A catástrofe ambiental na China

10/08/2014 17:24 Atualizado: 10/08/2014 17:24

O meio ambiente da China tem sido profundamente agredido pelo desenvolvimento urbano e industrial, e a poluição do ar, água e solo tem atingido níveis alarmantes. “Isso tem ocorrido numa escala e velocidade que o mundo jamais viu”, segundo Jennifer Turner, diretor do Fórum do Meio Ambiente da China, do Centro Woodrow Wilson. Mas o que sabemos sobre isso? E o que pode ser feito?

‘Apocalipse atmosférico’

A poluição do ar em Pequim alcançou um nível tão dramático em janeiro de 2013 que uma nova expressão foi cunhada, ‘apocalipse atmosférico’ (‘airpocalypse’). Desde então, a palavra tem sido usada para se referir à alarmante poluição do ar em Pequim e em outras cidades chinesas.

O nível de PM2.5 em Pequim ultrapassou 500 em janeiro de 2013, e repetiu a dose em 2014. A cidade, engasgada com uma densa neblina e poluição atmosférica, experimentou uma visibilidade tão baixo que foi necessário paralisar as escolas e o trabalho.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) mede PM2.5, ou partículas menores que 2,5 micrômetros de diâmetro, como um indicador de saúde, pois estas podem penetrar nos pulmões e entrar na corrente sanguínea, causando doenças respiratórias, câncer de pulmão e várias outras doenças. Uma exposição segura a PM2.5 seria de 10 microgramas por metro cúbico por ano ou 25 microgramas por metro cúbico durante 24 horas, que são chamados de índices 12 e 25 de PM2.5, respectivamente.

Uma pesquisa divulgada pela Academia de Ciências Sociais de Shanghai em fevereiro de 2013 classificou Pequim como o segundo pior meio ambiente para se viver entre 40 grandes cidades do mundo, segundo o Daily Mail. O estudo considerou Pequim “inadequada” para a vida devido a sua gravíssima poluição do ar.

A neblina é especialmente grave nas cidades do norte da China durante o inverno, o período mais intenso de queima de carvão para aquecimento, que contribui para a poluição do ar. Em outubro de 2013, a cidade de Harbin, no Norte da China, teve o índice PM2.5 recorde de 1.000, com visibilidade reduzida para menos de 50 metros, segundo dados da agência de proteção ambiental da China.

O desenvolvimento desenfreado e a dependência energética de carvão da China servem como causas diretas da poluição do ar. A China consome metade do carvão do mundo, para alimentar a segunda maior economia global.

A poluição do ar tem causado grande dano à saúde humana. Segundo o estudo “Fardo Global das Doenças 2010”, publicado em dezembro de 2013 na revista The Lancet, um jornal médico britânico, a poluição do ar provocou a morte prematura de 1,2 milhão de pessoas na China em 2010, o que representa cerca de 40% do total global.

A poluição do ar tem reduzido a expectativa de vida em 5,5 anos no Norte da China, segundo um estudo de pesquisadores chineses, israelenses e americanos, publicado no ano passado na revista Proceedings of the National Academy of Sciences.

O apocalipse atmosférico da China não sufoca apenas as cidades chinesas, mas também outros países por meio do transporte de longa distância dos poluentes aéreos. Cerca de 40-60% da poluição de partículas finas no Japão vem da China, disse Hiroshi Tanimoto do Instituto Nacional de Estudos Ambientais do Japão, ao New York Times. O efeito sobre a Coreia é ainda maior. Mas os poluentes também têm cruzado o Pacífico e afetado a parte ocidental dos Estados Unidos.

O apocalipse atmosférico da China segue de mãos dadas com a classificação do país de maior emissor de gases de efeito estufa.

Água ‘perigosa demais para tocar’

Se a poluição do ar já é tremendamente ruim, a poluição da água é um problema ainda pior e mais difícil de resolver, disse um artigo do The Economist.

