China admite que não tem plano B para economia

05/08/2016 10:49 Atualizado: 05/08/2016 10:49

O líder chinês Xi Jinping raramente comenta diretamente sobre a economia. Em vez disso, ele deixa seu premiê Li Keqiang dizer o necessário. Xi Jinping também fala por meio de uma das mídias porta-vozes do regime, como o Diário do Povo ou a Xinhua.

Em 21 de julho, apenas uma semana após a China publicar os desinteressantes valores do PIB, a Xinhua publicou um comentário sobre como é importante que haja reformas na China, enfatizando que não há alternativa exceto suportar dificuldades em curto prazo em troca de ganhos em longo prazo.

“A China deve avançar com a reforma, pois não há plano B”, afirmou a Xinhua.

O artigo é apenas um comentário da Xinhua e não citou uma “pessoa de autoridade”, como o Diário do Povo costuma fazer, mas considerando o controle que Xi Jinping exerce sobre a mídia, o artigo provavelmente teve sua bênção.

Leia também
• Dados distorcidos escondem graves problemas na economia chinesa

O artigo defende a narrativa de reforma que já ouvimos anteriormente: reforma do mercado, modelo de crescimento sustentável, inovação, incentivo ao consumo interno, reformas estruturais do lado da oferta, redução da burocracia e assim por diante. Assim, podemos assumir que Xi Jinping e seu premiê ainda defendem a agenda de reformas.

“O que é necessário não são correções temporárias: meu governo tem resistido às tentações da flexibilização monetária [ou impressão de dinheiro] e a desvalorização competitiva da moeda. Em vez disso, optamos por uma reforma estrutural,” escreveu a Xinhua, citando o premiê Li Keqiang.

Verificando os fatos

O problema, como frequentemente é o caso com a mídia chinesa e as declarações do Partido Comunista, é que suas reivindicações não refletem a realidade.

Com relação a correções temporárias, a China acabou de criar uma quantidade recorde de crédito no primeiro trimestre, cerca de 712 bilhões de dólares em novos empréstimos. Estes empréstimos não vão para o setor privado como Li Keqiang afirma, mas, em termos gerais, impulsionam os investimentos das empresas estatais.

Construtores navais chineses, por exemplo, relataram um aumento de encomendas por volume de 44,7% entre janeiro e junho deste ano, em comparação ao ano passado. O investimento privado, por outro lado, cresceu apenas 3,9% no segundo trimestre de 2016, enquanto que o investimento total aumentou 9,6%.

“Empresas estatais continuam a investir em indústrias com excesso de capacidade, que sofrem com crescimento mais lento na produção”, informou o banco de investimento Natixis numa nota.

Leia também
• Como a China está criando bolhas imobiliárias pelo mundo

No entanto, a julgar pelo artigo recente da Xinhua e outros anteriores, o regime chinês claramente reconhece os problemas: “Os problemas enfrentados pela economia da China, incluindo um setor imobiliário problemático, o excesso de capacidade industrial, o aumento dos níveis de dívida, bem como a falta de novas forças de crescimento, estão todos conectados entre si e soluções fragmentadas não funcionam mais. A única maneira de restaurar a vitalidade da economia é avançar com reformas.” Mas elas não estão acontecendo.

Em vez disso, autoridades do banco central estão pedindo déficits fiscais de até 5% para apoiar a economia, e eles admitem que o estímulo monetário tradicional não está mais funcionando.

“Apesar das grandes doses de liquidez injetadas no mercado, as empresas preferem depositar o dinheiro em contas correntes na ausência de boas opções de investimento, o que se alinha com o baixo registro de investimento privado”, disse Sheng Songcheng, chefe de estatísticas e análise no Banco Popular da China (PBOC), conforme relatado pelo Diário da Manhã do Sul da China.

Willem Buiter, o economista-chefe do Citigroup, disse numa entrevista anterior ao Epoch Times que a China precisa recapitalizar os bancos e passar por uma rodada de déficits financiados pelo banco central para resolver excessos passados. Ele acha que não há outra forma da China evitar uma crise financeira:

“A menos que eles estejam dispostos a recorrer à política monetária de helicóptero de dinheiro, ou estímulos fiscais voltados principalmente para o consumo e não para investimento. Sim, alguns gastos de capital como habitação social, habitação acessível, e inclusive algumas infraestruturas. Mas organização de apoio à infraestrutura, e não trens de alta velocidade no Tibete. Isso tem de ser financiado pelo governo central, a única entidade com bolsos profundos, e tem de ser monetizado pelo Banco Popular da China. ”

Semântica da dívida

Falando sobre a dívida e uma crise financeira, naturalmente, a Xinhua tem uma visão diferente: “A maior parte das dívidas da China são domésticas, e seus níveis de dívida estão sob controle e são menores do que outras grandes economias. Um nível do défice moderado (2,4% em 2015 e uma meta de 3% para 2016), grandes poupanças familiares e enormes reservas cambiais fortalecem a capacidade do país para suportar riscos.”

Mesmo ignorando o fato de que os funcionários do banco central chinês já estão indicando um déficit de 5%, a agência Standard & Poor (S&P) acaba de publicar um relatório alertando sobre os níveis de dívida da China serem perigosamente elevados. “Os riscos de deterioração são materiais, especialmente se as autoridades chinesas perderem o controle sobre o reequilíbrio da economia”, afirma a S&P.

chinadebt

As reservas cambiais da China diminuíram de 4 trilhões de dólares em 2014 para 3,2 trilhões de dólares agora. Gestores de fundos de investimento, como Kyle Bass da Hayman Capital, acham que o limiar da crise seria em torno de 2,5 trilhões de dólares.

“Eles estão tão à frente de excessos mundiais em crises anteriores; estamos vendo o maior desequilíbrio macro na história do mundo”, disse Kyle Bass a RealVisionTV.

Willem Buiter disse que o debate entre a dívida externa em relação interna é em grande parte sem sentido: “Você pode ter séria crise financeira à maneira antiga sem ter a questão da dívida externa asiática de 1997–1998.”

Ambos Bass e Buiter veem uma maior desvalorização da moeda chinesa como altamente provável. “O governo chinês quer uma desvalorização, mas eles querem que isso ocorra em seus termos. Nos próximos dois anos, isso estará acontecendo”, disse Bass.

Numa coisa a Xinhua está certa: os dias de crescimento de dois dígitos estão no passado. “Com certeza, a economia da China não pode, e não deveria, repetir o seu registro de crescimento do passado. Pode ser uma viagem turbulenta, mas haverá um crescimento mais lento porém estável.” O que é o melhor que a China pode esperar.