Todos os anos, quando chega a primavera, o regime chinês fica nervoso. Isso é especialmente verdadeiro este ano, pois a primavera traz um número de dias “sensíveis” na China.
Segundo a tradição do Partido Comunista Chinês (PCC), qualquer evento memorável deve ser marcado com uma grande festa a cada 10 anos e uma pequena celebração a cada 5 anos. Isso começou com o Dia Nacional do PCC, mas agora isso também se aplica aos incidentes que são más recordações para o regime.
Este ano casualmente é o “pequeno ano” de vários desses eventos. Cinco anos atrás, em 5 de julho, houve manifestações em massa entre uigures em Urumqi, a capital da província de Xinjiang. Quinze anos atrás, praticantes do Falun Gong apelaram em Pequim em 25 de abril, o que foi seguido três meses depois pelo início da perseguição à disciplina espiritual.
Vinte e cinco anos atrás, em 26 de abril, o impulso para o Massacre da Praça da Paz Celestial pareceu se tornar inevitável, segundo a visão do regime comunista. Cinquenta e cinco anos atrás, em 10 de março de 1959, a revolta tibetana começou em Lassa.
Cada uma dessas datas é um ponto de inflexão – posteriormente as coisas assumem um valor diferente. Olhando para trás, 5, 15 ou 25 anos, algumas pessoas podem dizer que, se “x” não tivesse ocorrido, as coisas poderiam ter sido diferentes e o povo chinês estaria melhor.
Talvez a história não funcione desta forma. Em alguns casos, nunca houve outra opção. Tomemos como exemplos dois dias sensíveis da semana passada, 26 de abril e 25 de abril, ambos os quais estão relacionados a um ponto de virada na história, respectivamente, o massacre da Praça da Paz Celestial e a perseguição ao Falun Gong.
Apenas um resultado
Em 26 de abril de 1989, o Diário do Povo publicou o editorial “É necessário assumir uma clara posição contra distúrbios”. O reformista e ex-secretário-geral do Partido Comunista Chinês, Hu Yaobang, morreu em 15 de abril e, uma semana mais tarde, cerca de 200 mil estudantes lamentaram sua morte na Praça da Paz Celestial.
Neste momento, o editorial foi publicado; a paixão dos estudantes já havia começado a se extinguir e eles já se preparavam para voltar à aula. O editorial definiu o movimento estudantil como um desafio à autoridade do Partido Comunista, algo que nunca foi tolerado. Os estudantes rejeitaram essa posição, exigiram a retratação do editorial e fincaram seus pés.
O tom do editorial lembrou as pessoas sobre a Revolução Cultural, que terminou 13 anos antes. Sua ameaça contundente sinalizou futuras perseguições políticas e retaliações. O editorial do Diário do Povo na época era considerado a voz da autoridade máxima. Durante a Revolução Cultural, esta mídia foi a voz do próprio Mao Tsé-tung.
A maioria das pessoas concorda que o editorial foi um ponto de virada e que uma sangrenta repressão posteriormente era inevitável. Algumas pessoas ainda dizem que, se o Diário do Povo não tivesse publicado aquele editorial, o massacre da Praça da Paz Celestial não teria ocorrido.
Será que este “se” de fato existe? Não. Durante o movimento estudantil de 1989, desde o início até o fim, só havia uma possibilidade disponível. Os estudantes devem se render incondicionalmente e aguardar sua punição.
O Partido Comunista nunca negociou com alguém quando ele era mais forte do que os adversários. Durante a guerra civil com os nacionalistas em 1949, quando o exército nacionalista em Pequim e o exército comunista circundante declararam a “libertação pacífica de Pequim”, esta declaração na verdade significava a rendição incondicional do exército nacionalista.
Em 1951, quando foi assinado o “Acordo de Dezessete Pontos para a Libertação Pacífica do Tibete”, não importa o que tenha ido escrito no acordo, o Partido Comunista admitiu apenas a rendição completa do “Governo Local do Tibete”.
Em 1957, aqueles que foram mais tarde identificados como ‘direitistas’ acreditaram nos incentivos de Mao para darem “sugestões positivas” ao Partido. Mas eles se esqueceram de uma coisa, que o PCC não ouve, não negocia e não cumpre promessas. Muitos ‘direitistas’ pagaram por seu erro com suas vidas.
O Partido Comunista só reconhece uma regra – vencer ou morrer. Não há resultado win-win, ou vitórias compartilhadas. As pessoas ainda se lembram da ‘má atitude’ do então primeiro-ministro Li Peng quando este recebeu os representantes estudantis em 1989. Na verdade, teria sido uma surpresa se ele não tivesse se comportado dessa forma.
Prosperando na perseguição
Quase dez anos depois, no dia anterior do editorial do Diário do Povo ser publicado, em 25 de abril de 1999, mais de 10 mil praticantes do Falun Gong convergiram na Secretaria Geral de Apelações em Pequim. Muitos anos depois, as pessoas ainda especulavam que, se os praticantes não tivessem ido a Pequim, a perseguição ao Falun Gong nunca teria ocorrido.