“Grande parte do abastecimento urbano de água não apenas é bastante perigoso para beber, mas perigoso demais para tocar”, disse John Parker, editor global do The Economist, numa entrevista em vídeo. “Você não pode sequer se lavar nessa água.”

Dados do governo chinês em 2011 mostram que mais da metade dos grandes lagos e reservatórios da China foram contaminados demais para o uso humano. As águas subterrâneas, que correspondem a um terço dos recursos hídricos da China, sofrem poluição idêntica. Dos mais de 4.700 estações de teste da qualidade das águas subterrâneas, cerca de 60% apresentaram nível de poluição “significativamente ruim” ou pior. Metade da população rural não tem água potável.

Indústrias químicas, farmacêuticas e de energia despejam poluentes nos cursos d’água, criando zonas mortas no trajeto de sua dispersão. Um exemplo notável é o rio Huai, no centro da China, declarado morto por Elizabeth Economy em seu conhecido livro de 2004 sobre o meio ambiente da China, “The River Runs Black“.

Se a poluição do ar na China cria um apocalipse atmosférico, a poluição da água criou incidentes que atraem a atenção internacional. Em 2007, o lago Tai sofria com um denso tapete de algas verde-azuis cancerígenas e imagens do incidente têm circulado amplamente na internet. O incidente de derramamento químico que contaminou o rio Songhua no Nordeste da China em 2006, e o acobertamento do governo, foi amplamente criticado. No entanto, muitos outros incidentes não são reportados.

Alguns incidentes de poluição da água são tristemente surreais. Os leitos d’água na cidade oriental de Wenzhou foram tão poluídos por produtos químicos que um cigarro aceso acendeu a água provocando grandes labaredas, conforme reportado pelo Daily Mail no início deste ano. Esta não é a primeira vez que um rio esteve em chamas, e outras imagens da poluição da água na China mostram a água se tornando negra, vermelha ou laranja, ou coberta de algas e peixes mortos.

Um relatório no Chinadialogue indica que em 2012 mais de metade das cidades chinesas tinha água de “baixa” qualidade ou pior. Ma Jun, um ambientalista que dirige uma ONG verde sediada em Pequim, disse ao Chinadialogue: “A poluição da água é tão séria e desafiadora para as autoridades como o combate à poluição do ar… a poluição da água é a maior ameaça para a saúde de cerca de 300 milhões de pessoas que vivem em áreas rurais.”

A poluição do solo e dos alimentos

O China Daily, um jornal de língua inglesa publicado pelo regime chinês, publicou um editorial, declarando: “O solo contaminado com metais pesados está erodindo as fundações da segurança alimentar do país e se tornando um perigo iminente para a saúde pública.”

Quase um quinto das terras agrícolas da China está poluído, segundo o Ministério da Proteção Ambiental da China e o Ministério de Recursos da Terra. Produtos químicos, como cádmio, níquel, arsênico, chumbo e mercúrio, envenenam o solo quando são despejados em águas utilizadas para irrigação.

No início deste ano, o Ministério da Proteção Ambiental admitiu que há 450 “vilas de câncer” na China. Antes disso, a poluição do solo e sua ameaça à saúde e à alimentação receberam limitada atenção da mídia e o governo chinês alegava que os dados sobre a poluição do solo eram um “segredo de Estado”.

A mudança ocorreu parcialmente devido a um recente escândalo de arroz contaminado com cádmio que desencadeou pavor em Hunan e rejeição pela produção agrícola desta região. De acordo com a revista de negócios continental Caijing, a cidade de Guangzhou inspecionou restaurantes locais e encontrou nível de cádmio excessivo em 44,4% do arroz e derivados. A maior parte do arroz era proveniente da província de Hunan.

De acordo com a revista New Century da Caixin, pesquisadores da Academia Chinesa de Ciências e de outras instituições haviam informado sobre a poluição de cádmio em 2009. Eles testaram 100 arrozais perto de minas em toda a província de Hunan e descobriram que 65% das amostras ultrapassavam o limite de segurança de cádmio. O arroz contaminado tinha entrado no mercado local e nacional.

