Carnificina nas ruas do Iraque

26/06/2012 03:00 Atualizado: 26/06/2012 03:00

Bombeiros iraquianos extinguem um incêndio após um carro-bomba explodir na cidade de Kirkuk em 20 de junho ferindo um juiz e outras nove pessoas e deixando dois mortos. (Marwan Ibrahim/AFP/Getty Images)No dia mais violento no Iraque desde que os Estados Unidos retiraram suas tropas restantes em dezembro passado, uma série bem planejada e coordenada de ataques terroristas em todo o país matou cerca de 80 iraquianos na semana passada.

Como é geralmente o caso no Iraque, os membros da comunidade xiita constituíram a maioria das vítimas, com algumas das bombas mais poderosas tendo sido detonadas em bairros lotados de fiéis xiitas a caminho de Bagdá para uma cerimônia religiosa.

A BBC coloca o número de mortos em 84, com a polícia e forças de segurança incluídas no número. O jornal britânico Independent colocou o número na casa dos setenta. No entanto, qualquer que seja o número de vítimas, os ataques desta semana demonstraram o quão insegura ainda é a vida no Iraque, mesmo que a violência geral no país esteja em baixa desde 2003.

O assalto é perturbadoramente familiar com os tipos de ataques que a filial da Al-Qaeda no Iraque executou na última década. Carros recheados de explosivos, atentados suicidas, dispositivos explosivos improvisados ao longo de estradas movimentadas e ataques com morteiros em bairros xiitas têm sido, no seu conjunto, as táticas preferidas da Al-Qaeda. E, de fato, o ataque de quarta-feira fez uso de muitos destes dispositivos, a explosão de um carro-bomba perto de um movimentado restaurante lotado de peregrinos xiitas numa hora e um assassinato seletivo de um oficial do governo iraquiano em outra.

O total de 130 civis iraquianos mortos no mês passado certamente será superado em junho, com alguns dias para o fim do mês. Sublinhando a mortalidade da semana passada para a comunidade xiita no Iraque, militantes sunitas conduziram seus ataques com um par de explosões de carros-bomba no último dia da comemoração religiosa, matando 26.

22 iraquianos morreram dois dias depois, quando um terrorista suicida não identificado detonou seu cinto explosivo numa sala repleta de pessoas em luto por uma figura tribal xiita importante na cidade de Baquba.

Como de costume, os responsáveis pelos atentados desta semana dificilmente foram originais, seja em escolher seus alvos ou em justificar a violência. Os adversários do governo iraquiano, em particular, os grupos sunitas que ainda têm de depor suas armas, há muito marcaram feriados religiosos xiitas como uma oportunidade para matar o maior número possível de membros da seita.

Na primeira semana do ano, militantes da Al-Qaeda no Iraque (AQI) friamente realizaram um ataque suicida disfarçados de peregrinos numa multidão de fiéis xiitas que comemoravam o feriado Arbaeen, um período de 40 dias de luto por Imam Hussein Ali, o profeta neto de Maomé. Mais de 50 peregrinos foram mortos na violação de segurança, levando alguns iraquianos a temerem que a Al-Qaeda estava recuperando a força depois de anos sendo abatida pelos EUA e as tropas iraquianas.

Praticamente falando, seria preciso uma quantidade enorme de violência sustentável para retornar aos dias sombrios de 2006 e 2007. O impulso de vingança que milícias xiitas realizavam depois de um ataque da Al-Qaeda não é tão grande como foi antes, em parte porque os xiitas estão agora no controle do governo central.

Enquanto os líderes xiitas sentem que têm a mão superior, este sonho é improvável de se tornar realidade. No entanto, o efeito secundário destes atentados, contribuindo para uma sensação geral de insegurança entre o povo iraquiano e menos confiança em seu governo, pode ser apenas tão importante para militantes como a AQI em longo prazo. Cada grande ato de violência alimenta uma narrativa perturbadora que se tornou demasiado frequentemente no discurso do Iraque todos os dias, as forças de segurança iraquianas são incapazes de parar ou minimizar os custos e danos do terrorismo.

É improvável que a versão deste ano da AQI detonará uma nova rodada de confrontos sectários na capital. No entanto, se maciços ataques terroristas continuam a ser um problema recorrente, uma grande lacuna pode ser colocada entre o povo iraquiano e seus líderes.

Além da incapacidade do governo iraquiano de aprovar uma legislação fundamental (a única lei importante que chegou ao parlamento este ano foi o orçamento nacional) e do impasse interno sobre a partilha do poder com a coalizão governamental do primeiro-ministro Nouri al-Maliki, a legitimidade já empobrecida do atual sistema político pode cair ainda mais. Em última análise, é um grande ressentimento e falta de fé no processo político que provará ser mais ameaçador para o Iraque do que o reacender de uma guerra civil sectária.

Quando mais frequente os terroristas forem capazes de executar operações ousadas com sucesso, mais provável é que o povo iraquiano continue a perder a confiança em seus políticos. O terrorismo não será erradicado completamente do Iraque, mas ele pode ser diminuído ou contido num nível aceitável.

Embora, certamente, seja retratado como um golpe na nova sensação do Iraque de soberania e independência nacional, pode ser a hora para o primeiro-ministro obter assistência adicional dos Estados Unidos, um nível de cooperação que diminuiu desde que Washington retirou seus militares no ano passado e reinstalou parte de sua capacidade de inteligência.

No entanto, mesmo a ajuda de Estados Unidos na frente contraterrorista, isso não preencherá a lacuna entre o povo e seus representantes em longo prazo. Apenas soluções iraquianas para problemas iraquianos, começando com o abrandamento das numerosas crises políticas que estão envolvendo Bagdá, podem começar a atingir esse objetivo.

Não há maior derrota para um jovem sistema democrático do que seus cidadãos se afastarem das mesmas pessoas que elegeram em primeiro lugar. Permitir que o status quo persista praticamente garantirá esse resultado para o Iraque.

Daniel R. Depetris é editor sênior associado do ‘Journal on Terrorism and Security Analysis’ e contribuinte da ‘Foreign Policy in Focus’. Cortesia da Foreign Policy in Focus (fpif.org).