China pode estar à caminho da guerra, adverte escritor

28/01/2016 00:48 Atualizado: 28/01/2016 00:48

Para a maior parte da Europa, guerra parecia algo ridículo em plena virada do século 20. Foi na época da “febre” da globalização, e a Europa controlava, de perto, dois terços do comércio global. A região não presenciava uma guerra continental por quase 100 anos, desde a época de Napoleão.

No entanto, um dos maiores erros registrados na história é o fato de que, em retrospecto,  tudo nos pareceria óbvio:  por trás da industrialização e da emergência de uma indústria global, as engrenagens da política e da concorrência ainda estavam se transformando, dando forma, inadvertidamente, a um novo cenário onde as tensões entre interesses estavam aumentando.

Apesar do fato de que a Grã-Bretanha e a Alemanha estavam entre os parceiros comerciais mais importantes do mundo naquela época, para a surpresa de muitos, a primeira guerra mundial – uma das piores guerras que o mundo já testemunhou – irrompeu em 28 de Julho de 1914.

O autor e cineasta Peter Navarro teme que o mundo possa  estar novamente nesta direção –  em uma nova era de globalização, e novamente entre dois dos maiores parceiros comerciais do mundo.

Em seu novo livro, “Crouching Tiger”, e uma série de TV que acompanha o documentário, Navarro tenta responder à pergunta “Será que vai haver uma guerra entre os Estados Unidos e a China?”

Peter Navarro, autor de "Crouching Tiger", adverte que a militarização da China poderia levar a uma guerra (Peter Navarro)
Peter Navarro, autor de “Crouching Tiger”, adverte que a militarização da China poderia levar a uma guerra (Peter Navarro)

“Esse é o mistério que estamos tentando resolver”, disse Navarro em uma entrevista por telefone. “Mas a razão pela qual estamos tentando resolver esse mistério é a de que possamos chegar , pelo menos, a uma possível resposta que evite o conflito.”

“Sim, eles são o nosso maior parceiro comercial”, disse ele, mas acrescentou que não podemos pensar que o comércio nos protegerá do conflito: “Essa foi a mesma filosofia que nos levou a Primeira Guerra Mundial”

Um futuro incerto

Há muitos barris de pólvora que podem inflamar um sério conflito com a China, diz Navarro em seu livro.

Ao colocar pressão para controlar as águas disputadas dos Mares do sul e do leste da China, o país provocou conflitos com Japão, Vietnã e Filipinas. Ela agora está ameaçando uma guerra contra Taiwan, pressionando a presidente taiwanesa, recém-eleita, que se opõe a influência chinesa. Além disso, as relações da China com a Coréia do Norte estão se deteriorando rapidamente.

Capa do livro "CrouchingTige", do autor e cineasta Peter Navarro, levanta a questão: "Será que vai haver uma guerra com a China?" (Peter Navarro)
Capa do livro “CrouchingTige”, do autor e cineasta Peter Navarro, levanta a questão: “Será que vai haver uma guerra com a China?” (Peter Navarro)

Bonnie Glaser, diretor do China Power Project, no Center for Strategic and International Studies, disse no documentário “Crouching Tiger” que muitas vezes ele chama a China de “poder autista”, devido ao fato dela “simplesmente não parecer capaz de entender como seu comportamento realmente assusta o resto da região.”

Para os Estados Unidos, os problemas com a China também estão se tornando muito numerosos, de modo a não ser possível que governo os ignore – o regime chinês vem roubando empresas americanas com ataques cibernéticos, tem realizado a aquisição de águas disputadas no Mar ao Sul da China, e tem utilizado métodos nefastos para escorar sua economia. “Eu não gostaria de alarmar a todos, dizendo que estamos em guerra com a China, mas nós certamente temos profundas diferenças, fato que eles estão dispostos a resolver através da força”, disse no documentário “Crouching Tiger”,Stefan Halper, diretor do American Studies, do Departamento de Política da Universidade de Cambridge.

O mundo está na encruzilhada de como lidar com essas questões, e Navarro espera que através da apresentação de exemplos históricos e do detalhamento de um o quadro mais amplo de militarização do regime chinês, ele possa ajudar a educar o público sobre algo que é considerado um tema complexo.

https://vimeo.com/145636284

“Minha esperança em curto prazo para o livro, é que ele seja um manual para os candidatos presidenciais sobre uma situação que deve estar entre as principais questões na campanha presidencial”, disse Navarro.

