Meses atrás, foi amplamente noticiado que o chefe da campanha anticorrupção do Partido Comunista Chinês, Wang Qishan, visitaria os Estados Unidos para mediar um acordo de extradição de funcionários chineses fugitivos, mas, recentemente, Wang mudou de ideia e cancelou a viagem. E há boas razões para isso.
Obviamente, para os EUA, é difícil negociar extradições com o regime chinês por causa da falta de um sistema judiciário independente na China e dos abusos generalizados a pessoas sob custódia na China. Nenhum presidente americano iria querer manter um acordo pelo qual chineses são enviados de volta para a China para, em seguida, serem possivelmente torturados e submetidos a um julgamento arbitrário.
Essa questão possivelmente esteja por trás da decisão de Wang Qishan de cancelar a viagem aos EUA. “Wang não conseguiu garantir um acordo de extradição”, segundo um artigo de 16 de maio publicado no site Mingjing.
Ho Pin, fundador do Mingjing News, disse que ficou sabendo do cancelamento da viagem de Wang por meio dos leitores e que o Mingjing News constatou posteriormente a veracidade da informação “através dos canais oficiais”. Mingjing é conhecido por publicar notícias exclusivas sobre o Partido Comunista Chinês, o PCC, principalmente sobre suas lutas internas.
A cancelada viagem de Wang aos Estados Unidos não foi oficialmente confirmada por nenhum dos governo, eliminando o constrangimento de um fracasso na mediação de um acordo de extração.
Wang Qishan é o aliado mais próximo do líder chinês Xi Jinping e o responsável pela campanha anticorrupção de Xi. Na superfície parece ser uma campanha para eliminar a corrupção no governo chinês, mas, em muitos aspectos, trata-se de uma campanha clássica de expurgo do PCC, destinada principalmente a desmantelar a ampla rede política de Jiang Zemin, ex-líder do PCC, que ainda mantém uma facção com forte controle e influência sobre o PCC e que rivaliza a Xi Jinping.
Desde que a campanha anticorrupção de Xi começou no início de 2013, mais de cem “grandes tigres” – palavras usadas pelo PCC para se referir a altos funcionários corruptos – foram purgado, entre eles, o ex-czar da segurança, Zhou Yongkang e Xu Caihou, um líder do alto comando militar.
Sentindo o cerco da campanha anticorrupção apertar, muitos funcionários corruptos enviaram fortunas para fora da China e fugiram para o exterior, sendo os Estados Unidos o destino preferido.
O regime chinês já lançou duas iniciativas para prender funcionários foragidos: Operação Caça à Raposa em 2014 e a “Sky Net” em abril deste ano. Os investigadores anticorrupção entregaram à INTERPOL uma lista com 100 nomes de funcionários supostamente fugitivos e uma “lista de prioridades” de 150 funcionários chineses que supostamente se escondem nos Estados Unidos.
Wang Juntao, um estudioso chinês e dissidente, disse ao website New Century que os EUA, “onde há real democracia e verdadeiro Estado de direito”, não vão entregar fugitivos a “um regime totalitário e que tem um sistema jurídico subordinado a ele”.
Jerome Alan Cohen, professor de Direito na Universidade de Nova York, tem a mesma opinião. Em entrevista ao site em chinês VOA, Cohen disse: “Como os EUA poderia assinar um acordo de extradição com um país que tem um regime de governo que coloca seu povo abaixo de seus próprios interesses? Não podemos enviar essas pessoas de volta para a China, onde não há a devida justiça e um sistema legal justo”. “Nenhuma verdadeira democracia correria o risco de assinar um tratado de extradição com a China”, concluiu Cohen.
Devido aos abusos de direitos humanos na China, Wang Juntao afirma que o governo dos EUA não pode, em sã consciência, entregar supostos fugitivos para serem presos e interrogados em meio ao que parece ser uma luta entre facções do Partido Comunista Chinês.
Na verdade, o péssimo histórico de violação de direitos humanos na China foi precisamente o motivo que fez Wang Qishan cancelar sua viagem aos EUA, disse Cohen. “Wang Qishan é um homem inteligente. Ele sabe que se for aos EUA, todo o foco recairá sobre as insuficiências e distorções do sistema de justiça criminal da China”.
Finalmente, Wang, que chefia a campanha anticorrupção, não pode legalmente negociar com o governo dos Estados Unidos, porque ele é um oficial do Partido Comunista Chinês e alguns dos fugitivos listados não estão sob a jurisdição da Comissão Central de Inspeção Disciplinar chinesa, que é uma agência do Partido e tecnicamente é responsável por disciplinar apenas membros do Partido.