Embora seja responsável por mentiras, fraudes, desinformação, desigualdade, discriminação e muitas outras iniquidades, aquilo que considero mais antiético no Estado é sua hipocrisia. Embora os políticos frequentemente afirmem que isso não seja verdade, há obviamente uma regra válida para o Estado e seus funcionários e outra para o resto da população.
Uma resposta comum àqueles que defendem algum tipo de democracia direta, participativa ou uma anarquia é dizer que não haveria leis, mas apenas caos e injustiça. O fato, porém, é que se nos afastássemos da democracia que temos atualmente, nós teríamos uma sociedade mais justa e igualitária. As leis ainda existiriam, mas seriam aplicadas a todos. O sistema atual, sob o qual vivemos, é comprovadamente injusto.
Permita que eu ilustre esse argumento com um exemplo recente. Eu tento viajar para a costa ao sul da Inglaterra com frequência, já que a universidade em que estudei fica na cidade de Brighton e ainda tenho muitos amigos que moram na região. Foi enquanto eu estava lá que notei uma manchete de um jornal local que dizia que um homem foi morto ao ser atropelado por um carro da polícia. A vítima, que tinha cerca de 40 anos, aparentemente morreu no local do acidente; o choque com o carro da polícia o matou quase instantaneamente. Poucos detalhes foram incluídos na reportagem, mas ela diz que a questão foi encaminhada à Comissão Independente de Reclamações à Polícia (Independent Police Complaints Comission – IPCC).
Vou me aventurar numa previsão aqui e dizer exatamente o que acontecerá neste caso. O IPCC analisará o caso por algum tempo, declarará que foi um acidente e arquivará o processo. Nenhuma outra ação será tomada e, se for, será de menor importância. Talvez o policial que dirigia a viatura seja suspenso.
Eu posso até estar errado nessa previsão, mas a história parece estar ao meu lado. Sou incapaz de encontrar um só caso em que o policial foi colocado atrás das grades após matar alguém por conta de direção perigosa.
Por outro lado, há um sem número de histórias de cidadãos comuns que foram mandados para a cadeia por crimes similares. Apenas algumas semanas antes da história do atropelamento pelo policial, o mesmo jornal publicou uma matéria sobre um homem que foi condenado a doze anos de prisão porque causou a morte de outra pessoa. Devemos ter cuidado para não fazer muitos paralelos entre casos, já que cada um deles é diferente, mas o resultado final é o mesmo. Um homem ao volante tirou a vida de um pedestre que estava na rua ou próximo dela. No fim, um inocente havia morrido.
Como eu disse, devemos ter cuidado para não fazermos conexões demais entre as histórias, já que o júri e o tribunal tiveram que levar em conta as motivações, o histórico do acusado e as circunstâncias da morte, além de muitos outros pontos. Os dois casos não são completamente idênticos, então eu não esperaria que houvesse punição idêntica. É muito provável, porém, que o policial que dirigia e causou a morte do homem de cerca de 40 anos não terá qualquer punição. Essa é a hipocrisia do Estado e a injustiça que é tão comum em nossa sociedade.
Aparentemente, a polícia não é apenas o braço da lei, mas também está acima dela. Numa construção absurda e paradoxal, a polícia é estabelecida para que a lei seja cumprida, mas ela não é sujeita às próprias regras. Não há justiça se dois incidentes com resultados iguais ocorrem, mas cujas punições são totalmente contrastantes.
Não defendo ninguém que dirija perigosamente e cause a morte de outro ser humano. Acredito que devam existir punições adequadas aos crimes, mas creio também que crimes cometidos por homens fardados e distintivos devam ser considerados tão graves quanto aqueles cometidos por pessoas não-uniformizadas. Talvez os crimes cometidos pela polícia sejam ainda piores, porque é a ela que a sociedade deve recorrer em busca de ações nobres e admiráveis. O que eu defendo é a justiça e um crime é um crime, não importa quem o cometa. Nunca teremos justiça, porém, enquanto o Estado impor obstáculos a qualquer tentativa de alcançá-la.
Traduzido do inglês por Erick Vasconcelos
Esta matéria foi originalmente publicada pelo Centro por uma Sociedade sem Estado