Num futuro alternativo, a perseguição pode não ter começado no mesmo dia, mas isso teria ocorrido da mesma forma.
Em Tianjin, uma cidade ao norte de Pequim, uma revista jovem havia publicado um artigo que fez acusações caluniosas contra o Falun Gong, escrito por um propagandista que tinha feito acusações semelhantes em outras ocasiões. Esse propagandista estava relacionado pelo casamento com uma figura do alto escalão no regime chinês que viria a desempenhar um papel importante na perseguição. Atacar o Falun Gong parece ter sido o negócio da família.
Em 22 de e 23 abril, praticantes se reuniram em frente ao escritório da revista e exigiram uma retratação, o que a revista pareceu pronta a oferecer. Mas a polícia chegou e espancou e prendeu os manifestantes. A polícia disse aos manifestantes que deviam ir a Pequim para resolver o problema, o que resultou diretamente na apelação pacífica dos praticantes do Falun Gong em 25 de abril.
Antes do incidente de Tianjin ocorrer, já havia muitos relatos e artigos caluniosos semelhantes em jornais e programas de TV contra o Falun Gong. Os livros do Falun Gong foram proibidos desde 1996. Houve investigações secretas de grupos da prática que lançaram as bases para uma futura perseguição. Quando praticantes se reuniram em parques para fazer os exercícios de meditação do Falun Gong em conjunto, muitas vezes eles foram perseguidos com jatos d’água ou caminhões de som.
Sempre havia alguém dentro ou fora do Partido Comunista que criava problemas para os praticantes do Falun Gong. Alguns agiram por ideologia, alguns por medo e alguns simplesmente odiavam qualquer coisa que não estivesse no dicionário do Partido Comunista.
Inúmeras campanhas políticas durante o regime Partido Comunista criaram estes indivíduos que prosperam em perseguir outras pessoas. Naturalmente, outras sociedades têm esses indivíduos também. Na China, no entanto, a cultura do Partido Comunista torna esses sociopatas como peixes na água. E todo o mecanismo de repressão e propaganda do Partido está lá para apoiá-los.
O pior governa
Há outro “se” sobre o incidente de 25 de abril. Zhu Rongji, então primeiro-ministro, se reuniu com praticantes do Falun Gong na ocasião e efetivamente resolveu a questão de forma pacífica. Ele prometeu liberar os praticantes do Falun Gong detidos em Tianjin, que foi o gatilho direto do apelo em Pequim. Quando os praticantes em Tianjin foram liberados e sua soltura confirmada, os praticantes do Falun Gong se retiraram em silêncio.
Se a liderança do PCC ou o então líder chinês Jiang Zemin tivessem apoiado e endossado a solução de Zhu, a perseguição que hoje dura 15 anos poderia ter sido evitada. Mas a perseguição não foi evitada, e a solução de Zhu foi revogada. Este resultado tem a ver com a natureza do Partido Comunista, bem como com o caráter de Jiang Zemin.
Os princípios do Falun Gong de verdade, compaixão e tolerância se opõem diretamente ao princípio da luta de classes do Partido Comunista. O Partido não permite crenças e práticas religiosas fora de seu controle. Ele nunca negocia com o povo chinês. O Partido considera o diálogo como um sinal de fraqueza e, portanto, uma ameaça a seu regime.
Na época, Jiang Zemin foi o único no círculo máximo de poder do Partido Comunista, o Comitê Permanente do Politburo, que favoreceu uma campanha de perseguição. Se o chefe do Partido Comunista não fosse Jiang Zemin mas outra pessoa, a perseguição poderia ter sido evitada?
Na verdade, a pergunta correta deveria ser por que a pior pessoa sempre se senta no centro de tomada de decisão no Partido Comunista. Todos sabemos que o ex-líder chinês Deng Xiaoping escolheu Jiang Zemin como seu sucessor porque Jiang agiu com punho de ferro em reprimir a mídia World Economic Herald de Shanghai, quando esta mostrou simpatia pelos estudantes na Praça da Paz Celestial.
Outros líderes provinciais esperaram para ver em que direção o vento estava soprando. Quanto à hostilidade contra a democracia e a liberdade, ninguém poderia competir com Jiang.
Essa é uma das funções das campanhas políticas do Partido Comunista: Encontre os piores indivíduos como potenciais líderes futuros.
Pessoas de fora olham para aqueles que o Partido Comunista considera como inimigos internos e assumem que cada um deles representa uma escolha errada do Partido. Praticantes do Falun Gong, tibetanos, uigures, ativistas de direitos humanos, advogados e até mesmo os monges tibetanos que atearam fogo em si mesmos – por que o Partido precisa fazer guerra contra esses grupos? Todos eles cresceram sob o regime comunista. Continuar a criar novos inimigos está no sangue do Partido Comunista.
A definição de “certo” e “errado” do Partido Comunista é oposta ao senso comum e aos valores universais. Para o Partido, essas decisões e caminhos errados são decisões e escolhas “certas”.