Causas conservadoras tornam-se globais

04/02/2013 18:33 Atualizado: 04/02/2013 18:33
Na promoção de causas globais, ONGs liberais e conservadoras podem encontrar estranhos aliados
Ativistas religiosos conservadores exibem sinais em frente da administração municipal de Tampa, Flórida, EUA, durante a Convenção Nacional Republicana em 29 de agosto de 2012 (Brendan Smialowski/AFP/Getty Images)

Campanhas internacionais sobre questões sociais e econômicas são cada vez mais comuns. ONGs, fundações, jornalistas, celebridades e cidadãos têm pressionado os governos a estabelecerem um Tribunal Penal Internacional, instituir a proibição de minas terrestres e promover a sustentabilidade ambiental. Eles também tentam diminuir o aquecimento global, ampliar o acesso aos direitos reprodutivos e promover outras tantas metas progressistas.

Esse ativismo, nem sempre bem sucedido, tornou-se tão frequentes que a sociedade civil global é frequentemente retratada como o bastião das políticas de esquerda, um reino de grupos afins que trabalham para combater o poder corporativo, a repressão estatal e o atraso cultural.

No entanto, para todos os grupos liberais que trabalham através das fronteiras, outras vozes da sociedade civil também estão se fazendo ouvir. Grupos cívicos de direita estão subindo no palco global, apesar da reputação de aversão a instituições internacionais que personificam causas liberais. Na verdade, ao fazer isso, grupos conservadores podem atrair aliados, explorar locais receptivos e encontrar novos exemplos que apoiem suas ideias.

Ativismo conservador

Considere os debates recentes sobre os direitos dos homossexuais. Mesmo que o movimento de direitos humanos tenha os auxiliado nas Nações Unidas, uma reação surgiu. Crentes tradicionais têm atravessado fronteiras nacionais e religiosas para formar uma poderosa rede que tem frustrado os esforços de reconhecer até mesmo o conceito de orientação sexual. Membros dessa coalizão informal batista-burca podem não concordar entre si sobre dogma, mas católicos conservadores, protestantes, judeus ortodoxos e muçulmanos têm trabalhado juntos durante anos promovendo valores, costumes e proibições há muito estabelecidos. Protestos recentes contra o casamento gay na França exemplificam a tendência.

Outro exemplo, em 2009, quando os secularistas italianos apoiados por ONGs estrangeiras de direitos levaram um caso ao tribunal questionando os crucifixos nas salas de aula, uma coalizão religiosa transnacional se opôs. Proeminentes neste e em outros confrontos europeus foram os ativistas apoiados por norte-americanos e grupos de defesa legal, como o Centro Europeu para a Lei e a Justiça (ECLJ) e o Fundo Aliança de Defesa (ADF).

Em temas mais convencionais de direitos humanos, a Anistia Internacional e o Human Rights Watch enfrentam não só os governos que eles questionam, mas também outros grupos da sociedade civil. No Oriente Médio, o ativismo de direitos enfrenta agora análise microscópica e crítica mordaz do grupo israelense Watch ONG. Tais organizações visam apoiar as políticas de seus países e, mais fundamentalmente, desafiar a reputação de grupos de direitos humanos como referências de imparcialidade e moral.

Em outra esfera, a Associação Nacional do Rifle (NRA) catalisou uma rede internacional que promove o direito de possuir armas em países que não possuem uma 2ª emenda como a Constituição dos EUA, “Uma milícia bem regulamentada, sendo necessária à segurança de um Estado livre, o direito do povo de possuir e portar armas não será infringido.” Membros do ‘Fórum Mundial sobre o Futuro das Atividades Desportivas de Tiro’ (WFSA) têm atuado por décadas na ONU. Em 2012, eles levantaram objecções ao Tratado de Comércio de Armas sobre o controle do comércio ilícito de armas de pequeno porte, ajudando a matar o tratado.

Defensores da ajuda ao desenvolvimento também se veem desafiados por poderosas organizações da sociedade civil. Grupos como a Rede Inter Região no Quênia promovem soluções de mercado livre, condenam a ajuda como destrutiva para o comércio local e exigem que a África seja vista como uma terra de oportunidades. Sobre questões ambientais, do aquecimento global aos alimentos geneticamente modificados, as ONGs contrárias aos controles ajudaram a bombardear ou derrubar acordos internacionais.

Nestes e em outros casos, organizações de direita se tornaram globais. Sem dúvida, alguns destes grupos são cavalos de Tróia, financiados por corporações ou Estados com agendas específicas, ao invés de serem manifestações espontâneas da opinião popular. Mas o mesmo pode ser dito de muitas redes populares de esquerda, que têm o apoio de fundações e funcionários profissionais.