Em “Crouching Tiger” Navarro leva os leitores ao longo de uma investigação, apresentando-lhes questões a serem levantadas, e, em seguida, mostra-lhes fatos que lhes permitem tirar suas próprias conclusões.

Ele levou um certo tempo para entrevistar mais de 30 dos maiores especialistas em questões militares chinesas, e conseguiu condensar sua análise em um pacote de fácil assimilação.

Em apenas 300 páginas, Navarro apresenta um quadro completo da militarização chinesa e as ambições mais profundas por trás de seu desenvolvimento. Ele expõe de uma forma divertida, e em termos simples, informações que, de outra forma, levariam vários anos para serem reunidas e relacionadas a uma visão ampla da militarização chinesa –  informações estas que seriam, de outro modo, apenas entendidas por um pequeno grupo de especialistas.

“O que eu estou tentando fazer, é mostrar as ligações entre todos estes fatos, e como eles estão todos relacionados”, disse ele, observando que “não se pode tratar cada caso isoladamente.”

Além dos negócios

Você pode  estar familiarizado com a obra de Navarro. Ele é o autor de “Death by China“, e dirigiu um filme com o mesmo nome, ambos os quais analisam as práticas comerciais desleais por parte da China  e seus efeitos sobre os Estados Unidos.

Através de métodos que incluem manipulação de moeda e o artifício de ignorar acordos de livre comércio, Navarro disse que o regime chinês fechou cerca de 50.000 fábricas dos EUA e colocou os americanos na fila do desemprego. Mas a questão econômica, observa ele, não pode ser visualizada separadamente das ambições militares da China.

Para que os Estados Unidos possam se defender e ajudar seus aliados, eles precisam ter uma economia forte para gerar as receitas fiscais de que necessitam, em função de construir o reforço militar almejado, além de possibilitar a criação de uma base com estaleiros para a estruturação de aparatos. A guerra econômica entre a China e os Estados Unidos levou a uma diminuição da capacidade americana de fazer o que precisa ser feito, em termos militares“, disse ele.

E acrescenta: “Ao mesmo tempo que os Estados Unidos tem enfraquecido, a economia chinesa tem ganhado forças – e eles estão investindo esse dinheiro em suas forças armadas.”

A natureza das armas adquiridas pelo regime chinês também é particularmente preocupante, já que, como Navarro observa em seu livro, muitas dessas armas são projetadas especificamente para serem utilizadas contra o exército dos EUA. Entre elas está o arsenal de mísseis balísticos antinavio e o desenvolvimento de armamento antisatélite.

Navarro sustenta que a defesa não deve ser encarada apenas em termos de poderio militar, e observou que muitos problemas estratégicos com a China geram um efeito cascata em outros setores.

Leia também:
China fecha acordo com EUA e diz que cessará roubo de propriedade intelectual
Luta política na Gestapo Chinesa expõe fragilidade da polícia secreta
EXCLUSIVO: Como ciberpirataria e espionagem sustentam crescimento da China

“As forças armadas americanas não estão na Ásia simplesmente para protegerem seus aliados ou para uma cruzada moral”, disse ele, observando a estratégia Ásia Pivot, que aumentou a presença dos EUA na região: “São para o interesse econômico dos EUA.”

No entanto, caso os Estados Unidos se afastem da Ásia – pois muitos especialistas acreditam que o regime chinês esteja pressionando para que isso aconteça -, é provável que o Japão e a Coreia do Sul adquiram armas nucleares  e a região se torne instável.

“Você rapidamente chega à conclusão de que os EUA precisa estar lá por motivos econômicos e estratégicos”, disse ele.

“As grandes nações não são fortes apenas por causa de seu poderio militar, mas sim devido à sua economia, seu sistema educacional, sua capacidade de inovar e a capacidade de seu sistema político em oferecer soluções ao invés de estagnação”, disse ele.

E pairando sobre tudo isso há uma questão que John Mearsheimer, professor da Universidade de Chicago, disse ser  “simples e profunda” em relação ao documentário:

“Será que a China pode crescer pacificamente?”… E ele mesmo responde : “Minha resposta é ‘não'”.