está envolvida em uma grande escalada militar. Como outras grandes potências emergentes na história, especialmente os Estados Unidos no final do século XIX, a China procura emergir como potência dominante na sua própria região.

A Rússia está ajudando a alimentar a ascensão da China. Se os Estados Unidos e a Europa não consertarem sua relação conflituosa com a Rússia, a China estará em posição de contrariar os Estados Unidos ainda mais cedo.

A economia da Rússia está afundando por causa da queda dos preços do petróleo e das sanções ocidentais. O Banco Mundial já prevê que o produto interno bruto da Rússia (PIB) cairá para 2,9 por cento em 2015. E o Banco Europeu para a Reconstrução e Desenvolvimento estima que a economia russa vai encolher em cerca de 5 por cento este ano.

Em uma tentativa desesperada de evitar o desastre econômico, a Rússia está se voltando para a Ásia para vender seus recursos naturais, obter empréstimos e forjar novos acordos militares.

Em maio de 2014, por exemplo, Moscou e Pequim assinaram um acordo sobre gás no valor de 400 bilhões de dólares. Em novembro de 2014, foi assinado outro acordo de fornecimento de gás para a China. Em setembro de 2014, o então secretário de defesa americano, Chuck Hagel, apontou que a China e a Rússia estão desenvolvendo conjuntamente novos sistemas de armas. É esperado que o comércio da Rússia com a China aumente em 100 bilhões de dólares sobre os 90 bilhões em 2014.

Barganha faustiana

A dupla lógica desta aproximação é simples: a China precisa de recursos e isso a Rússia tem. A Rússia precisa de mercados, do investimento estrangeiro e de dinheiro, e isso a China tem.

Interesses geopolíticos também se sobrepõem. A China não quer que o Mar da China do Sul seja dominado pelos americanos. A Rússia não quer que o Ocidente – Estados Unidos e Europa – penetre no que Moscou considera como “sua esfera de influência.” Em suma, a Rússia e a China não querem um mundo dominado pelos Estados Unidos, isso está muito claro.

Ao mesmo tempo, China e Rússia são rivais geopolíticos. Com efeito, para a Rússia, suas ligações com a China representam uma barganha faustiana.

No curto prazo, a Rússia ganha com a venda de petróleo, gás e outros recursos naturais para a China. No longo prazo, porém, a consequência será o fortalecimento ainda maior de uma China que parece fadada a ser concorrente de longo prazo da Rússia. Moscou está ajudando a China a crescer economicamente e se tornar mais poderosa, enquanto a própria Rússia está cada vez mais fraca.

Realpolitik

Os líderes europeus estão alarmados com a situação na Ucrânia. As vítimas estão aumentando e a economia ucraniana está à beira do colapso. Uma solução urgente para a crise precisa ser encontrada.

Há muita especulação, especialmente em Washington, sobre o “espaço pós-soviético” – as ex-repúblicas da União Soviética (como a Ucrânia), que ganharam a independência após o colapso da União Soviética. Os EUA e os formuladores políticos europeus precisam se lembrar de que o espaço pós-soviético também foi o espaço pré-soviético – do império czarista da Rússia. A Rússia ainda se vê como a potência dominante em uma região em que a história e a cultura lhe provocam interesses especiais. Enquanto o redesenho do mapa da Europa, como o vice-presidente Biden coloca, é inaceitável, é um fato sobre o fundamento de que será difícil de desfazer.

Apesar da compreensível condenação dos movimentos russos, as negociações com Moscou devem continuar.

No longo prazo, os Estados Unidos precisam pensar em como ser uma grande potência triangular. A maioria dos estrategistas norte-americanos concordam que é a China, e não a Rússia, que representa o desafio geopolítico do século 21 mais significativo para os Estados Unidos. Estratégia de 101, então, ditar que a Rússia deve ser um contrapeso à crescente China.

No momento, porém, as políticas dos EUA (e também da Europa) estão empurrando a Rússia para os braços da China. Este, diríamos, é um grande erro geopolítico. Se a desavença entre os Estados Unidos e a Rússia não for sanada, a China sairá vencedora.

Gabriela Marin Thornton é professora de relações internacionais da Texas A & M University. Alexey Ilin é um estudioso graduado na Bush School of Government & Public Service na Texas A&M University