Apesar de ilusões em contrário, a sociedade civil global é ideologicamente diversa e controversa. Na verdade, sempre foi assim, como sugerido por exemplos históricos, como os movimentos pró-escravidão e antisufrágio, ambos envolvidos com influências internacionais. Hoje, com o crescimento das instituições internacionais, muitos conservadores decidiram que é mais eficaz combatê-las de dentro do que de fora. Ao fazerem isso, eles podem bloquear, atrasar ou remodelar as iniciativas que abominam. Mas as forças de direita não apenas se opõem ao “progresso”. Ao invés disso, elas promovem suas próprias visões sobre termos difusos como direitos, justiça e sustentabilidade, assim como diferentes meios de alcançá-los.

Assim, mesmo que líderes políticos de direita denunciem instituições internacionais ou alertem contra ameaças à identidade nacional, grupos conservadores como a NRA solicitaram e receberam status consultivo na ONU, assim como o WFSA. Outros, como o ECLJ e o ADF, argumentam casos perante o Tribunal Europeu de Direitos Humanos ou arquivam notas amicus curiae em tribunais estrangeiros sobre todo tipo de questões, desde educação escolar doméstica até discursos de ódio.

Redes internacionais

Como suas contrapartes progressistas, grupos conservadores criaram redes internacionais. Vinculando-se com organizações afins em outros países, eles compartilham estratégias. Considere o Brasil, onde argumentos e propagandas de grupos de armas dos EUA e Canadá ajudaram a derrotar um referendo de 2005 que queria proibir a venda privada de armas. Grupos de esporte de tiro em países tão diversos como a Colômbia, África do Sul ou Índia também estenderam a mão à NRA, aos ‘Proprietários de Armas da América’ e à ‘Associação Nacional de Armas de Fogo do Canadá’ em apoio a suas lutas locais.

Como consequência, muitos debates políticos dentro dos países estão agora se internacionalizando e isso não acontece somente com Estados fracos que pareceriam mais suscetíveis à pressão exterior. Até mesmo nos Estados Unidos, os ativistas buscam não apenas influenciar decisões estrangeiras, mas usar eventos no estrangeiro, positivos ou negativos, para influenciar a política interna. Por exemplo, na luta contra a lei Mathew Shepard que criminalizava crimes de ódio baseados na orientação sexual, grupos norte-americanos apontaram processos de ministros conservadores em outras democracias e sermões que supostamente incitariam o ódio contra os gays.

Numa busca incessante por promover seus objetivos, a esquerda e a direita correm o mundo por contextos e exemplos favoráveis a seus pontos de vista. Eles propõem suas políticas e normas conflitantes buscando inseri-las no direito internacional. Eles alertam sobre crises, promovendo um conjunto de soluções com páreos rivais, concorrendo com especialistas acadêmicos, megaestrelas morais e celebridades de Hollywood.

Em ambientes domésticos, grupos de direita apoiam novas leis nacionais que impõem exigências rigorosas de registro sobre ONGs estrangeiras hostis. Eles controlam e censuram cada movimento de seus adversários. Em alguns casos, como no conflito Israel-Palestina, uma guerra das instituições observadoras irrompeu com reportagens de cada aspecto dos direitos humanos – alegações factuais, análises legais, objetividade política – sendo desafiado.

Quem ganha essas batalhas? É difícil prever e varia de caso a caso. Mas a capacidade de uma rede cívica de incluir um Estado poderoso como um aliado desempenha um papel fundamental. Ambos os grupos progressistas e conservadores trabalham em estreita colaboração com governos afins, buscando encorajá-los em suas causas. Mesmo após decisões sobre políticas específicas, a luta continua em outros locais nacional e internacionalmente.

O ativismo conservador que torna isso possível não é o resultado de alguma “conspiração da ampla direita”, como a secretária de defesa norte-americana Hillary Clinton alertou uma vez. Há grande diversidade e conflito entre grupos muito levianamente rotulados de direita. Mas, claramente, a “sociedade civil global” não é o domínio exclusivo de grupos progressistas. Também não é um caminho fácil alcançar objetivos políticos bloqueados em casa.

Hoje, ativistas conservadores estão igualmente confortáveis e adeptos no campo global. Eles dominaram as regras enigmáticas das organizações internacionais e construíram afinadas alianças estratégicas. Eles criaram ideias alternativas que ressoam com grandes audiências locais e internacionais e assumiram a batalha em todo espectro de políticas globais num novo nível de intensidade. Isso pode perturbar os adeptos liberais que esperam avançar seus objetivos, mas torna a arena internacional mais representativa da diversidade de opinião da sociedade civil.

Clifford Bob, professor de ciência política na Universidade de Duquesne, é o autor de “The Global Right Wing and the Clash of World Politics”, publicado em 2012 pela Cambridge University Press. Com a permissão de YaleGlobal Online. Copyright © 2013, Centro Yale para o Estudo da Globalização da Universidade de Yale.

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