China ganha significativamente em acordos com Reino Unido

28/10/2013 08:49 Atualizado: 07/11/2013 22:04

Em seu primeiro flerte com a República Popular da China (RPC) após mais de um ano de silêncio, o Reino Unido fez uma série de acordos ou aberturas para negócios que dão condições mais favoráveis à China do que necessário, segundo analistas.

A semana de reuniões com autoridades chinesas e de aparições públicas de políticos do Partido Conservador britânico na China, mais proeminentemente o arrojado prefeito de Londres, Boris Johnson, e o ministro das Finanças, George Osborne, deu à luz uma variedade de frutos.

Estes incluem promessas de relaxar as restrições onerosas de visto, que tornam difícil para os chineses permanecerem no Reino Unido, indicações de que os bancos chineses podem receber condições especiais, se se estabelecerem em Londres, e a provisão de investimentos chineses significativos no crucial setor nuclear britânico.

Cerca de uma dúzia de empresas chinesas, por sua vez, teriam se inscrito num Porto Asiático de Negócios em Londres, que criará 20 mil novos empregos, segundo a emissora estatal China Central de Televisão.

Realpolitik

Mas há uma série de notas de rodapé importantes sobre as concessões do Reino Unido que, consideradas num contexto mais amplo, levantam dúvidas sobre se o país poderia ter jogado suas cartas melhor ou se não seria melhor procurar a força de aliados e parceiros contra um regime que não é conhecido por misericórdia em sua conduta internacional.

Desde maio de 2012, quando o primeiro-ministro britânico David Cameron se reuniu com o Dalai Lama, pelo qual o Partido Comunista Chinês (PCC) tem especial desprezo, as relações entre a China e o Reino Unido congelaram.

Isso pode ter sido por uma variedade de razões, mas as negociações recentes são o primeiro grande degelo e foram apregoadas pelo próprio jornal do PCC, o Diário do Povo, como um sinal de vitória política para a RPC.

PCC beneficiado

“A China prossegue uma estratégia de abertura e vitória mútua, mas absolutamente não fará acordos sobre seus interesses fundamentais e absolutamente não tolerará outros países possivelmente prejudiciais aos legítimos interesses da China”, disse o Diário do Povo, sob a assinatura de “Zhong Sheng”, um autor frequentemente usado para entregar mensagens nacionalistas.

O artigo continua, dizendo que “a política e a economia são inseparáveis” e “fazer negócios requer um ambiente político propício”.

“Fazer o que bem quiser e prejudicar os interesses da China, ferir os sentimentos do povo chinês e, em seguida, fantasiar que a China será ‘politicamente fria e economicamente quente’ é absurdo e infantil”, alertou o artigo.

Desculpa?

Não está claro se os políticos britânicos pediram desculpas em particular na recente viagem à China, mas em dezembro do ano passado, o primeiro-ministro Cameron revelou ter ordenado “proibição total” de reuniões com ministros da figura espiritual do Tibete, segundo a imprensa britânica.

Comentários que ele fez numa reunião recente na Câmara dos Comuns também pareciam indevidamente contritos, segundo Alison Reynolds, a diretora-executiva da ‘International Tibet Network’, uma coalizão de grupos de ativistas tibetanos.

Frente Unida

“Acho que precisamos ver a comunidade internacional muito mais unida sobre o Tibete. Precisamos ver uma frente mais unida, porque a China é franca adepta de intimidar outros países”, disse ela em entrevista por telefone. “Mas se os governos se unirem e forem robustos em se levantarem por seus princípios, a China teria mais dificuldade em dividir e conquistar.”

Uma sugestão de política semelhante foi feita por Edward Lucas, um editor do Economist, num artigo de opinião em maio. “A China pode se dar ao luxo de escolher países específicos, puni-los com restrições em reuniões e visitas de alto nível ou até mesmo com sanções de comércio e investimento”, escreveu Lucas. “Mas ela não pode fazer isso com todo o Ocidente.”

União Europeia

A mesma dinâmica parece subjacente nas relações da RPC com o Reino Unido em questões comerciais. “Toda esta bajulação dos chineses por governos individuais não está tornando a União Europeia [EU] mais forte como uma força a ser reconhecida”, disse Guy de Jonquières, um membro sênior do Centro Europeu para Política Econômica Internacional.

“A China tem sido extremamente hábil em dividir e governar, com a anuência voluntária de governos membros. Quando países europeus pedem favores à China”, isso os coloca numa posição inferior, disse ele por telefone. “É necessário reconhecer os chineses pelo que eles são. Eles reconhecem o poder acima de tudo e estão nisso pelos interesses do PCC e da China. Eles jogarão muito duro. Essa é a natureza do jogo”, acrescentou ele.

Governos dos países membros da UE “jogando cada um por si mesmo”, como o Reino Unido está fazendo atualmente, não incentiva os chineses a verem a UE como um corpo coerente com que precisam negociar, disse de Jonquières.

Nuclear

O prêmio mais controverso que a China pode conceder envolve o setor nuclear do Reino Unido, que o governo do Reino Unido – tendo-se comprometido a reduzir a dependência de combustíveis fósseis – está agora tentando seriamente engrenar.

Durante a viagem de Johnson e Osborne à China, foi oferecida aos chineses a oportunidade de investir e, mais tarde, possivelmente operar as usinas nucleares no Reino Unido, segundo declarações recentes.

Este último ainda não chegou a acontecer, mas “se os chineses forem os operadores da energia nuclear no Reino Unido… eles teriam acesso ao conhecimento completo do funcionamento da rede, dos sistemas de backup, do planejamento de emergência e assim por diante”, escreveu Nick Butler, professor-visitante e patrono no King’s College London, num e-mail.

“O sistema de fornecimento de energia elétrica tem sido visto como um ativo estratégico nacional”, disse ele. “Que eu saiba os franceses e os norte-americanos não permitiriam absolutamente operadores chineses nessas áreas.”

Isto vai além da questão de ciberespionagem proveniente da China, muita desta conduzida por entidades militares chinesas. “Se os chineses querem ser tratados como iguais numa economia de mercado global, eles devem parar esta atividade”, escreveu Butler. Isso estaria “claramente ao seu alcance”, disse ele, “uma vez que eles conseguem controlar o uso da internet dos próprios cidadãos”.