Em 2011, a maioria das pessoas ainda pensava que a China, por causa de seu relativamente baixo endividamento público, tinha uma economia muito mais sólida que a da Europa ou a dos Estados Unidos. Então, veio o livro Red Capitalism (Capitalismo Vermelho), de Fraser Howie, um dos primeiros livros a expor a máquina de dívida existente nas entranhas do sistema bancário chinês e os riscos desse modelo de crescimento cheio de dívidas.
Após morar seis anos na China, Fraser vive agora em Cingapura, mas ainda tem algumas coisas para nos falar sobre a China.
Fraser, você poderia explicar por que algumas pessoas consideram que a China já é a maior economia do mundo?
Há grandes abstrações e suposições inseridas no princípio da “paridade do poder de compra” ou “paridade do poder aquisitivo” usado para se comparar a economia dos EUA com a da China e, geralmente, isso não é dito. É algo que está oculto nesse princípio: a única coisa levada em conta é o preço, a qualidade não entra nessa conta.
Em Pequim, você pode cortar o cabelo por 5 yuan (US$ 0,80) ou 10 yuan (US$ 1,60), já em Nova York, você gastaria US$ 20. Bem, na realidade, na 5th Avenue é US$ 75 e, no Brooklyn, US$ 25. Nesse caso, você não deveria falar também de paridade do poder aquisitivo entre Brooklyn e Manhattan?
Há diferenças maiores ainda quando o assunto é visto da perspectiva da qualidade do serviço ou produto. Reescalonar os preços de modo a poder estabelecer uma base comparativa entre economias só é valido se você fizer isso entre países com economias similares, por exemplo, entre os países escandinavos.
E as outras métricas usadas na comparação?
É correto olhar as coisas da perspectiva percapita? Talvez. Eu prefiro olhar para qual das economia está impulsionando o mundo e isso nos remete a aspectos como inovação, pesquisa, diferencial tecnológico nos produtos, etc.
Isso não é exclusividade dos EUA, no entanto, os EUA se mantêm na liderança em muitas áreas. As coisas desenvolvidas nos EUA são copiadas ou adotadas em outros lugares. É por isso que dizemos: X é o Facebook da China, Y é o Google da China, Z é a Apple da China. Na China, quase sempre é uma cópia do que foi desenvolvido em outros lugares.
Será que isso mudará em breve?
Para onde quer que você olhe nos EUA, há coisas inventadas nos EUA, mas produzidas na China. Só nesse contexto é que podemos falar de competitividade chinesa. Não vejo evidências de que a China está competindo de modo diferente em outros lugares do mundo. Quando comparo o WeChat (chinês) com WhatsApp (americano), o primeiro deixa muito a desejar. É como comparar um autentico Lego (blocos de montagem) com produtos concorrentes. O autentico Lego é absolutamente incrível, não há como comparar.
A qualidade dos produtos de origem chinesa é pobre ou duvidosa, porque as empresas chinesas continuam a competir com foco no preço. Se tudo o que você faz é com base no preço, então você nunca construirá e consolidará uma marca reconhecida mundialmente pela qualidade. Claro, a quantidade vendida possivelmente seja maior.
Dou um exemplo significativo. Quando comecei a trabalhar, há mais de 20 anos, o país “bola da vez” era o Japão. Eu acompanhava o mercado mundial com foco no Japão. O índice Nikkei havia alcançado o seu ponto mais alto, 39.000. Em meados dos anos 90, o Nikkei ainda estava em torno de 20.000, enquanto o índice Hang Seng (Bolsa de Valores de Hong Kong) estava em 9.000 ou 10.000. Lembro-me que, ainda nos anos noventas, houve um ponto de cruzamento entre esses índices. O valor do índice Nikkei é agora menor que o Hang Seng. Então, o que isso nos diz? Nada. São apenas números. Cinco é maior que quatro e Pi é menor que 10.
A China será maior que os EUA um dia?
Em algum ponto a economia chinesa ultrapassará a dos Estados Unidos, e dai?! Durante 30 anos, o Japão foi a segundo maior economia do mundo e, mesmo assim, esteve, em grande parte, estagnado, mas isso não teve grande impacto no resto do mundo. Uma grande economia? Você está simplesmente somando a atividade de 1,3 bilhão de pessoas.
Eu preferiria ver o mundo vencendo as empresas chinesas. Elas são grandes porque gozam de monopólio e tratamento privilegiado na China. Se uma empresa chinesa como Alibaba puder, fora da China, efetivamente competir com a Amazon, então isso mostra que a China tem uma empresa de classe mundial.
Em vez disso, você vê que as empresas chinesas ficaram grandes, porque elas não tiveram concorrência e cresceram protegidas no grande mercado da China. As empresas chinesas que usufruem de posição privilegiada são todas grandes empresas chinesas.
Há poucas evidências de que as empresas chinesas fora da China estão tendo sucesso em se tornarem empresas líderes mundiais.
Por 20 anos tenho ouvido sobre empresas chinesas tornando-se lideres mundiais, mas ainda não vi nada significativo nesse sentido.
Fraser Howie é o co-autor de três livros sobre o sistema financeiro chinês, incluindo “O capitalismo vermelho”, nomeado Livro do Ano de 2011 pela revista The Economist. Por 20 anos, ele escreve sobre os mercados asiáticos. Durante esse tempo, ele já trabalhou em Hong Kong, Pequim, Cingapura e para empresas como Bankers Trust, Morgan Stanley, CICC, e CL.