O website da OMS afirma: “O cádmio exerce efeitos tóxicos nos rins, esqueleto e sistemas respiratórios.” O metal pesado é despejado por minas e fábricas de produtos químicos na província de Hunan.

As novas vilas do câncer de Hunan, entre elas a de Shuanqiao, também estiveram sob os holofotes. O Diário Jovem da China informou que 26 pessoas de Shuanqiao morreram de envenenamento por cádmio. As amostras de solo na vila apresentaram teor de cádmio 300 vezes acima do nível permitido e 509 de seus 2.888 moradores testaram positivo para envenenamento por cádmio. A substância química veio do Fábrica Química Xianghe, cuja poluição os moradores se queixam desde 2006. Este exemplo é apenas a ponta do iceberg do envenenamento químico na China.

A preocupante “guerra contra a poluição”

Enfrentando poluição ambiental catastrófica, o governo chinês parece estar acordando. O primeiro-ministro Li Keqiang anunciou no início deste ano ao Congresso Popular Nacional: “Vamos declarar guerra contra a poluição.” Li disse: “A densa poluição do ar está afetando a maior parte da China e a poluição ambiental se tornou um grande problema, que é um alerta vermelho da natureza contra um modelo de desenvolvimento ineficiente e cego.”

O governo chinês tem planos para limpar o ambiente. Em setembro de 2013, o governo lançou um plano de US$ 280 bilhões para limpar o ar, e, no início deste ano, anunciou um investimento de US$ 300 bilhões para combater a poluição da água. No entanto, especialistas estão incertos se esses investimentos mudarão a situação.

O que é preocupante é a persistente atitude do regime de “guerra contra a natureza”, que fez os investimentos passados em meio ambiente terem efeitos limitados. Na guerra de Mao Tsé-tung contra a natureza, as ações draconianas na agricultura destruíram o tecido do ecossistema rural. A busca do desenvolvimento econômico pós-Mao apenas venceu a tendência do passado com poluição sem precedentes do ar, água e solo por meio do crescimento industrial e urbano.

Especialistas em China acreditam que a raiz dos problemas ambientais da China está no controle de cima para baixo implementado pelo Partido Comunista, que vive imerso em corrupção, impunidade política e ausência de estado de direito. Incentivos econômicos para funcionários que aumentam o PIB continuam a estimular a poluição e a neutralizar o combate de seus efeitos. Enquanto algumas fábricas poluentes são fechadas, outras surgem.

“Os problemas ambientais são alguns dos principais resultados de um governo de partido único, corrupto e desumano”, disse Ahkok Wong, um professor universitário de Hong Kong, à revista ROAR.

A poluição ambiental tem se tornado uma fonte de descontentamento e protesto na China. Na década de 1990, os protestos rurais na China já incluíam a poluição relacionada à perda de terras. Desde a década de 2000, os protestos em grande escala se expandiram para as cidades onde os cidadãos rejeitam as fábricas e usinas poluentes. De acordo com uma pesquisa do Pew, as questões ambientais foram responsáveis por metade dos protestos em 2013 na China.

Sem mudanças fundamentais no sistema político, é difícil de prever grandes melhorias ambientais.

Enquanto Mao destruiu a crença tradicional chinesa de harmonia entre os seres humanos, a natureza e o céu, e enquanto o regime comunista pós-Mao continua a favorecer o desenvolvimento em detrimento do meio ambiente, a base moral do povo chinês também foi corroída, estimulando a corrupção e o desrespeito pelo próximo e pela natureza.

Sem a reconstrução de um sistema moral, o meio ambiente da China continuará a sofrer, juntamente com seu povo.

Hong Jiang é professora-associada e chefe do departamento de geografia da Universidade do Havaí em Manoa. Ela é especialista em meio ambiente e cultura da China.